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domingo, 6 de novembro de 2022

MESSIAS NÃO. BARRABÁS E SEUS ELEITORES

Ao meu redor,

o pós por do sol.

À minha frente,

a chuva no vulto das árvores.

Sim ao som da chuva à frente.

Ao meu atrás,

gritos a gotejar ferida

qual água mole em pedra dura.

Não aos gritos ferinos atrás.

Ao meu redor,

a redoma do início da noite

é o que tenho.

Em 2018, ao ser confrontado através de zombarias, eu disse: "É uma pena que quatro anos não serão suficientes para o povo aprender o mal que fez ao escolher Jair Barrabás Boçalnato".

Não precisei de clarividência, pois era e ainda é clara a evidência das trevas elegidas.

Anos antes, ao Lula ser eleito por primeira vez, declarei que as pessoas haveriam de querer que em apenas quatro anos fossem corrigidos todos os problemas construídos em mais de quinhentos anos.

Dito e feito. E a prova foi o apoio ao golpe de 2016 e a eleição duas translações depois.

Lendo O Fabricante de Gorro¹: "Um homem inocente não tem porque ocultar seus pensamentos" pensei: Os inteligentes omitem seus isolamentos. Os indigentes ocutam seus ferimentos. Mente-se, omiti-se, pela indecência em todos os momentos.

Não perco tempo esperando retorno das pessoas. Elas pouco darão. A maioria está imersa nos próprios problemas. Por isso, ou não olha para os outros ou não os vê.

Digamos: a cada cento e cinquenta pessoas de nosso convívio, uma ou duas nos querem bem, três ou quatro nos querem mal ou não nos querem, e o restante nos quer, mas nem bem nem mal... E assim como são conosco nós somos com os demais. O que nos resta? Seguir o próprio caminho na maior serenidade e silêncio possíveis. Serenidade para não nos magoarmos, silêncio para não ferirmos e os dois para sentir a natureza.

O compositor Domiguinhos disse: "Traga-me um copo d'água, tenho sede e essa sede pode me matar. [...] A planta pede chuva quando quer brotar. O céu logo escurece quando vai chover". E só quero nesse momento dizer a você o que li num muro: "Você é forte. Só está cansado". Vá e Vença! O Sol renasce uma e outras vezes mais.


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Texto e fotos de Rubem Leite: vistas de minha casa, em Limoeiro-Timóteo MG.

¹ de Phlip K. Dick.

RECOMENDO:

A leitura de Sequestraram a Democracia, de Glaussim:

https://www.recantodasletras.com.br/contosdesuspense/7641748

Refletido e trabalhado entre 28/10 e 06/11 de 2022.

domingo, 14 de agosto de 2022

PAI NOSSO

 

Pai nosso que é da terra
Ser pai não é pra todos.
Não há quem nao erra:
Bem-aventurados os pais
Apiedados os que não foram.


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Rubem Leite

14/8/22

domingo, 31 de julho de 2022

PRO-NOMES

 


Pronomes pessoal reto e oblíquo, possessivo e outros.

O mais "importante" e menos bonito é o Eu enquanto o Nós é quase tão "importante", porém como é lindo. E dos possessivos o Nosso ganha dos outros e só não supera o De Todos.

Mas isso, em nossa sociedade, soa ridículo. Vivemos o Mito de Sísifo, tão esclarecido por Albert Camus.


Há quem é ouro ou cobre

Mas nem tudo é nobre

No último dia útil

(Hoje é vinte e nove)

Salário do pobre

Sai nada sutil

Boca aberta corre

A dívida? Cobre

Sua vida, funil.


Quase me sinto Meursault (fala-se Mersô), também de Camus. Praticamente sem emoções a demonstrar; tão ferido estou. E queria, como tal, ser indiferenter ao mundo.

Mas não sou Meursault e sim Benito. Sonhei:


Eu estava indo pra escola, mas passei primeiro na casa do artesão e poeta Kadosh.

A primeira coisa a ver era o belo jardim. Depois uma grande casa simples e com muitos moradores, um longo quintal em declive com árvores e um cristalino riacho atravessando pedras.

Não sei o que aconteceu com minhas roupas; se molhou, se rasgou. Só sei que tive que jogar fora. Até meus óculos entortaram.

E tinha que ir dar aula.

Um me emprestou uma bermuda dins super vinhádu. Outro me emprestou uma camisa que berrava: biiiiiiiiiichaaa.

E saí pelas ruas.

Um grupo de mulheres "cristãs" - de velhas a crianças - riu e as afrontei com uma coragem que nem sei se tenho. Encontrei alunos que me cumprimentaram; uns estranharam, mas nenhum desrespeitou.

Na escola as funcionárias me olham, e como olham. Teve uma que falou alguma coisa, mas dei-lhe um chega pra lá. Até enfiei o dedo no nariz da dita cuja e falei que visto como quiser e se não gostar do que vê que fique cega...

E fui dar as minhas cinco aulas.

Uma de minhas estudantes diz-me:

- Nenhuma pessoa sem noção é mais sem noção quando dá uma de com noção.

Isso enriquece meu pensamento:

A vida é um absurdo.

Diz Albert Camus.

Acorda, sai da cama, limpa-se, alimenta-se, sai pra trabalhar, aguenta muita coisa, volta pra casa, limpa-se, alimenta-se, dorme.

Trinta dias seguidos.

Com o salário compra: roupas para trabalhar, comida para trabalhar, remédios para trabalhar etc. para trabalhar.

E o círculo do absurdo repete doze meses, várias décadas.

Morre. E a morte é absurda.


- O pagamento do piso salarial dos agentes de saúde será pago em julho de 2022 reforça a política permanente de valorização dos servidores públicos de Timóteo. - O vice-prefeito e também secretário de educação declara no "tuíter" da PMT.

- E o piso dos professores? Cadê? - Questionam R.C. e C.F.

Responde o dito secretário de educação e vice-prefeito:

- Já foi pago no mês de maio. - Mente.

- Não! Não recebemos nada. - Contesta Benito. - Só se forem pisadas... Eu, por exemplo, tive foi é pesadelos.

- Professor! Não se cansa?

