Mostrando postagens com marcador Preconceito. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Preconceito. Mostrar todas as postagens

domingo, 17 de julho de 2022

RATANABÁ


Iria-me embora para Ratanabá

Porque aqui sou inimigo do rei

- um boçal sem igual -

Lá teria quem eu quisesse

Na casa que escolhesse

Mas como não é Brasil

Quem escolheria

Tinha que escolher-me também.

A verdade, porém,

Lá e cá

Reciprocidade é rara.


Em Ratanabá

Teria a felicidade que aqui não há

A existência seria aventura

Mas desventura está nos dois lugares

Quem crê é inconsequente

Paz só tem os dementes.


Em Ratanabá teria tudo

Seria outra civilização

Menos antiga que a Terra

Mais antiga que a humanidade


E quando eu estivesse mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite tivesse

Vontade de me matar

Não me esqueceria

Sou inimigo do rei

- o boçal sem igual -

Tal qual aqui não teria

Quem eu queira

Quem me queira


Ratanabá não existe

Como não existe

Cérebro funcional

Na cabeça do rei:

Messias sem milagre

A zombar de quem não respira

A comemorar CPF cancelado

Principalmente dos bem mais velhos

E cujo filhos

- Todos zero

01, 02, 03, 04

E, para o rei boçal,

A menos que zero

A 05 -

Todos educados

A não se casarem

Com negros

A tirar até o último centímetro

Dos povos originários

A surrar

Os meios 'gayzinhos'


Ratanabá não existe

Tal qual Brasil pra toda gente.



Só me consola

Ter aos meus

Olhos, ouvidos, narinas, língua e pele

A fauna, os livros e a flora.

E não preciso fugir pra Ratanabá.


_____

Rubem Leite

O que sinto e penso não sei a quanto tempo escrevi na manhã de 17/7/2022.

Foto do autor.

domingo, 5 de junho de 2022

ABÓBODA FLORAL

 Foi por aqui que passou para chegar.


Antes de sair via o que vivia.

O governo federal incapacitado, o judiciário submisso. O governo mineiro entrando na justiça para não pagar os professores e o judiciário, submisso. Os municípios de Ipatinga e  Timóteo negando aumentar o salário dos educadores. E este último eliminando dos ônibus os cobradores para dar aos motoristas múltiplas funções: conduzir, guiar quem entra, cobrar a passagem, ver quem sai...

O que a gente é diante do capital?

O que é gente diante do capital?

Em nossas intimidades, pelejas, muitas pelejas.

- Boa tarde, professor!

No supermercado do Limoeiro lhe diz um imenso sorriso que muito o prejudicou. Pego de surpresa não soube reagir e só devolveu o cumprimento.

Nas salas de aula, alunos, mas não estudantes.

- "A, e, o" sempre são vogais, mas "i, u" podem ser vogais ou semivogais. Semivogal é quando sua pronúncia é mais fraca. E duas vogais nunca podem estar na mesma sílaba. Para estarem na mesma sílaba tem que ser vogal e semivogal ou o contrário; formando assim ditongo. Hiato é quando "u, i" tem a força de vogais mesmo estando ao lado de outra vogal, mas em sílabas diferentes.

- Como assim, professor?

- Vejamos os exemplos: "saí e sai", "saúde e saudade". Leiam pausadamente essas palavras, prestando atenção nas pronúncias.

- Sa-í / sai /|\ sa-ú-de / sau-da-de".

- Viram que em "saí e saúde" tanto "a" quanto "í" assim como "a" e "ú" foram pronunciadas separadamente?

- Siiim.

- Pois é. Ocorreram hiatos. Quer dizer, todas elas têm força de vogais. Mas em "sai e saudade" foram pronunciadas juntas, mas o dois "a" foram ditas com bem mais força que "i, u"; isso significa que se tornaram semivogais. Ocorrendo, assim, ditongos. Consegui explicar?

- Siiiim, professor.

Passou os próximos dias fazendo perguntas e dando exercícios sobre os encontros vocálicos e eles quase sempre acertando para errarem na prova que, diga-se de passagem, foi muito fácil. Erraram mais por terem pouco ânimo de interpretar os enunciados.

Em casa, ouve as brigas dos vizinhos da frente e as dos vizinhos de trás.

Em casa, pelejas. Seu filho sempre recusando tomar seus medicamentos, bebendo bastante e até a cheirar Paracetamol desfeito a pó.

Em casa, gritos na frente, dentro e atrás. Gritos, gritos e gritos.

E foi assim que atravessou:

Abriu a válvula do botijão, girou o botão da trempe, disfarçou o cheiro espalhando inseticida no ar e saiu deixando o pai professor deitado no sofá, bem perto da cozinha.


_____

Rubem Leite

Foto do autor.

