segunda-feira, 26 de agosto de 2013

PASÁRGADA

Obax anafisa.


O vento inventou de ler os jornais. Passa pela janela e vira as páginas ao seu modo. Gosta muito das variedades e se enaltece com as crônicas dos poetas. Ouve Resposta ao tempo. Não conta para mim sobre o que anda fazendo, suas viravoltas, seus problemas com os tufões e as tempestades. Ele é discreto e faz piadas refinadas. Acompanha o farfalhar das palavras caindo aos pés do meu amor. Eu imagino que ele, um admirador de John Constable e de Cecília Meirelles, esteja um pouco estressado com as artimanhas que o tempo vem fazendo. Não que ele seja uma daquelas pessoas intransigente. Não. O vento é um espírito de criança. E, no seu jeito luxuoso de ser abre uma barra de chocolate, passa a mão no gato e abarca o jornal lendo-o aqui, bem aqui, pertinho de mim, na minha sala, neste apartamento pequeno preparado para ele e seus piercings de prata.
ARRUDA.


Em uma manhã de sol sobre os jardins onde os pássaros cantam entre as árvores floridas dois catedráticos encarcerados por quatro paredes austeras discutem quem é o maior enquanto ignoram as belezas da natureza e as profundezas da literatura.
- O menino vento, como diz o artigo que nos precede, é definido. Foi fecundado na noite predeterminada pelos astros, nasceu no dia de melhor algúrio, estuda na melhor escola de sua cidade, quiçá do estado, e vai ser, veja só, escritor. Com tanta profissão no mundo e ele vai se dedicar às artes.
- Que me importa o moleque? Yo no soy ni virgen ni puto. Soy un libre guerrero culto. Suas falácias não me atingem.
- Por que tanta agressividade? Que está aconte...
Você que me lê, um momento de sua atenção, por favor. Para lhe poupar do vocabulário pernóstico (chato e metido) dos intelectuais estou traduzindo as falas deles para algo mais popular nos idiomas em que discutiram. Tinha também inglês, mas como eu não vou com as fuças dessa língua ficarei só nas duas com mais sutilezas e nuances. Obrigado pela sua atenção e voltemos ao cronto.
- Por que tanta agressividade? Que está acontecendo?
- Ah! Vai me dizer que não sabe?
- Não, não sei.
- Então não te interessa. Ficará sem saber. Suas falácias não me atingem.
- Falácias? Do que está falando?
- ¡Envidia!
- ¿Envidia? No sé se la tengo pero codicio muchas cosas… ¡Y personas!
- Suas falácias não me atingem.
- Não? Vi hoje pela tv o Papa Francisco I ao lado da Presidente Dilma.
- Verdade! Era como ver Deus e o Diabo juntos.
- Verdade! O diabo fica tão bem de branc...
- RESPEITO, rapaz!
- Respeito... O que é respeito?
- Para quem acha que diz coisas inteligentes questiona cada bobagem...
- Então não é de mim que está falando porque não sou inteligente. Apenas pensante.
- Chega de asnice. Vou-me embora.
- Sim, vai! Também me vou. “Vou-me embora pra Paságarda. \ Lá sou amigo do rei. \ Vou-me embora pra Paságarda. \ Aqui eu não sou feliz. \ Lá a existência é uma aventura. \ Eu quando estiver cansado \ Deito na beira do rio, \ Mando chamar a mãe-d’água  \ Pra me contar as histórias \ E quando eu estiver mais triste \ Mas triste de não ter jeito \ Quando de noite me der \ Vontade de me matar \ — Lá sou amigo do rei — \ Terei a mulher que eu quero \ Na cama que escolherei \ Vou-me embora pra Pasárgada”¹.
Há uma manhã de sol sobre os jardins onde os pássaros cantam entre as árvores floridas. E em um de seus bancos alguém saboreia as belezas da natureza e as profundezas da literatura.


Ofereço aos aniversariantes
Mª Amelia Oliveira, Carol S. Portinelly, Hildete T. Santos, Michel Ferrabbiamo, Luana Rodrigues e Luís F. Rezende.

ARRUDA, Mara Paulina. O vento. Recolhido no “feicebuque”, no início da tarde de 28-5-13.
BANDEIRA, Manuel. Poema colhido na tarde de 17-8-13:

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.


Escrito entre os dias 28 de maio e 26 de agosto de 2013.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

PERLA CON ALAS

Obax anafisa.