- Muito mais do que o senhor pensa. Mas professor não é Sísifo nem Meursault.


Porém talvez um dia o Nós e o De Todos seja a sociedade. Mas... Será? Quando?


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Rubem Leite

Pensado, trabalhado e escrito entre 25 e 31 de julho de 2022.

Foto do autor: filtro dos sonhos produzido pela artesã Erika Aviles em comemoração a um ano morando em nossas casas em Timóteo MG.

domingo, 26 de junho de 2022

NÃO VÊ QUEM NÃO VÊ

 

 


 

Passeando por um bosque iam mãe e filho – Cura Uínter Flordelis e Henry.

Ela carregava um Livro e uma bolsa com lanche para o piquenique. O menino, de cinco anos, choramingava reclamando por andar.

Param numa bela clareira ao pé de grandes rochas.

Ela se dedica a ler e a criança, ao brincar nas pedras, descobre a entrada de uma pequena gruta e, apesar da orientação materna, ele entra.

Com um suspiro cansado a mulher vai atrás. Uma vez dentro se depara com joias de ouro e pedras preciosas.

Uma voz soou:

“Pegue tudo que queira, mas não se esqueça do essencial. Você tem sessenta segundos...”.

Faltando dez segundos para o fim do minuto a gruta começa a estremecer e oito segundos depois ela estava fora.

 - Ó! Esqueci o menino... Mas tudo bem. Trouxe as joias e, mais importante, não me esqueci da Bíblia.

Passou-se o tempo. Uínter Flordelis perde suas posses. Por isso ela e a Legião da Religião se reúnem.

- Monstros. Monstros me perseguem. O que devo fazer?

A mãe chora e o Padre Jota Eme, admirando ainda o belo corpo da mulher, orienta:

- Você vê a eles e por isso eles veem você...

- Não... Não compreendo.

- Eles veem você porque você os vê.

Explica o Pastor A Eme. Depois dá a ela um cândido sorriso enquanto pensa: “Vou destruir todo mundo”.

- Então... Então o que devo fazer?

O Diácono Eme De Ce encerra a reunião:

- Os olhos... Pegue esta faca...

 

 

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Rubem Leite.

Escrito entre os dias 23 e 25 de junho de 2022.

Trabalhado na manhã de 26 de junho de 2022.

 

Padre Jota Eme – O padre Jean Rogers Rodrigo de Sousa, conhecido por José Maria, foi excomungado pelo Papa Francisco após rigorosa investigação coordenada pela Igreja Católica. O Pe. José Maria cometera diversos estupros a freiras e noviças. (Junho 2022).

Pastor A Eme – O pastor Arilton Moura, junto com o pastor Gilmar Santos, coordena o esquema do gabinete paralelo do MEC para “destravar por meio de propina demandas estaduais e municipais do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)”. [Mariah Aquino, no jornal Metrópolis, junho 2022].

Diácono Eme De Ce – O prefeito e o vice-prefeito de Curitiba (Rafael Greca e Eduardo Pimentel) acompanhados pela Polícia Militar, assessores e políticos afins, ladeiam o diácono Marcos Daniel de Camargo enquanto este benze armas de guerra a serem utilizada pela Polícia Civil. (Janeiro de 2022).

sábado, 18 de junho de 2022

Inspirado no conto Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan

Por que é que quem te escravizou te deu uma Bíblia. Pensa, pensa.


Em Ipatinga, um elegante e maduro senhor começa a tossir, põe a mão direita sobre o coração, com a esquerda se apoia na parede de uma das lojas na avenida 28 de Abril e lentamente vai escorrendo-se até o chão.

Um jovem com dread nos cabelos o socorre, grita por ajuda. Como ninguém aparece o rapaz vai embora com o coração apertado e a pensar no corte no cabelo que será obrigado a fazer ao entrar pra polícia. O homem não percebe a ausência do celular.

Uma garota se aproxima para ajudar, abre-lhe a camisa para ele poder respirar enquanto os transeuntes passam. E a jovem se junta condoída à massa, pois tem que levar os documentos para registrar seu nome como candidata a vereadora. O homem não percebe a ausência do cordão de ouro.

Uma velhinha de Bíblia na mão vai até ele. Em seu desespero abre a carteira para ver o nome do homem e grita: "u hômi sichama Girvany. Alguém u cunhéci?" E atravessa a avenida a perguntar as pessoas se conhecem o caído. "Ó glória" exclama a cada negativa. O homem não percebe a ausência dos R$500,00 que estava na carteira.

- Gente! A mulher gritou "Girvany"? Eu o conheço. É meu amigo; um irmão.

O amigo se aproxima. "Girvany do céu. Que te aconteceu? Pega seu celular e chama o samu. Quando este chega acompanha o irmão até o UPA. Lá os médicos socorrem o homem, mas chegam tarde. Ninguém percebe o amigo indo embora com a bolsa cheia de livros do falecido. Só se ouve o choro de quem se vai: ooorrorrorrorrórróóó.


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Rubem Leite.

domingo, 5 de junho de 2022

ABÓBODA FLORAL

 Foi por aqui que passou para chegar.


Antes de sair via o que vivia.

O governo federal incapacitado, o judiciário submisso. O governo mineiro entrando na justiça para não pagar os professores e o judiciário, submisso. Os municípios de Ipatinga e  Timóteo negando aumentar o salário dos educadores. E este último eliminando dos ônibus os cobradores para dar aos motoristas múltiplas funções: conduzir, guiar quem entra, cobrar a passagem, ver quem sai...

O que a gente é diante do capital?

O que é gente diante do capital?

Em nossas intimidades, pelejas, muitas pelejas.

- Boa tarde, professor!

No supermercado do Limoeiro lhe diz um imenso sorriso que muito o prejudicou. Pego de surpresa não soube reagir e só devolveu o cumprimento.

Nas salas de aula, alunos, mas não estudantes.

- "A, e, o" sempre são vogais, mas "i, u" podem ser vogais ou semivogais. Semivogal é quando sua pronúncia é mais fraca. E duas vogais nunca podem estar na mesma sílaba. Para estarem na mesma sílaba tem que ser vogal e semivogal ou o contrário; formando assim ditongo. Hiato é quando "u, i" tem a força de vogais mesmo estando ao lado de outra vogal, mas em sílabas diferentes.