Escrito entre 01 e 05 de junho de 2022.

domingo, 3 de abril de 2022

A ESTRANHA MANIA DE TER FÉ NA VIDA¹

Hormiga maldita. El artista cigarra cantaba limpiando tu sufrimiento, tu cansancio. Y ahora que el artista te necesita tú le niega suministro. Pues bien. Tú comes y ti amargas con tu alimento que perdura hasta el calentamiento y… acaba. El artista hambriento lleva el mismo dolor del pueblo. Sin embargo, lo cambia a – fuerza, esperanza y lucha – cantos de encantos. Mientras tu corazón solo lamentas.

 

Na casa e terreno onde moro há aranhas, pássaros, árvores, matos, flores...

Tem uma planta que uma semana dá flor rosa e na outra, branca.


Pra que ir pra rua se a gostosura está aqui. Ficar “de cocado” espiando as flores, o vento nos galhos, as borboletas, beija-flores. Se quem ou o que é de fora:

Nas sombras do meio da névoa não vi nenhuma cara.

Vi:

Era uma vez um pastor de nome Milton Rameiro. Terrivelmente evangélico. Um belo dia foi até ele o presidente de uma nação sem noção e lhe ofereceu barras de ouro se provasse o quão terrível era:

- Universidade é para poucos. Mas não só isso. Ficarei vinte meses enterrado e sairei vivo.

Passado o tempo estipulado desenterram o pastor da educação. Este não se preocupou em respirar, beber água ou comer. Terrível era seu poder. Saiu do sepulcro gritando:

- Cadê as barras de ouro?!?

Vi:

O pum do palhaço é talco. Na cabeça da Rerreginha Senharte tem algo?

Coração de professor é carne sangrenta e do artista, alma.

O “coração de ouro” do pastor, Rameiro da Educação, é farsante. E da cultura, o secretário canastrão, Fria’alma.

Vi:

- Ai, amiga! – Beijinhos no rosto. – Estou tão angustiada...

- Que foi, amiga?

Afasta a outra para ver a cara da amiga.

- Você sabe que eu costumava abastecer minha casa de víveres no Rabbit Deenny’s desde que o dono do “grande surface” se tornou deputado defensor das famílias e da moral...

- Sei... Mas o que tem?!?

- É que agora tem em tudo quanto é lugar.

- Óóóh!

- E você sabe o que dá em tudo quanto é lugar, né?

- Sei, amiga. Pobre.

Em lágrimas:

- Não poderei mais mandar minhas serviçais fazer as compras lá.

E recebe um abraço solidário pra passar por mais essa provação.

Vi:

O homem de quem compro ração trazer-me o alimento de meus bichos e tremer de medo quando chamei a cachorrinha Iemanjá. Não se assustou com Florbela, a brava; Pessoa, o brincalhão; Plur, no seu cantinho; Neno, homenagem a Nena de Castro.

- Fala isso não! – Diz trêmulo e com a mão no peito arfante.

- Iemanjá?!?

- Não invoque o diabo.

- É só um nome mitológico. Como poderia ser Zeus, se fosse macho.

- Zeus é mito. Aquela é diabo...

Meu silêncio lhe olha.

- É que não entendo nada dessas coisas.

- Então seria bom entender, né? Conhecer para compreender. Saber para ter o que dizer.

- Sei não... Sangue de galinha degolada... Cabeça de bode...

- E o Sangue de Jesus nas missas e cultos?

- Não sei não.

- Eu sei sim.

Vi:

O frio do seu olhar congelar meu coração. A aspereza de suas palavras endurecer meu coração.

Mas o voo das borboletas, o canto do vento co’as árvores; estes fazem bem ao meu coração.

 

 

Rubem Leite

 

¹ Maria Maria, de Milton Nascimento.

 

Escrito entre 29 de março e 03 de abril, mas pensado desde muito antes disso.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

MORTO VIVO

 

Vejo tanto

Porque olho muito.

Ai se eu fosse cego

Seria mito, neurônios fortuitos.

 

João Mendes voltava casa no noturno sábado. Nesse momento passava pelo trecho sem casas entre Alegre e Limoeiro. Estava num ponto que lhe permitia ver a lua quase minguante, Vênus e um pedacinho do bairro onde morava. 

Esteve a semana toda no turno de sete as quinze, fez quatro horas extras, ao terminar tomou um banho gelado e dali foi a uma boate desamargar a vida. Conseguiu, por algumas horas, esquecer o dia, a semana, o mês, a vida.

Mas a solidão em seus vinte e seis anos voltou forte no retorno desacompanhado até seu barraco.

Conversa com os dois astros:

- Sou tolo.

Como os astros lhe prestaram atenção, continua:

- Descobri faz tempo e empiricamente o quanto sou tolo.

A lua põe a mão no próprio queixo a pensar nas palavras do envelhecido jovem.

- O que não sei ainda é se sou o tolo descrito por Tolstói e Lispector. Ou se sou apenas um vulgar tolo.

Para de falar e recorda um momento repetitivo de sua juventude.

- Não. Você não vai estudar balé.

- Mas, pai...