En español:

Una casa arriba de otra
Haz de mi alma una perla
Presa en el interior de ostra
Soñando ser águila

Los árboles a cerca de las casas
Dándome negras alas
Mi alejan de las cosas
Y de las personas malas

Mi alma voila
Conociendo el mundo
Pero estay sola

En el interior de una celda
Mi persona esta fija
Pero estay acompañada


Em português:

Há casas apinhadas em um grupão
E minha alma-pérola
Presa no interior de ostra
Anseia ser gavião

As árvores ao redor das casas
Protegem-me das coisas
Afastam-me das que são insossas
Plantam-me negras asas

Minha alma livre,
Mesmo na grade da empresa
Não finge que vive

No interior de minha concha
Eu grande feito represa
Pareço presa e sou ancha.


Ofereço como presente de aniversário:
Sérgio Dias, Nelson M. Esfinge, Carlos Glauss, Marilda Lyra, Simone Penna, Fabiane Borges, Rogério Vine, Rayan Gomes, Mª Fernanda Rodrigues, Guilherme Costa, Rubem Junior, Simone A. Souza e Lucas Martins.

Estou contente! Em breve o ebook bilingue (espanhol-português) de poemas URDIDUMBRE – URDUME. Espero que adquira e creio que vai gostar.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 30 de julho e 19 de agosto de 2013.
Observações: originalmente escrito em espanhol. A versão portuguesa não é tradução e sim criação, sem intenção de ser parecida, tendo em comum apenas a essência da ideia.

Observaciones: originalmente escrito en español. La versión portuguesa no es traducción y si creación, sin intención de ser parecida, tiendo en común apenas la esencia de la idea.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

O QUE SÃO OS OLHARES – Fim



Obax anafisa.


Um gato preto se encontra com outro branco e juntos sobem o muro. Já o vento e os galhos se encontram. Enquanto isso, na porta de minha casa:
- Como são as pessoas. Como as aparências importam.
- Que foi, Benito?
- Aquele casal... seus rostos não chegam a ser feios e seus corpos são até bonitos. E...
- E?
- E hoje cedo eu me peguei pensando “Tão bonitos e se drogando”. Se eles fossem feios mereceriam a droga? Independente do que seja, só os belos não merecem sofrer?
Sentamos nós dois olhando para além daqueles dois.
O dia se foi. Meu amigo se foi. A noite se foi e o dia ainda não chegou. Saio com Vitório e Ouro vem até mim. Passeamos eu e os cachorrinhos. No retorno, ainda na rua de trás, gritos e choro de mulher na rua onde moro. Não tendo como evitar vou até os sons. Quase diante de meu lar, o casal.
- Senhor!
Não quero me envolver, mas infelizmente fui bem educado.
- Sim?
- Ele quer me matar. – Um diz e o outro responde. – Eu não. Eles é que são perigosos.
Digo desinteressado à mulher: Vá a uma delegacia.
O homem, com cara de surpresa ironia. Ou será com alguma outra expressão que eu não soube definir? Bem, vamos ao que ele disse:
- É o seguinte. Eu quero largar, mas ela foi comprar, sabe, com “efe”. – Vendo que não entendi, explica – Comprar com “efe”, sabe, fiado.
Somente olho.
- Se aproxime, por favor. Pode chegar perto, não vamos atacá-lo.
Não me animo a dizer que não cheguei por querer distância, mas dou dois passos em sua direção.
- A gente tem que dar dez reais se não estaremos mortos. Por favor, arranje pra nós. Tenho aqui alguma coisa que posso dar em troca, meu relógio ou alguma coisa que tenho em minha bolsa. Por favor!
- Não precisa! – Digo e penso nos meus últimos reais. – Vou olhar se tenho em casa, se tiver algo lhes darei.
- Por favor! Tem que ser dez reais se não estaremos perdidos.
- Verei o que tenho; se tenho.
O Sol é um chefe exigente, mas justo. Haja o que houver nasce para todos.


Ofereço como presente de aniversário:
Teuler Guimarães, Vera Tufik, Thais Gomes, Ivan F. Machado, Nyckollas Alves, Nelma Medeiros, Michelly Tellys, Gedeon Marques, Pierre André, Dilton B. Silva e Matteus Olliver.

Estou contente! Em breve o ebook bilingue (espanhol-português) de poemas URDIDUMBRE – URDUME. Espero que adquira e creio que vai gostar.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 01 de maio e 12 de agosto de 2013.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O QUE SÃO OS OLHARES – Início



Obax anafisa.