- Como assim, professor?

- Vejamos os exemplos: "saí e sai", "saúde e saudade". Leiam pausadamente essas palavras, prestando atenção nas pronúncias.

- Sa-í / sai /|\ sa-ú-de / sau-da-de".

- Viram que em "saí e saúde" tanto "a" quanto "í" assim como "a" e "ú" foram pronunciadas separadamente?

- Siiim.

- Pois é. Ocorreram hiatos. Quer dizer, todas elas têm força de vogais. Mas em "sai e saudade" foram pronunciadas juntas, mas o dois "a" foram ditas com bem mais força que "i, u"; isso significa que se tornaram semivogais. Ocorrendo, assim, ditongos. Consegui explicar?

- Siiiim, professor.

Passou os próximos dias fazendo perguntas e dando exercícios sobre os encontros vocálicos e eles quase sempre acertando para errarem na prova que, diga-se de passagem, foi muito fácil. Erraram mais por terem pouco ânimo de interpretar os enunciados.

Em casa, ouve as brigas dos vizinhos da frente e as dos vizinhos de trás.

Em casa, pelejas. Seu filho sempre recusando tomar seus medicamentos, bebendo bastante e até a cheirar Paracetamol desfeito a pó.

Em casa, gritos na frente, dentro e atrás. Gritos, gritos e gritos.

E foi assim que atravessou:

Abriu a válvula do botijão, girou o botão da trempe, disfarçou o cheiro espalhando inseticida no ar e saiu deixando o pai professor deitado no sofá, bem perto da cozinha.


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Rubem Leite

Foto do autor.

Escrito entre 01 e 05 de junho de 2022.

domingo, 29 de maio de 2022

UM AO LADO DOS DEMAIS

 

  

Solo soy una mariposa en el capullo pero solo ven el capullo.

O vento toca árvores e sua melodia é como o beira-mar ou a chuva. Nesse embalo leio duas preces e de cada uma fica uma oração que me poetiza.

 

“Deus abrange o meu ser”*

Olho pro Sol, pra Lua, Flores

Sinto-me a mim tecer

Vejo gente, tantos indecentes

E tantos socioindigentes

Chego a esmorecer

Todavia ainda há livros

 

“Tenho alma destemida”*

Mesmo sendo gente

Minh’alma não é empedernida

Apesar dos seres humanos

Difícil manter cabeça erguida

Força tenho nos livros e bichos

 

Tento sorrir; compartir meus pensamentos. Ainda não sei ser silêncio onde não querem diálogo. Conversam para ouvirresponder, não para compreender.

- E tem um livro muito interessante e importante para ler: a Bíblia. Experimente; você não vai se arrepender. É um manual de vida.

- Li a Bíblia por vinte anos; algo em torno de sete estudos: três anos para completar cada estudo...

- É ler ao longo da vida, tentar implementar em nossas vidas, refletir a Bíblia. E, acima de tudo, ler, orar e esperar a resposta de Deus todos os dias. Volto a repetir: é nosso manual de vida.

Não respondo. Melhor conversar com os bichos e livros, mas penso: A diferença entre religião e ciência: Esta reconhece quando erra e por isso aprende. Enquanto a religião apenas aprende a dar desculpas melhores. Ciência não é crença. Ciência é o conhecimento adquirido através de pesquisa metodológica. Crença não vem de pesquisa nem de método.

Melhor calar.

Não sei se é uma fase ou se será permanente; talvez só um período, não sei. Mas estou fazendo as coisas; o que posso, o que aguento e quase o que quero. Faço para o nós.

Se me agradecem ou retribuem fico próximo a contente; não supervaloro. Se não me agradecem ou, digamos, me incomodam fico próximo a triste; não supervaloro.

Aprendi tempos atrás que os que nos elogiam hoje quase sempre, quase todos são os que nos abandonam ou jogam pedras.

Solo soy un colibrí apagando fuego. Una mariposa en el capullo.

 

 

Rubem leite.

* Sutra em Trinta Capítulos para Leitura Diário; Seicho-No-Ie.

Imagem do autor.

Escrito entre 16 e 29 de maio de 2022.

domingo, 15 de maio de 2022

FORA DO CAMPO DE FLORES AMARELAS

Van Gogh e seu campo de girassóis

Eu e meu morro de flores amarelas

Não vejo coisas invisíveis

Vejo a realidade que corrói

Com livros combato as esparrelas. 

O quanto e quanto já foi dito "amanhece, entardece e anoitece; janeiro, fevereiro ... novembro e dezembro; tempo de chuva com calor e tempo de seca com frio; tudo que é vivo morre".

Tudo repetindo.

Nada, surgimento, vida, morte, ressurgimento, vida, morte, ressurreição...

O rio corre entre a terra até chegar a outro rio ou ao mar. A terra se move entre os oceanos.

- E o que tem isso, meu Deus?!?

- Tem que numa mesa cinco discutem se o correto é dizer negro, preto ou moreninho. E todos os cinco são bem branquinhos. É outra vez o eurobrasileiro querendo definir a sorte do afrobrasileiro.

Silêncio para olhar nos olhos.

- Tem que outra vida é corrompida pelo desafeto familiar, pelo desinteresse político-social até ser interrompida pelo traficante ou policial.

Olhos nos olhos silenciosos.

- Tem que ao dizer "Umbanda, Candomblé, Macumba, orixás" ainda se ouve "credo; tá queimado, sangue de Jesus tem poder... são do diabo, são demônios". E quando perguntados se já assistiram alguma cerimônia ou leram suas doutrinas negam. Alguns afirmam que sim, conhecem ou viram. E quando se questiona como são as cerimônias e o que dizem suas doutrinas se calam ou respondem mentiras. Tal qual boçalnarianos "e o Lula, hem?!?".

- Ééé. A Terra não é plana, mas o mundo é chato.

- Enquanto gira o planeta e circula o cotidiano a gente lê, bebe, escreve, dorme, trepa, trabalha, canta, dança, encena, pinta.

- Desses, muitos tecnisam e vegetam.