- Não! Você não vai ser bailarino.

- Mas pai...

- NÃO! Balé é coisa de viado e filho meu nunca será uma bichinha.

O menino cresceu; é homossexual; e no lugar de iluminar o mundo com sua arte trabalha muito para receber pouco.

Um carro passa tirando-o do longe passado e o faz voar alguns metros até um tempo mais perto:

Ontem, na rua, passou por duas jovens e uma disse a outra: “Cortei relações com meus parentes. A gente não se fala mais.” Intuiu que já escutara muito isso. Antes as pessoas eram obrigadas a ficar juntas, ao contrário de hoje. Não sabiam nem sabem amar. Um dia saberão? João também passou por isso. Afastou-se da família que o abandonara.

Mas não percebeu que, na verdade, o carro não passou por ele...

Morreu como seu sonho de ser bailarino; sem iluminar o mundo; sem ser como Vênus, lua ou mesmo um poste de rua.

 

Apocalipse zumbi não é ficção. É real e as “infecções” são várias.

 

 

De Rubem Leite.

Parte da história partiu de algo que Girvany de Morais me contou.

Escrito entre 20 e 24 de fevereiro de 2022 e pensado nos últimos meses.

Foto do autor tirada por volta de duas da manhã do dia da postagem do cronto.

domingo, 13 de fevereiro de 2022

A IGNORÂNCIA É BEM HUMORADA

 

 

Pedro atirava borracha escolar nos cabelos de Máximo porque achava engraçado o quique da borracha nos cabelos do negro.

Pedro ria sem ver sua maldade. O negro ria escondendo sua dor no mundo onde são, na melhor da “hipotecrisias” piadas.

Mariano ajudava na missa e depois ia à casa do padre estudar. Este bem sorria na chegada e na saída do coroinha.

Religiões são boas para nos levar ao bom caminho... Não há mais o que saber.

Rodolfo era o filho malquisto, o aluno malquisto, o colega malquisto. Todos riam de sua “inocente burrice”.

A professora Helen Keller via mal o garoto; a princípio. Mas mudou a estratégia. Não mais via nem ouvia os malfeitos.

Rodolfo desenhava e representava em imagens o conteúdo aprendido em Português. Ó! Tão banal... pior, clichê dizer isso. Mas com auxílio das pedagogas os demais professores aceitaram as ilustrações como demonstrativo de conhecimento.

 

Com o tempo, já adultos.

Pedro, de “família boa” se tornou advogado e preto Máximo, “Puliça”.

Mariano se tornou neurótico e o padre aposentou-se tranquilo.

Sem a pressão escolar – mesmo que ainda a familiar – Rodolfo logrou a ler, escrever, expressar e compreender. É artista; não rico, mas vive bem de seu trabalho.

 

Pedro e sua família, a família de Mariano e o padre não eram ignorantes; eram imbecis; eram maus. Assim como era má a família de Rodolfo.

Máximo, Mariano e Rodolfo não tinham liberdade de escolhas assim como ninguém – bom ou mau, intelectual ou analfabeto – possui real livre arbítrio; essa linda fantasia que amansa a insatisfação de ter que aceitar a religião que lhe impuseram, a educação do lar em que caiu, a variação linguística de sua comunidade, a comida que lhe dão, as roupas que lhe deixam vestir, os cabelos, o estudo, o trabalho que conseguir e raramente quis.

Ignorância tem cura. Ignorar é desconhecer. Basta estudar, ler, dialogar para saber.

Rodolfo se curou.

E Pedro, Máximo, Mariano, o padre, famílias... Há cura?

Imbecilidade e maldades não têm cura. Há tratamento: tirar-lhe a voz. Liberdade de expressão não é dizer o que quer, fira a quem for.

Minha liberdade termina quando começa a do outro. - Mais um tão conhecido dito a me fazer pensar que se desconhece o que (acha) conhecer.

 

 

Pensado detalhadamente nas últimas duas semanas e escrito em 13 de fevereiro de 2022.

Imagem: https://luizmuller.com/2019/08/14/charges-em-jornais-pelo-mundo-mostram-imagem-do-brasil-se-deteriorando-rapidamente/

domingo, 12 de dezembro de 2021

ARTE E EDUCAÇÃO: LUZ E CALOR

A noite perdura praticamente em todo o planeta, mas no Brasil é mais densa.

O que já foi referência internacional em vacinação tornou-se referência mundial em vacilação, em imbecilidade.

Mas não há treva mais profunda ou mais antiga que resista a luz de um fósforo.

Há quem acende velas. Há quem se torna vela. Há quem acende fogueiras. Há quem se torna fogueira.

Diferente do incêndio governamental, que elimina sem iluminar. Há luzes que aquecem e apontam caminhos.

Ah! Professores nas escolas, na vida e artistas de rua, de palcos, da escrita.

- Têm muitos artistas.

- Não. Tem muitos muchileiros, atores, cantores, pintores, escritores, poetas. Mas só incendeiam ou cobrem as velas e fogueiras.