... meus olhos depois viram a maçaneta que girava, mas ela em movimento se esquecia na retina como um objeto sem vida, um som sem vibração, ou um sopro escuro no porão da memória; foram pancadas num momento que puseram em sobressalto e desespero as coisas letárgicas do meu quarto; num salto leve e silencioso, me pus de pé, me curvando pra pegar a toalha estendida no chão; apertei os olhos enquanto enxugava a mão, agitei em seguida a cabeça pra agitar meus olhos, apanhei a camisa jogada na cadeira, escondi na calça meu sexo roxo e obscuro, dei logo uns passos e abri uma das folhas me recuando atrás dela: era meu irmão mais velho que estava na porta; assim que ele entrou, ficamos de frente um para o outro, nossos olhos parados, era um espaço de terra seca que nos separava, tinha susto e espanto nesse pó, mas não era uma descoberta, nem sei o que era, e não nos dizíamos nada.
(NASSAR).


Foi um início de noite típico. O Dia foi se desnudando para dormir e a Noite se vestia para o trabalho. Foi um fim de madrugada atípico. Ainda assim a Noite foi se desnudando para dormir e o Dia foi se vestindo para o trabalho. O Sol é um chefe exigente, mas justo.
Corre, corre! Desce, desce, desce. Vamo, desce! Quetá avenu? Quetá avenu? Coooorreeeeeeee! Ai, meu Deusducéu. Acode! Acorde! Aishimichuchimpatavachimpá. Jisuis ducéu. Zunzuzum. Aishimichuchimpatavachimpá. Pá pá pum. Aí! Sinhô, tenha piedade. Tenha piedade. Socooorro! Aiaiaiaiaiaiai!
O vento passou entre os galhos e
- Bom dia, senhor! Estamos de volta.
- Bom dia! Por onde andaram?
Eu me lembro de já ter visto aqueles olhos rondando as madrugadas e dormindo os dias. Pouco senti sua falta.
- Aqui estava muito vigiado, atrapalhando a gente, mas agora que as coisas acalmaram...
Nada digo além de um sorriso e um olhar. Creia, não foi um sorriso ruim e muito menos um mau olhado. Se pouco me importo também não me desimporto.
Os galhos foram passados pelo vento.
- Boa tarde, senhor.
- Boa tarde!
- Senhor... Senhor, como se chama?
- Benito.
- Senhor, não é pra droga não. Estamos limpos, pode olhar meu rosto pra ver. – Eu me estanco querendo ir – Tem três dias que estamos só a salame. Será que podia comprar um marmitex para nós. Ela está grávida. E precisamos, principalmente ela, de comida de verdade.
- Vou a minha casa pegar dinheiro.
- O senhor é de que igreja?
Pergunta-me a caminho do restaurante.
- Você! Prefiro que me trate por você.
- Você é de que igreja, irmão?
A denominação não importa.
- Todas pregam o mesmo mudando o ritual. Todas são boas.
- Jesus é o mesmo, mas nem todas são boas. Algumas nos odeiam...
Não falo o que penso. Não acho que ele queira realmente ouvir, mas o cristianismo é bom, quem não é são os cristãos. Igrejas não cristãs são igualmente boas, creio. Não sei o que dizer de seus seguidores, que não conheço. Desculpe! Talvez você também não quisesse ler minha opinião... Am... Sem que eu ouvisse continuou a falar. Parece que ficou repetindo a mesma ideia e só presto atenção quando diz meu nome.
- ... Benito, eles amam os de sua igreja, mas desprezam quem não é. Nem todas, claro. Mas quantas nos humilham... É fato que toda regra tem exceção, mas... – Um gato preto cruza nosso caminho. Nenhum azar e não vou atirar o pau no gato nem dona Chica vai se admirar. Entramos no restaurante enquanto ele diz: – É! Toda regra tem exceção.
O gato preto se encontra com outro branco e juntos sobem o muro. E o vento e os galhos se encontram.

Continua.


Ofereço como presente de aniversário:
Letícia S. Bastos, Douglas Oliveira, Vladimir Queiroz, Juninho Zeff, Junior Ferreira, Alline Mota e Luciana Araújo.

Estou contente!
Em breve o ebook bilingue (espanhol-português) de poemas URDIDUMBRE – URDUME. Espero que adquira e creio que vai gostar.
Também não tardará e teremos um sítio eletrônico criado por Joaquim Petrônio. Aguarde!

NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. – 3ª ed rev. pelo autor - São Paulo: Companhia das Letras, 1989. A Partida, parte. 1.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 01 de maio e 05 de agosto de 2013.