- E desses, poucos artistam em protestos:

Uma boca morta abre centímetro a centímetro.

É o globalismo capitalista investindo.

Diverte-se o pobre com sua tranqueira nova.

Ignorante ignorado caminha centímetro a centímetro para sua cova.


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Rubem Leite

Foto do autor: vista da janela da cozinha.

Escrito entre 12 e 15 de maio de 2022.

domingo, 8 de maio de 2022

OBSERVÂNCIAS

 "Última flor do lácio, inculta e bela [...] Amo-te, ó rude e doloroso idioma [...] Em que da voz materna ouvi: Meu filho".

(Língua Portuguesa, de Olavo Bilac).


Aos onze anos, na antevéspera do Dia das Mães, uma das estudantes chora. Não tem para quem escrever um cartão.

Sem saber o que fazer, em separado, improvisa uma conversa:

- Você acredita que a pessoa continua viva após a morte do corpo? Como alma...

- Não.

- Penso parecido. Tem hora que acredito, mas duvido em outra. Então decidi esperar o dia de minha morte para saber... Mas enquanto isso, no Dia das Mães e no Dia dos Pais falo para eles, lá no meu quarto o que gostaria de dizer-lhes. O pior que pode acontecer é nada acontecer. Mas se tiverem "vivos" falei com eles.

- O que devo fazer?

- Que tal fazer um lindo cartão; escrever tudo o que sente e domingo, assim que acordar, ler o cartão para sua mãe!?!

E o cartão foi feito com esmero.

Em casa no sábado um amigo diz:

- Tive vontade de ir na casa de minha mãe. Mas me machucou muito... É. Ela já me ajudou muito, mas também me agrediu demais. E como ela não me aceita como sou... Não vou não.

- Também não irei até minha mãe...

- Claro. Ela já morreu.

E riram. O professor com tristeza e o amigo parecendo refletir.

- Na próxima semana terei que ir perto da casa dela então passarei lá.

Domingo, na casa em frente.

- Vai tomar no cu, peste. Faz tudo errado.

Grita a mãe pra filha de quatro anos.





Em sua varanda o professor fica de cócoras, toma café com leite e observa seu jardim. Junto-me a ele e admiramos a folhagem, as flores, as aranhas em suas teias, as borboletas e beija-flores.

É no silêncio que a gente ouve. É no parar que pensamos.

Olhamos a outrora flor branca caída no chão; avançou seu processo de arrosear-se. Isso em seu de fenecer antecipado. Quem sabe se seu filosófico significado um dia, imóvel e calado, talvez possamos ver.


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Rubem Leite.

Fotos do autor.


Vivido e pensado nos dias 05 a 07 de maio de 2022 e trabalhado na manhã do dia seguinte.

domingo, 24 de abril de 2022

Ciranda, cirandinha. Estamos todos a cirandar.


Un corazón entero

Donde todos son rotos

Es como huir del entierro

Ser un monstruo

Entre los muertos.


Quase ninguém gosta de mim, o que me dá mais tempo de ficar com meus livros no jardim de minha casa.

Gosto bastante de passar quantas vezes puder olhando por minutos meu minúsculo jardim.

Não há nada lá fora que sobreponha o que tenho dentro.

A gravidade nos leva abaixo,

Mas sigo de pé.

Que me sustenta?

Por quê?


Um coração inteiro

Onde todos são pedaços

É como fugir do enterro

Ser um fracasso

Para os em desterro.


Cale-se

Não te ouço

Eu te falo.

Ouvir deixa louco

Histriônico estalo.


Na multidão

Só veio

Só está

Só ficará

Só sairá.


Vezes esgotado

Sempre desanimado

Nem sempre inanimado

Cem vezes admoestado.

A lutar ainda.


tormenta

venta

(des?)merecido

silêncio

imenso

vencido


Nem tudo é morte

Há o que nos tonifica

Há o que nos mortifica

Nem tudo é vida


Há muitos mares, rios e quedas d'águas agindo e reagindo às agressões humanas.

Há lagos grandes, pequenos também a sua maneira mais tranquila na luta.

Aos descrentes sobrou as poças d'águas a aguentar o sol e as pessoas.

Que sou se ainda luto com desânimo, mas com esperança?


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Rubem Leite

Foto do jardim do autor.

Obs.:

Fico muito contente por ter quem goste de mim. Quando falo que poucos gostam não é rechaço aos que tem afeto por mim. Muito pelo contrário. O que digo é que não sou importunando pela falsidade dos interesseiros.

Escrito e trabalhado entre 20 e 24 de abril de 2022.

domingo, 27 de março de 2022

OUREMOS, IRMÃOS

Aniversário do escritor Girvany de Morais.


Temo a forma de caça das aranhas mais do que temo seu veneno. Temo a sensação que deve ter a presa da aranha como imaginasse sem sentir o que lhe passa.

Mas aranha é só aranha; sem empatia. É natureza bruta. Não má, não boa. Só... natureza.

A humanidade pode ter empatia, mas vive a empáfia. Não é natural. É má, às vezes boa. Só... desnaturada.


Estrelas não iluminavam a noite. Nem a lua. Só os postes e as placas nas fachadas e o interior das próprias lojas.

Caminhava com dois amigos. Estes pareciam estar sempre às sombras; nunca se via seus rostos. Ao contrário daquele, que parecia estar sempre sobre o foco dos postes, placas ou lojas.

A vontade deles era chegar em casa. Ainda longe. Entraram numa rua, saíram em outra. Ruas esquisitas. Quase sempre impróprias para carros. Estreitas. Escada ou rampas sempre ascendente, as laterais eram calçadas rachadas com pequenos matos sempre saindo das incontáveis frestas. Todas as casas sempre com a metade abaixo da via e quase sempre com jardins. Tentativas de contrariar as ruas.

Chegaram ao meio do bairro; movimentada por carros e pedestres a avenida. Esta sim com a iluminação já descrita. Estavam com fome e entraram num bar. Escolheram seus sanduíches, comeram e ao pagarem:

- A carne está acabando. Manda mais.

- Em breve, talvez amanhã trago nova remessa...

Fora da lanchonete olha de um lado a outro da avenida. O que vê compactua com a encomenda recebida.