- Quem são artistas então?

- Quem está continuamente em processo de criação; Julian exemplica essa luz. Quem tem coragem e buscam serenidade diante das adversidades; Andres e Erika são amostras de luz. Quem se senta aos pés dos anjos para ouvir seus ensinamentos ou quem bebe as angélicas palavras; ambos levando-as aos outros; Ronix e Emílio portam essa luz. Os que malabareiam com o fogo dos anjos; eis Faire e Ramon.

Mas não são só esses. Há Júlio, Mori, Alan, Luan, Diney e outros e outros e mais outros.

Talvez este macróbio escrevente e falante possa ser ou ter fogo, ou vela ou fósforo.

O maior Mestre ocidental não aceita mercantilizar o Todo de Tudo porque Este não pode estar acima do povo porque está no meio de nós.

- Está fazendo um texto religioso...

- Não! Falo da resistência aos mentirosos, aos filhos do pai da mentira. Meu assunto com você é sobre arte e educação no sentido real.

Colocaram um gordo boi de ouro em plena penúria; exaltando a injustiça, mas o fogo justo o queimou. E uma luz colocou no mesmo lugar uma vaca magra: é com isso que temos que acabar e não vangloriar as trevas.

- Por quê?

- Jesus foi morto por ser um pobre incômodo. Tiradentes foi morto por ser um pobre incômodo. Che Guevara foi morto por incomodar. Rainha foi morto por incomodar.

Só vivem os acomodados e os "incomodantes".

- E você não teme a morte?

- Não, a morte não. Temo o sofrimento e angústia que a antecede. Mas não sou pedra. Sou um grilo de Quintana e, no mínimo, também um fósforo. Que o exemplo de Dilma seja minha prática.

- Um policial algemou um bandido em sua moto e o arrastou pelas ruas.

- Não! Um policial negro algemou um jovem negro em sua moto e entre risos do povo o fez correr pelas ruas. - Pausa para olhar nos olhos de quem me ler. - Mas artistas e professores iluminam.

- O que já fez além de ensinar Português?

-  Ensinei por este ano:

Meu direito termina quando começa o do outro. Feminismo não é o contrário de machismo; feminismo é igualizacao e valorização humana. Não é pele, idade, tamanho, grau de instrução, sexualidade, gênero etc. que (des)valoriza. Nenhuma religião, crença ou ritual é inferior ou superior; diferentes apenas na aparência. Cobrei com força demasiada a dedicação aos estudos, cumprimento aos deveres e respeito às diversidades.

- E você se surpreende com as pedras que te atiraram?

- Não, não me surpreendo. Só me pergunto se algum dia será diferente, para melhor.


__________

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

A imagem é  uma foto de Emilio (Bigote) Fleitas. É trabalho dele em fogo.

Escrito na manhã de 12 de dezembro de 2021 e pensado nas semanas anteriores.

domingo, 4 de julho de 2021

O CASULO

  

Visita II

Dona Brabuleta inda qui maloprigunte, com tanto pé de couve no mundo, causa de quê todo dia visita o meu? E põe ovos minuscrinhos, bunitinhos, que viram lagartas devoradoras? HUMPF! Não lhe dou tais intimidades, vê se me erra! ARA!

Porque “apousas” no meu pé de couve brabuleta infeliz? Vou te dar um cascudo, bem no nariz!

O que digo, me ouve. O mundo é tão grande, voa por aí e põe seus ovinhos tão amarelinhos bem longe daqui...

(Nena de Castro)¹.

 

Em português:

 

- Ah, dona Neníssima de Castríssimo! Nem te conto. – Responde a borboleta e como todos que dizem isso ela conta tudo. – Meus filhinhos são imaturos. Tudo pobre de direita. Classe média que se acha rica e não vê que é pobre, pobre, pobre de marré, marré desci. Não são iguais a mim: Linda, delicada, mas vivida. Sendo eu resiliente sou de esquerda. Mas meus pobres filhinhos são tuuuuuuudo eleitores e fãs do Boçalnato. Por isso destroem o meio ambiente. Mas a culpa não é deles. É que quando nascem baixa neles o espírito de Ber...

- Espirito de Ber? O que é isso?

- É um demônio terrível, terrível! É a Bancada Evangélica Ruralista.

- Entendo... Continue.

- Com o espírito de Ber meus filhinhos ficam dizendo coisas como "Terra plana; vacina, quando não faz virar jacaré, implanta chip comunista". Estou triste, tão triste.

- Fica assim não.

- Estou tão tristinha, mas não demora e os colocarei na escola, sabe.

- Borboleta tem escola?

- Claro, boba. A escola é quando fazem um casulo e ficam lá lendo. Estudando Literatura, Português, História, Sociologia, Ciências etc. É assim que abre os próprios horizontes e respeita as múltiplas diversidades.

- Não é muito fechado o casulo? Tanto tempo imóvel...