- Credo! O comércio está cada vez mais cristão. - Exclama irritado e os amigos concordam em silêncio.

De fato. Todas as lojas tinham imagens de Nossa Senhora, Jesus ou algum santo. Ou, mais comum, de nomes terrivelmente evangélicos com algum versículo.

Depois da avenida destacada, chamativa de tanta luz artificial retomam às ruas sempre as escuras. Escondendo o povo - cidadãos ou só pessoas -. Uma rua é interrompida por esgoto.  A alguns metros da ponte moitas de matos na água e três meninos nus brincam no charco. Ao verem os homens nadam até a ponte. Os rapazes espantam os garotos ostentando a mão que puseram no peito, dentro da blusa de frio sempre aberta.

Entram em outro logradouro, e noutro e outro dando para um espaço largo. Quase todo de terra seca e moitas de colonhão nas margens. Dois homens grandes "conversam" segurando pelas correntes seus cães que se avançavam mutuamente. Imensa fila de grandes formigas vermelhas se formou entre os homens e seus cães. Estes perceberam tarde demais. As formigas já lhe ferroavam tirando-lhes pequenos pedaços. Sempre em silêncio os três rapazes viram desde longe a discussão, os ataques frustrados dos animais e, afastando-se das formigas, passaram entediados por eles. Mal escutando os gritos enquanto se afastavam.

Finalmente chegam a casa. Construída subindo um montículo. Plantas verdes, ou floridas ou frutíferas cercam a pequena casa de muitas janelas. Do portão à porta uma estrada se sinua entre a flora.

Sentado na varanda um amigo os espera para entrar na casa. Passará a noite antes de ir embora no dia seguinte.

Como dito não há possibilidade de autos no bairro. Mas acrescento que o mesmo acontece na cidade toda; em todas as cidades. Em desconhecimento do povo.

O local de ônibus para fora da cidade fica na segunda avenida, a que leva a BR. Próximo dessa morada.

Os quatro entram na casa. Um de cada vez toma banho enquanto o anfitrião prepara algo para comerem.

Deitam e dormem. Um dos cachorros, o de pequeno porte, morde o celular do hóspede.

Amanhece outro dia escuro. O dono da casa faz café, põe sobre a mesa leite e pão requentado na chapa e acorda os demais.

Alimentam-se depois de irem ao banheiro. O hóspede pega a mochila dando conta do celular estragado.

- Eu mato esse cachorro...

Os moradores sorriram. Sempre à sombra os moradores seguram os braços da visita. À pouca luz do Sol o dono da casa pega sua faca.

Ninguém sai da cidade e há que abastecer o mercado.


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Rubem Leite.

Imagem: aranha camuflada, foto do autor.

Cronto nascido de uma reflexão com um mau sonho. Qualquer semelhança com a ficção é realidade.

Escrito e trabalhado entre 25 e 27 de março de 2022.

domingo, 20 de março de 2022

CASTELO DE AREIA NA MARÉ CHEIA

“A inutilidade da esperança e a inutilidade das queixas”¹. 


 Ao nascer do sol a mosca abre sua vida esticando-se, secando suas asas enquanto vê o baile das borboletas, o canto dos grilos.

Não sabe que poderia ter vinte e oito dias de vida. Ela por não ter ciência e as pessoas, por não terem consciência, ignoram suas vidas a complicar as vidas própria e alheias.

A mosca pousa em nossas comidas e, menos que as pessoas, percorre sua vida indo de sujeira em sujeira. Vê os humanos sujando suas vidas, suas relações, seus corpos, as ruas. E só esta última sujeira atrai a mosca.

Desânimo, desânimo. Não sei conviver, desânimo. Encontrar outras pessoas, desânimo. Estou cansado de ter desânimo. Quero sossego do silêncio, do nada e do ninguém.

A nossa mosca encontra outra mosca, procriam.

- Não tem pra onde correr. – Dizem-me e penso: Não há para onde fugir então caminho sentido; querendo ir para onde não existe. 


Fugindo das sujeiras internas das pessoas a mosca não vê a teia de aranha. Assim se fecha sua vida.

As pessoas vêm, vão e não se sabe se voltam. A vida vem, vai e não se sabe se volta. E o eu? Que venha, que vá e só fique onde sentir-me.


Depois haverá nuvens levadas pelo vento, pedras consumidas pela erosão do tempo e a lua a afastar-se da Terra sem deixar de iluminar enquanto pode.



¹ Os olhos que comiam carne, de Humberto de Campos.

 

Imagens: fotos do autor tiradas de sua casa.

 

Pensamentos tidos entre 14 e 20 de março de 2022.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

FESTIVAL DA CARNE MAIS BARATA DO MERCADO

 

 

Não inspiro ninguém a nada.

As que me olham

As que me ouvem

Não me veem, não me escutam

Não existo, não insisto.

 

Carnaval está aí

Um dia só não basta

Tem que ser quatro ou quarenta.

E disse o presidente:

Preto é besta

Útil pra carga

Tudo aguenta

E tá ok isso aí.

 

Preto é pobre

Branco é nobre

Bicha é porre

Hétero é cobre

Hétero branco é prata

Hétero branco rico é ouro.

Quem pensa

Essa triste verdade descobre.

 

Enquanto isso

Os últimos raios de sol no céu foram um obséquio prateado e cinza.

Num plácido doce dia

O som de algo pesado batendo nas telhas conduziu meus olhos ao telhado.

Nada vi além do esperado teto.

– Por alguns segundos. –

Um macuco pousara no telhado

E do seu pescoço preto um par de pele vermelha

Balançava.

Ao me ver observando-o, retrocedeu

Afastou-se a esconder-se de meus olhos.

Isso umas quatro vezes.

Para o sossego do pássaro disfarcei meus olhares.

Vigiou-me um tempo e não sentido perigo voou para a mangueira em frente.

Talvez para dormir em seu ninho.

Talvez a esperar seu par.

O céu e o sol, a ave e a árvore formaram a visão de minha vida.

 

Cada um dá o que tem.

Quem não tem nada

Não vale nem centavo nem vintém.

E você nada vale

Destrutivo como a Vale

Gasta mil reais em livros

Se passa por santarrão

Fingindo-se nosso irmão.