- Sim, é um pouco duro. Mas melhor isso que adorar Ber.

- Educação resolve todos os problemas.

- Educação sim, mas só diploma não. Tem muita borboleta diplomada, mas com alma de lagarta. Semana passada ouvi uma lagartinha do Jardim do Palácio do Governador do Rio Grande do Sul elogiando o Escatológico Borboletofóbico, mas como a lagartinha sabe que vai virar borboleta ontem entrou no casulo.

- Isso é bom. Afinal, aprenderá muitas coisas.

- Infelizmente, o pai é doutor Jairinho e a mãe é Flordeliz. Pelo que vi daquela família só tem fruto podre. E assim a lagartinha não aprenderá nada no casulo e sairá mau caráter diplomada.

 

 

En español:

 

EL CAPULLO

 

- ¡Ah, doña Nenísima de Castrísimo! Estoy tan preocupada. Mis hijos son tan inmaduros. Son pobres de derecha. La clase media que se creen ricas y no ven que son pobres, muy pobrecitas. No son iguales a mí: Linda, delicada pero vivida. Siendo yo resiliente soy de izquierda. Sin embargo, mijos son toooooooodos electores y fans de Bozalnato. Por eso están destruyendo el medio ambiente. Pero la culpa no es de ellos. Es que cuando nacen, baja en ellos el espíritu de Reelpo.

- ¿Espíritu de Reelpo? ¿Qué es eso?

- Es un terrible demonio. Reelpo es el “Religioso en la Política”.

- Comprendo… Continúe, por favor.

- Con el espíritu de Reelpo mis hijos quedan charlando cosas como “Tierra Plana; vacuna es la causa de autismo, cambia el adn”. Estoy triste, tan triste.

- ¡No! Tienes valor. ¡Fuerza!

- Estoy muy triste pero no tarda; los pondré en la escuela.

- ¿Hay escuela de mariposas?

- ¡Sí! ¿Cómo no? La escuela es cuando hacen su capullo y se quedan leyendo alli. Estudiando Literatura, Español, Historia, Sociología, Ciencias…

- ¿No es muy cerrado el capullo? Un largo tiempo inmóvil…

- No es fácil. Sin embargo, mejor eso que adorar Reelpo.

- La educación soluciona todos los problemas.

- Educación sí, pero solo un diploma no. Hay muchas mariposas diplomadas. Pero con alma de gusano. La semana pasada oí un gusanito del Jardín del Palacio del Gobernador del Rio Grande del Sur tejiendo elogios al Escatológico Mariposofóbico. Sin embargo, como sabe que cambiará a mariposa entró en el capullo.

- Eso es bueno. Al fin y al cabo, aprenderá muchas cosas.

- Infelizmente, el padre es doctor Jairito y la madre es Flordeliz. Y aquella familia solo produce frutos podridos. Y así el gusano no aprenderá nada en el capullo y saldrá basura diplomada.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Edgar Soares, Rita E.M. Rocha e Neide R. Azevedo.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Andres Garcia é revisor em espanhol. Natural da Colômbia e estudou até o quarto semestre de Filosofia.












     








Imagens:

Da borboleta e das lagartas: Erika Aviles (natural da Colômbia, artesã e fotógrafa amadora);

Do autor e do revisor (pai e filho na cachoeira): por Gustavo Drumond.


¹ Nena de Castro é escritora, professora aposentada, advogada residente em Ipatinga MG. Importante personalidade regional e pessoa a quem agradeço a Deus por ter no meu rol de amizades e de quem aprendi/aprendo muito. A historieta foi publicada em 17/01/21 no Caralivro.

 

Escrito em 17/01/21 e trabalhado no mesmo ano; revisto na metade de abril e depois nos dias 03 e 04 de julho.

domingo, 13 de junho de 2021

DURA TERRA

 

Santo Antônio de Batalha,

Faz de mim batalhador.

Corre e gira Pomba Gira,

Tranca Rua e Marabô.

Laroyê Exu!¹

 

Quem me abraçava antigamente,

Meu Santo Antônio,

Hoje quer me derrubar.

Saravá, meu Santo Antônio,

Sou filho seu.

Abençoai meus inimigos,

Meu Santo Antônio,

Pelo amor de Deus.²

 

O galo cantou

Tornou a cantar

Santo Antônio amarrador

Ele sabe desamarrar.³

  

 

Para que escrever?

Para que ensinar?

 

Chove há três dias.

– Ninguém ressuscitou  –.

Chuva miúda,

Boa pra terra

– Terra boa pra plantar

Para cultivar meio milhão

E ver se vinga o fim do vilão  –.

Chuva miúda

A esfriar o tempo.

 

Olho

Um estudante

Tento ver seu rosto.

Olho

Uma gente

Tento ver seu rosto.

 

E

 

Desânimo!

Do que está,

Do que virá:

Medo!

As religiões,

As políticas:

Ignorância!