– Diz-me quem me busca

Para pedir ou agredir.

Nada respondo

Tudo penso –

Mil reais em livros

Ou quinhentos em crack.

Nos primeiros invisto

Ao contrário de ti

Que no segundo gasta.

 

Que importa.

Quem se importa.

 

Sou bobo.

Descobri faz tempo e empiricamente o quanto sou tolo.

O que não sei ainda é se o bobo descrito por Leon Tolstói e Clarice Lispector.

Ou se sou apenas um vulgar tolo.

 

Chega! Cansei de falar.

Ouça-me

Quem quiser

Se quiser.

Pense

Quem quiser

Quem puder.

 

 


 

Gin, amêndoas, uva passas, pimenta Jamaica e água tônica

Bebo

E o que vejo?

Na escola nenhum professor negro.

Não tem problema

É carnaval.

Depois tem mais futebol.

Por fim adeus,

Livraria Ouvidor.

 

 

De Rubem Leite

 

Dia 26 de fevereiro de 22 a Livraria Ouvidor, em BH, abriu suas portas pela última vez em cinquenta e dois anos.

 

Começado a escrever em 30 de dezembro de 2021 e encerrado em 27 de fevereiro de 2022.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

MORTO VIVO

 

Vejo tanto

Porque olho muito.

Ai se eu fosse cego

Seria mito, neurônios fortuitos.

 

João Mendes voltava casa no noturno sábado. Nesse momento passava pelo trecho sem casas entre Alegre e Limoeiro. Estava num ponto que lhe permitia ver a lua quase minguante, Vênus e um pedacinho do bairro onde morava. 

Esteve a semana toda no turno de sete as quinze, fez quatro horas extras, ao terminar tomou um banho gelado e dali foi a uma boate desamargar a vida. Conseguiu, por algumas horas, esquecer o dia, a semana, o mês, a vida.

Mas a solidão em seus vinte e seis anos voltou forte no retorno desacompanhado até seu barraco.

Conversa com os dois astros:

- Sou tolo.

Como os astros lhe prestaram atenção, continua:

- Descobri faz tempo e empiricamente o quanto sou tolo.

A lua põe a mão no próprio queixo a pensar nas palavras do envelhecido jovem.

- O que não sei ainda é se sou o tolo descrito por Tolstói e Lispector. Ou se sou apenas um vulgar tolo.

Para de falar e recorda um momento repetitivo de sua juventude.

- Não. Você não vai estudar balé.

- Mas, pai...

- Não! Você não vai ser bailarino.

- Mas pai...

- NÃO! Balé é coisa de viado e filho meu nunca será uma bichinha.

O menino cresceu; é homossexual; e no lugar de iluminar o mundo com sua arte trabalha muito para receber pouco.

Um carro passa tirando-o do longe passado e o faz voar alguns metros até um tempo mais perto:

Ontem, na rua, passou por duas jovens e uma disse a outra: “Cortei relações com meus parentes. A gente não se fala mais.” Intuiu que já escutara muito isso. Antes as pessoas eram obrigadas a ficar juntas, ao contrário de hoje. Não sabiam nem sabem amar. Um dia saberão? João também passou por isso. Afastou-se da família que o abandonara.

Mas não percebeu que, na verdade, o carro não passou por ele...

Morreu como seu sonho de ser bailarino; sem iluminar o mundo; sem ser como Vênus, lua ou mesmo um poste de rua.

 

Apocalipse zumbi não é ficção. É real e as “infecções” são várias.

 

 

De Rubem Leite.

Parte da história partiu de algo que Girvany de Morais me contou.

Escrito entre 20 e 24 de fevereiro de 2022 e pensado nos últimos meses.

Foto do autor tirada por volta de duas da manhã do dia da postagem do cronto.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

A IGNORÂNCIA É BEM HUMORADA

 

 

Pedro atirava borracha escolar nos cabelos de Máximo porque achava engraçado o quique da borracha nos cabelos do negro.

Pedro ria sem ver sua maldade. O negro ria escondendo sua dor no mundo onde são, na melhor da “hipotecrisias” piadas.

Mariano ajudava na missa e depois ia à casa do padre estudar. Este bem sorria na chegada e na saída do coroinha.

Religiões são boas para nos levar ao bom caminho... Não há mais o que saber.

Rodolfo era o filho malquisto, o aluno malquisto, o colega malquisto. Todos riam de sua “inocente burrice”.

A professora Helen Keller via mal o garoto; a princípio. Mas mudou a estratégia. Não mais via nem ouvia os malfeitos.

Rodolfo desenhava e representava em imagens o conteúdo aprendido em Português. Ó! Tão banal... pior, clichê dizer isso. Mas com auxílio das pedagogas os demais professores aceitaram as ilustrações como demonstrativo de conhecimento.

 

Com o tempo, já adultos.

Pedro, de “família boa” se tornou advogado e preto Máximo, “Puliça”.

Mariano se tornou neurótico e o padre aposentou-se tranquilo.

Sem a pressão escolar – mesmo que ainda a familiar – Rodolfo logrou a ler, escrever, expressar e compreender. É artista; não rico, mas vive bem de seu trabalho.

 

Pedro e sua família, a família de Mariano e o padre não eram ignorantes; eram imbecis; eram maus. Assim como era má a família de Rodolfo.

Máximo, Mariano e Rodolfo não tinham liberdade de escolhas assim como ninguém – bom ou mau, intelectual ou analfabeto – possui real livre arbítrio; essa linda fantasia que amansa a insatisfação de ter que aceitar a religião que lhe impuseram, a educação do lar em que caiu, a variação linguística de sua comunidade, a comida que lhe dão, as roupas que lhe deixam vestir, os cabelos, o estudo, o trabalho que conseguir e raramente quis.

Ignorância tem cura. Ignorar é desconhecer. Basta estudar, ler, dialogar para saber.

Rodolfo se curou.

E Pedro, Máximo, Mariano, o padre, famílias... Há cura?

Imbecilidade e maldades não têm cura. Há tratamento: tirar-lhe a voz. Liberdade de expressão não é dizer o que quer, fira a quem for.