 

Brasil:

 

Alvo

Corpo

Negro

Branco

Corpo

Salvo

 

Santo Antônio,

O que quero

É sair, inexistir

Mas o que tenho

É ser batalhador

 

Ouço do vento

Ou da fantasia

Ou talvez do santo:

Quem te lançou palavras

Lança-te pedras.

Quem te laçou com abraços

E disse: Toma, é teu!

É quem te desenlaça

Dizendo sobre o que te entregou:

Não tomes o que é meu!

 

Para isso escreve

Para isso ensina.

Drummond diz:

“Se você morresse

Mas você não morre,

Você é duro”.

E sou Santo Antônio, o Exu!

Sou terra

Terra da terra

O que está por baixo e por cima

O que se faz por baixo e por cima

Sou terra.

E por isso

Se Tranco Rua

Também abro Caminhos.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Mª Silva Bueno e Alexis Senshi.

Ofereço ao meu mais recente contato no Caralivro e, espero, amigo na vida: Gustavo Drumond.

Ofereço a família Jah a partir pelo mundo: meus filhos Andrés e Erika, meus netos Lion e Kael.

 

Recomendo a leitura de:

“O pássaro e o que sofre”, de Eraldo Maia:

http://eraldomaia.blogspot.com/2021/06/o-passaro-e-o-que-sofre.html

“Nudez infinita”, de António MR Martins:

http://poesia-avulsa.blogspot.com/2021/06/nudez-infinita.html

 

¹ Exu – Santo Antônio de Batalha:

https://www.youtube.com/watch?v=bCPEVQBGiD4

² Ponto de Descarrego – Santo Antônio da Ribeira:

https://www.youtube.com/watch?v=aDP-s0pJ6Gk

³ Pontos para Santo Antônio:

https://www.youtube.com/watch?v=6qLW9d0idB0

Observações:

No sincretismo Santo Antônio é Exu. Marabô é designação do Exu da Terra; entidade muito poderosa. E laroyê é uma das muitas formas de cumprimentar Exu. (Informações a mim repassada pelo músico Rubens Ramalho).

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

Santo Antônio, foto tirada pelo autor (a imagem me foi presenteada por Vinícius Siman);

Rubem dando bandeira, foto tirada por Vinícius Siman.

 

Escrito e trabalhado entre 10 de março e 13 de junho de 2021.

domingo, 14 de março de 2021

FOI COMPRADO A DINHEIRO

 

PERIGO!

Este cronto é o quinto de uma novena a pensar criticamente a Bíblia. Se isso te amedronta pare por aqui. Está avisade. Se continuar será por sua conta e risco. Não me responsabilizo pelo desconforto que sentirá, pois é difícil não ser misantropo quando se tem neurônios funcionais.

 

Se alguém ferir seu escravo ou escrava a pauladas, e o ferido lhe morrer nas mãos, aquele será punido. Se sobreviver um dia ou dois, não será punido, porque foi comprado a dinheiro.

(Êxodo 21, 20-21)¹.

 

Pais e professores de Ipatinga, Fabriciano e Timóteo mais alguns membros do Sindicato dos Servidores Públicos de Timóteo discutem numa reunião onlaine pelo “gúlgu míti”. Os temas são ensino presencial ou ensino remoto e desajuste salarial. Os participantes variam de cinquenta a setenta. Após meia hora de discussão com muitos “Só Jesus na causa”, “Deus tenha piedade”, “Deus nos proteja”, “O pastor disse”, “Deus te conforte”, “Deus tudo pode”, “Só Jesus pra nos salvar” e outras tantas interjeições religiosas e poucas pontuações relevantes, tomo a fala:

- Sob meu telhado o tamborilar da chuva me consola. Sob o alheio telhado a chuva desola. Cada um por si e Deus por todos?

Paro um instante para pensarem “O que isso tem a ver com a reunião” e continuo:

- Na calçada do outro lado da rua, não em frente aonde moro, mas uns quinze ou vinte metros, talvez trinta à esquerda uma lona de três metros de comprimento, um e meio ou menos de largura e “parede” de dois metros de altura. Dentro, o chão de barro foi forrado de estrado e amaciado por tapetes velhos. Caixas de madeira e plástico guardavam roupas e comidas. O curioso é que ao passar por lá eu via uma casa. Sim, casa bem cuidada. A moradora era uma mulher negra heterossexual traficante chinfrim de pedra. Sempre com um facão na cintura.

Uma professora diz: “Deus é conosco”. Após uma pausa retomo a palavra:

- No Caralivro tenho visto postagens referente a um rapaz que chora por ser homem, branco, heterossexual e ter dinheiro. Uma dessas postagens disse que o garoto é cantor ator filho de um cantor ator. Disso constato a presença de classes sociais reais e classes sociais hipotéticas.

Deixo-os refletir o que eu disse. Mas a maioria prefere ter a cara de “num tô intendo nada”.

- Primeira classe: homem, branco, hétero, com dinheiro. Segunda classe: homem, branco, hétero. Terceira classe: homem, branco. Quarta classe: homem. Quinta classe: homem, hétero, negro, com dinheiro. Sexta classe: homem, hétero, negro.

Observo pela tela do meu celular os poucos rostos que posso ver:

- Repare que para as três primeiras classes ser branco é a segunda coisa mais importante e que na quinta e na sexta classe ser hétero é o segundo mais importante fator enquanto ser negro é o terceiro.

Os parágrafos abaixo estão na mesma fala, mas as separo no texto escrito para permitir a quem me ler ter algumas pausas para pensar no que digo.

- Sétima classe: homem, negro; aqui foi ignorado a heterossexualidade, porque isso pertence à segunda classe e a oitava classe seria ser homem, mas isso faz parte da quarta classe. Aí tem um paradoxo ou ao menos uma curiosidade. Ser homem e negro é possibilidade, mas ser negro e homem não tem relevância. Então oitava classe não é possibilidade.

- Mas a nona classe existe: mulher, branca, com dinheiro, heterossexual.

- Veja que para a mulher heterossexualidade é o menos importante porque ainda vigora inconsciente a ideia que mulher não tem sexualidade. Décima classe: mulher, branca, com dinheiro. Décima primeira classe: mulher, branca.

- Se mulher tivesse real importância a décima segunda classe seria essa.

- Ser mulher, com dinheiro, negra, heterossexual quase chega a ser uma classe social se o segundo fator existir. – Pense então como é quando qualquer uma dessas características vai diminuindo.

- Ignoro a causa do lamento do garoto. Se ele inconscientemente vislumbra suas vantagens. Se promove autopropaganda. Se conscientemente reconhece suas vantagens.

- Essa última possibilidade pontuada acima me leva a pensar se continuará a chorar suas vantagens até o último suspiro; se fará algo que remova a consciência de seu pesar; se fará algo para modificar o mundo. Ou se a abafará...

- Você está falando e não está chegando ao ponto.

- Oh! Estou sim. Pensem nelas, por gentileza... Permita-me continuar.

- Sei, sei. Modificar o mundo é impossível. Mas é possível usar suas vantagens para combater as desvantagens. É assim que muito ateus e poucos religiosos dizem e praticam: Temos a obrigação de estender a mão a quem tem fome. O inverso também ocorre. Muitos religiosos e poucos ateus dizem e praticam: Há que multiplicar a comida de quem não tem...

- Já foi amplamente dito por grandes intelectuais e minha insignificância repete “Pessoas desesperadas viram trabalhadores ideais e cidadãos desorientados”. Como?

- Após minha graduação fiquei quase dois anos desempregando; trabalhei por pouco mais de um ano e fiquei desempregado. Em cada um dos dois momentos sem trabalho entreguei centenas de currículos. Minha sorte foi ter sido convocado a efetivar-me como professor em Timóteo devido a um concurso prestado ainda no segundo semestre na universidade. Devo ressaltar que estava quase velho quando me graduei. Faltava poucos anos para sair dos quarenta.

- Hoje, será que isso deixa gente mais velha com esperança? Só se for ingênuo. Tiraram e continuam eliminando os direitos trabalhistas.

- Parabéns por sua posse.

- Obrigado!

- Nós gostamos muito de nossos funcionários. Queremos tão bem que os manteremos aqui até a morte. Vocês nunca se aposentarão.

- Essa é a realidade. Sem previdência social. E a PEC 186 congelou até 2036 os reajustes salariais dos professores, médicos, enfermeiros, policiais e outras categorias.

- Sou advogado. Não fui atingido.

- O senhor escolheu bem a carreira. Advogado não é funcionário público. O presidente ainda não arranjou um meio direto de prejudica-los. – Comecei a fala inicial deste parágrafo com ironia e a fecho com um sorriso debochado. – A PEC 186 congela os reajustes salariais de professores, médicos, enfermeiras, policiais e outras categorias. Mas seu dinheiro vem de nós – professores, médicos, policias etc. – e não teremos como contratar seus serviços. – Dou uma pausa para apreciar a cara do eleitor do Boçalnato. – Também lojistas, engenheiros e outros trabalhadores que igualmente receberiam da gente não poderão contratar seus serviços porque também não poderemos pagá-los. – Falo sério, com irritação, mas em tom frio. – Ao fim estamos todos sendo mortos pelo presidente. Está ocorrendo cortes nos programas sociais e eliminado o SUS para os convênios médicos serem sua única opção; e como ficarão caros.