Minha liberdade termina quando começa a do outro. - Mais um tão conhecido dito a me fazer pensar que se desconhece o que (acha) conhecer.

 

 

Pensado detalhadamente nas últimas duas semanas e escrito em 13 de fevereiro de 2022.

Imagem: https://luizmuller.com/2019/08/14/charges-em-jornais-pelo-mundo-mostram-imagem-do-brasil-se-deteriorando-rapidamente/

domingo, 6 de fevereiro de 2022

ESTA NÃO É A ÚLTIMA CARTA


Queria que fosse a derradeira, mas estou preso.

Não a você, mas a outro e a única escapatória seria abandoná-lo a uma "casa de repouso"; ou à minha minha irmã já muito mais cansada que eu, apesar de sua força; ou ao outro irmão que o empurraria a uma casa de repouso.

Mas ele não merece tal fim. Não ele.


É tudo tão tedioso como se vê em trechos do capítulo 01 de Eclesiastes.

Uma geração vai, e outra geração vem; mas a terra para sempre permanece.

Nasce o sol, e o sol se põe, e apressa-se e volta ao seu lugar de onde nasceu.

O que foi, isso é o que há de ser; e o que se fez, isso se fará; de modo que nada há de novo debaixo do sol.

Aquilo que é torto não se pode endireitar; aquilo que falta não se pode calcular.

Porque na muita sabedoria há muito enfado; e o que aumenta em conhecimento, aumenta em dor.


Ah, como queria escrever a minha última carta porque:

É morto um congolês por cobrar seu "salário" (R$200,00) atrasado.

Pastor/ministro diz que as "causas" de existirem gays são famílias desajustadas e por não terem "experimentado" mulher. Então cálculo que se é hétero por ter experimentado homem.

Mulher é agredida e crer que isso é normal.


Nasce o sol. As vezes a manhã é colorida, outras são prateadas (e prefiro prata ao ouro), outras são chuvosas e em algumas manhãs de chuvas nos enriquecemos com "Corpos: poemas":



"O que foi isso é o que há de ser". "Quem aumenta em sabedoria aumenta em dor".


As cartas que escrevi, quantos leram? Quantos a analisaram? Quantos a reenviaram a outros?

Aos que leram, obrigado. Aos que refletiram, muito obrigado.

Aos que reenviaram nada digo porque não o fizeram.


Escola:

Religião a ensinar: é verdade uma mulher conversava com cobra.

esquizofrenia.

Um super-herói com seus poderes no cabelo. Cortaram suas melenas e venceram os vilões. Como se o contrário acontecesse fora dos filmes.

Fantasia.

Uma virgem teve um caso com um velho Deus, uma pomba e um homem. Quem é o pai da criança?

BLASFÊMIA, me gritam.

Muçulmanos são terroristas, mas esqueçam as desgraceiras que fizemos a eles, na América, África e onde mais puseram seus podres pés

Judeus mataram o menino, já crescido, filho de muitos pais.

Ainda na escola:

Português, Matemática, História, Geografia, Ciência...

Tantas preparações, tantos esforços, tanta dedicação.

E vacina não é eficaz, a Terra é plana, a escravatura é culpa dos africanos, 7x7=77, verbos são pracinhas, quase, um...


Queria que fosse minha última carta.

Mas Boçalnato está aí e quem assumir a próxima gestão não sei se encontrará solução.



Tenho outras cartas a escrever.

Para quê? Para não ser mais um morto-vivo.

Para quê? Por ainda estar vivo buscando um porquê.


Enquanto ainda vivo:

Germino na lama, cresço à sombra que me impõem quem denuncio, ofereço minhas poucas folhas, dou minhas frutas sem doce com a esperança quem alguém plante suas sementes para germinar boa árvore de bons atributos.


Sou uma árvore.

Tem momentos que sou ipê, há instantes que sou sibiruna.

Hoje sou uma goiabeira.

Tronco rude, folhas não delicadas, doces frutos - sei que haverá quem dirá "frutas bichentas" e algumas vezes será verdade.

Hoje sou um pé de goiaba, ainda pequeno, mas já preparando frutas para quem quiser.


Muitos me atirarão pedras ou darão pauladas e despreocupados com minhas feridas comerão deliciosamente meus frutos ou jogarão toda a parte boa por causa de um bicho.

Mas goiabeira, ipê, sibiruna sou árvore e escrevo não a minha última carta.


_____

Rubem Leite

Imagens:

Livro e poema de Gorette de Freitas;

Goiabeira: foto do autor.

domingo, 30 de janeiro de 2022

A BANALIDADE DO MAL É O DESPREZO À CIÊNCIA AO BEM E AO BELO

De cócoras observo meu jardim. Borboletas voam sobre as flores. Uma tem preta a moldura das asas e todo o cento é verde néon. Nunca tinha visto uma assim.

Do alto das árvores sou observado pelas aves e elas me reconhecem pelo que sou - árvore - e em mim fazem ninhos.

De um ninho em mim um pássaro me pergunta:

- O que você escreve, Benito? Sobre o quê?

- Através das palavras faço retratos de rostos e da cidade. Busco ligar-me a quem e ao que vejo.

- E como você os desenha?

- Do jeito que são aos meus olhos; mas só após muito pensar, pesquisar, analisar, filosofar.

- O que você tem visto e ouvido?

- Olhar e escutar são muitas as coisas, mas para ver dou preferência aos olhos das pessoas; para ouvir prefiro o vento nos meus galhos, aos cantos e pensamentos pássaros, e a voz de quem sabe o que tem a dizer.

- Quem você tem ouvido, o que tem refletido?

- Belo pássaro de linda voz que ecoa triste no meu cérebro. O que me atormenta estes dias é:

- Adolf Eichmann foi o burocrata alemão responsável pela prisão e morte de milhões de Judeus. Com o fim do nazismo fugiu para a Argentina e lá trabalhou numa fábrica por quinze anos até ser descoberto em 1960.

Fecho os olhos para reter a vontade de beber.

- A filósofa Hannah Arendt após ler as milhares de páginas do processo - acusação e defesa - de Eichmann descobriu algo desconhecido sobre a psique humana. A Banalidade do Mal.