O advogado eleitor do Boçalnato em silêncio me diz muito com seu olhar irritado. E continuo:

- Veja o auto custo do ensino; lembre-se querem acabar com a escola pública e já as estão sucateando e desmantelando os professores. Tenho a impressão que um filho seu estuda no Tiradentes. Os professores dele trabalham numa escola pública militar. – Tenho asco da estupidez e crueldade dos boçalnariano. – Em Timóteo os professores da rede pública municipal querem trabalhar, mas de modo remoto por causa do covid. A prefeitura parece querer: “trabalhe presencialmente ou então não trabalhe”, pois tem impedido de todas as formas, até judicialmente, o ensino remoto. Em Ipatinga a prefeitura não cumpre o próprio protocolo de proteção ao covid nas escolas. Como prova um documento feito por professoras em diversas escolas e entregues à deputada Beatriz Cerqueira que o apresentou numa reunião ordinária da Câmara, em Belo Horizonte.

Uma mãe diz e a respondo:

- Ensino remoto não é bom.

- O ensino presencial é o ideal, mas não ter aula é pior que aula remota.

- Mas voltemos ao pensamento ficar seis meses sem emprego. No desespero está bom qualquer salário para fazer qualquer coisa em qualquer condição, mesmo que longe de sua família e trocando sua casa própria ou digna por uma tenda na calçada...

Como fiz acima – dar espaços para quem ler o cronto pensar – refaço:

- Com tudo isso como se preocupar com os direitos das minorias se busca emprego? Como se preocupar com os problemas ambientais se tem contas a pagar? Como se preocupar com reforma agrária se precisa alimentar a si e aos filhos? Como pensar nos refugiados se nem comprar remédios pode? E como pensar a longo prazo se seus problemas são para agora?

- A casa da usuária traficante de crack foi queimada e a mulher desaparecida. Não vi como ocorreu. Só os pedaços da lona derretida, o carvão das caixas e a cinza dos tapetes.

- Sei que o marido dela tentou furtar, mas foi pego e disseram que roubou. Preste atenção! Tentou furtar e afirmaram que roubou. Entendeu?

- Na cadeia ele aprendeu com os outros pretos que todo preto tem direito a trabalho, moradia e laser. Trabalhar no tráfico, morar na favela e férias na prisão. Mas seu aprendizado não durou muito. Numa rebelião ele e outros pretos morreram. Os pretos sobreviventes e os brancos foram punidos.

Paro um pouco a reunião para conversar com quem está me lendo:

Mas quem ensinou isso aos pretos? Quem?!? Como combater esse conceito? Digam-me, por favor!

Quem matou Marielle Franco? 14 de março de 2021 se completam três anos que foi assassinada uma militante dos direitos humanos, das mulheres negras e da diversidade. E os brancos que a mataram - isso se sabe - continuam livres, leves e soltos. Ai, como dói o que Rubem Leite diz:

Há tanto peso no coração

Só se sente leve

Quem não dá a mão

Quem ao outro nunca se leve.

Lima Barreto.

Cesare Lombroso! Um médico italiano “comprovou cientificamente” que o formato da cabeça, a posição do redemoinho dos cabelos e a etnia mostram a inteligência e o grau de violência de cada pessoa. Ele foi o estopim para que médicos como Cipriano de Freitas publicasse mesmo sem comprovação científica a depravação física, mental e moral dos negros e mestiços. Souza e Cruz poetizou que o negro está preso entre quatro paredes: a igreja, a ciência, a sociedade e as leis. A igreja que diz que negro não tem alma; a ciência falei acima; a sociedade que os vê como inferiores ou não os vê...; e as leis que vigoravam no século XIX contra eles e que apesar de não mais existirem deixou sequelas.

Sinceramente! Não estou com vontade de voltar à reunião “onláine”, pois minha misantropia deu um grito então desisti, pois sei que não responderão. Isso exige cérebro e boçalnariano, se tem, não o utiliza. Sem me despedi, saí. Sei que voltearão, voltearão e não irão ao cerne da questão. A segunda pergunta deixo para quem me ler, pois se chegou até aqui tem estômago para aguentar tanta amarga acidez e cérebro para pensar.

 

 

 

A legitimidade da escravidão é o tema de Êxodo 21, 20s. Observe que não importa a morte do escravo, desde que seja no dia seguinte...

 

Recomendo a leitura de:

“Lavada Carne Fraca” e “Lockdown”, ambos de Glaussim:

https://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/7197116

https://www.recantodasletras.com.br/contos/7204825

“O Infindável Museu das Coisas Efêmeras”, de Éder Rodrigues. Pode ser adquirido:

https://www.facebook.com/ederdelrodrigues.literatura/about_contact_and_basic_info

“Instalações Subterrâneas”, Bispo Filho:

http://bispofilho.blogspot.com/2021/03/instalacoes-subterraneas.html

 


Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

LOURENÇO, Ana. Nova Proposta de Redação: a persistência do Racismo. Disponível  https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/redacao-para-o-enem-e-vestibular/nova-proposta-de-redacao-a-persistencia-do-racismo/ . Acesso 14 Mar 2021.

Capa do livro Lima Barreto: triste visionário, de Lilian Moritz Schwarcz. Foto do autor do cronto.

Foto do autor pelo autor.

 

Escrito entre 05 de fevereiro e 14 de março de 2021.