- O mal pode ser banal, Benito?

- Ah, pássaro! A humanidade pode tanto... Veja:

- Eichmann era um homem comum. Respeitava a esposa, acompanhava os estudos dos filhos; um bom cidadão. Então como ele pode ser um burocrata nazista? Para isso vamos entender a teoria filosófica A Banalidade do Mal:

"O pior mal é cometido pelo cidadão comum que perdeu ou não desenvolveu a capacidade de análise crítica, de dizer não, de indignar-se perante a falta de ética do sistema onde a maldade é difundida de todas as formas e por todos os lados. Fazendo esse cidadão tornar-se um monstro sem se dar conta disso nem dos absurdos do sistema".

O vento baila as árvores e me toca num consolo.

- Pássaro, Eichmann morreu acreditando-se inocente por ser apenas uma peça do sistema e que os verdadeiros criminosos eram os governantes. Isso é a banalização do mal. A incapacidade dos malfeitores em perceber a gravidade de seus atos. E a descoberta de Arendt promoveu nas universidades a importância não só de passar conhecimentos, mas também ensinar a análise crítica dos discursos e a valorizar a diversidade e pluralidade de ideias.

Após dizer isso, ouço, não do pássaro, mas de muita gente no mundo:

- Não digo que ele não sabia o que fazia. O problema da teoria é afirmar que ele não se sentia responsável pelos resultados. Isso foi apenas uma estratégia defensiva. Se ele não se sentisse responsável, não teria fugido para a Argentina, vivendo como um desconhecido e com falsa identidade. Mais esperto foi Albert Speer em Nuremberg, o qual evitou não só ser condenado à morte, como ser condenado à prisão perpétua...

- Gente, seu ponto de vista é muito relevante para um bom diálogo.

- Obrigado!

- Algo banal é algo corriqueiro. - Argumento. - No período escravagista as pessoas não percebiam que aquilo era mal, pois era o normal. Se fossem ameaçados de serem presos iriam fugir por medo da prisão e não por perceberem o mal que fizeram. Essa é a questão. - Silencio-me para ouvir o vento e as aves que têm mais a dizer do que a maioria das pessoas. Depois continuo: Quando eu era criança... Hoje tenho cinquenta e três anos... eram comuns "piadas/brincadeiras" racistas e homofóbicas e isso aprendíamos com os adultos que aprenderam quando meninos. Não percebíamos como males nem que eram preconceitos. - Engulo minha vergonha e confesso:

- Há também o medo como condutor. Sou membro da comunidade LGBTQI+ nunca época que, muito mais que hoje, perseguia pessoas como eu. Por isso tentei muito ser o que não era. Fiz piadas homofóbicas para dissimular. Fingir interesse por mulheres. Pisoteei meu ser. O medo me fez mentir sobre mim, agredir verbalmente pessoas audaciosas, enganar mulheres ao fazê-las acreditar que as queria num relacionamento hétero.

Outros pássaros que acompanham a conversa cantam tão docemente que deixo sair uma lágrima libertadora antes de continuar.

- Foram três décadas horríveis a me fazer um homem horrível. E por quê? Porque o racismo e a homofobia eram males banalizados. Ou, você Gente, crê que eu não sofria pressão e agressão social e religiosa em casa, na vizinhança, na escola etc.?

- Seria sorte, escolha, possibilidade, acesso? Não discutirei isso; não agora. Mas como gosto de estudar e tive a sorte de conviver com artistas e intelectuais fui observando o mal que ignorava e aí sim fui capaz de refletir e mudar de comportamento.

- Qual é sua postura hoje? - Pergunta o pássaro no ninho em mim.

- Minha postura é: Sou o que sou. Não quer ver pessoas como eu? Então que fique cego. Duro, não? Mas é fato. Eu e meus semelhantes estamos aqui para não banalizar o mal.

Mas Gente parece não entender. Por isso continuo a dizer ao pássaro e se alguma gente puder e quiser entender, que compreenda. Caso contrário, lamento.

- Pássaro, não sou negro, mas qualquer desrespeito aos negros me afeta porque somos humanos. Não sou mulher, mas qualquer desrespeito às mulheres me afeta porque somos humanos. Não sou gordo, não tenho deficiência física ou intelectual, não sou da Umbanda, nem do Candomblé, nem sou judeu, ou cristão, ou muçulmano ou ateu. Mas qualquer agressão a essas é outras pessoas/comunidades me afeta porque somos humanos.

- Pássaro, não estou só no mundo, mas sou só. É claro, têm muitas pessoas que gosto e algumas eu amo. Talvez haja quem me ame, mas é certo que alguns gostam de mim.

Ao íntimo ninguém adentra.

Num silêncio só ouvido pelo pássaro no ninho na árvore que sou analiso uma boa conversa tida com o máximo minecontista Girvany de Morais,  pois amigos e escritores somos nós dois.

Disse ele a Benito para depois escutar:

- No meu velório, que, creio, vai demorar, quero uma multidão.

- Não quero velório. Não quero ninguém acompanhando. Quero ir direto pra sepultura.

Benito morreu primeiro. Muito depois foi a vez do outro.

Primeiro falemos do velório do último.

Cem pessoas ou mais.

Quinze sofreram a perda. Vinte e cinco choraram arrependidas pelas mágoas sofridas, pelas provocadas e pelas mágoas mútuas. Dez disfarçaram os antegosos com pesadas lágrimas. A outra metade pouco sentia; fosse bom ou fosse mau. Uma lágrima aqui e ali; pouco sentidas. E muitos causos e piadas durante o féretro.

Enterro do primeiro:

Sem pessoas.

Ninguém sofrendo amargas lágrimas. Ninguém antegozando com lágrimas de crocodilo. Ninguém contando causos e piadas. Ninguém com falsas lagrimas.

Paz.


_____

Rubem Leite.

Parte da Inspiração de meu cronto veio de um texto de Joel Paviotti. A página dele no Caralivro se chama Iconografia da História.

O conteúdo do meu cronto é ficcional, mas como toda boa mentira tem sua base na verdade. O texto tem sido pensado desde o outubro passado, mas escrito entre os dias 27 a 30 de janeiro de 2022 e postado neste último dia.