domingo, 21 de fevereiro de 2021

UMA HISTÓRIA NÃO LITERÁRIA EM QUATRO ATOS

 

Foto tirada no interior do quarto 11 mostrando as portas dos quartos 11 e 10. Pelo autor.

Ato 01

 

No Hospital Municipal de Ipatinga há quartos com espaço para quatro leitos, mas muitos estão com cinco e alguns estão sem a campainha para chamar enfermeiras.

Filas de formiga caminham pelos cantos. Apesar não nos enojar, são tão imundas e infecciosas quanto as baratas.

Paredes e portas descascadas e lascadas. Assim como ausência de vidros nas janelinhas das portas. Os acessos para os quartos ou dos banheiros estão desnivelados, não fechando.

Goteiras em todos ou quase todos os corredores do hospital assim como infiltração em várias paredes.

Pias com torneiras quebradas, dificultando fechá-las. Ou pias soltas das paredes.

Parte debaixo da descarga, amarelo de ferrugem.

Ao redor do chuveiro paredes amarelas de, creio, bactérias.

Só os funcionários “funcionam”. Fazem o melhor com o que têm.

Gugudadá Babyboso, Nadanodinheiro Rocha, Çessilha Ferradura, Quintão dos Infernos. Quatro prefeitos ineptos.

 

Ato 02

 

Terça-feira de carnaval cheguei ao hospital antes das sete e quase oito da manhã consegui chegar a ala F, destinada aos casos de suspeitas ou confirmações de covid-19.

Entre um zunzum e outro "pesquei" algumas técnicas de enfermagem comentarem uma morte feia na noite anterior em um dos quartos da ala F.

No quarto 10, o seu leito 32 estava ocupado por um senhor em estágio avançado do covid.

O quarto 11 estava ocupado por quatro idosas sem capacidades de banharem sozinhas; a do leito 39A era minha mãe. As técnicas de enfermagem me fizeram sair muitas vezes para os cuidados adequados a elas. Assim, não queria, mais foi importante ver no quarto em frente três médicos e dez enfermeiras e técnicas de enfermagem gastarem três horas – iniciaram às oito – para entubar o paciente.

Não se pode anestesiar. Imagina um tubo três ou quatro vezes mais largo que tua garganta e que a entrada para o pulmão. Como sua introdução agride, destrói os órgãos por quais passam. Há que induzir o coma. Terminaram o procedimento às onze da manhã.

Foi horrível, mas agradeço por minha mãe não ter passado por esse processo. Ela não merecia essa agonia.

Foto tirada na primeira década do milênio. Minha mãe em sua oração matinal diante do Oratório dos Antepassados, algumas oferendas e livros de oração. Acima, foto da Professora Teruko Taniguchi (Seicho-No-Ie). Pelo autor
 
Ato 03

 

Toda a parte da manhã minha mãe esteve sonolenta, apática. Mas se animou durante o almoço. Não sei se me reconheceu ou não, mas três vezes me disse “obrigada”. Depois de bem alimentada cantarolou algumas vezes.

Maria Etienne Weber Leite nascera no dia 26 de dezembro de 1929 e faleceu em 16 de fevereiro de 2021; na terça feira de carnaval; entre meio dia e uma da tarde. Dou-te a oportunidade de escolher a opção que mais agradar-te: partiu para outro mundo, descansou, desencarnou, voltou a fazer parte da natureza...

Dois fatos curiosos: 1- Meu pai faleceu no domingo de carnaval e mês que vem faria trinta anos sem se verem no mesmo plano. Ao Contrário de tantos casais que só se toleram, os meus se queriam mutuamente. 2- Meu pai era advogado e tinha preferência pelos pobres; nunca teve dinheiro suficiente para os pequenos prazeres supérfluos. Nunca foi e descreio que seja reconhecido, mas a Defensoria Pública em Ipatinga foi por esforço exclusivo dele.

Em ordem crescente veja as causas da morte de minha mãe:

“Alzáimi” avançado, parada cardíaca súbita, pneumonia bacteriana e suspeita de covid-19.

Não se pode ter velório devido ao covid; nem que seja apenas suspeita. Saíra direto do hospital para a sepultura.

Não sei se compreende, mas ainda mais deprimente do que a falta de velório é o corpo estar completamente nu, envolto por um grosso saco plástico parecendo ser de “lixo luxuoso” preto dentro de um caixão lacrado.

Para o corpo não é nada, mas para nós é sensação que sentirá frio mais o vexame que é a nudez.

Coronel Fabriciano retornaram as aulas presenciais, Ipatinga e Timóteo retornarão no dia 22 de fevereiro.

Timóteo tem uma administração fraca, covarde que não aguenta pressão e responsabiliza os professores, pois se nós entrarmos em greve eles dirão: “São os professores que não querem trabalhar”. E para nos enfraquecer, manteve remoto os ensinos infantil e das séries iniciais (01º ao 05º ano), mas semi-presencial as séries finais. Portanto, os professores a entrarem em greve serão apenas um terço da categoria; minando nossa força para proteger as vidas dos alunos e de seus familiares, dos funcionários e familiares. Assim, como das pessoas nos transportes públicos.

Como “funcionam” as aulas semi-presenciais? Uma semana metade dos alunos de cada turma vão à escola e a outra metade fica em casa estudando pelo método remoto.

Alguns pais em Timóteo não autorizaram o retorno às aulas presenciais; a estes meus sinceros parabéns!

Dessa forma, cada professor terá que fazer um plano de aula para os encontros presenciais e outro plano de aula para as aulas remotas. O que já será desgastante. Ao contrário do que muitos pensam. O trabalho do professor não se concentra apenas na sala de aula. Boa parte é feito em casa

Não sendo suficiente haverá um terceiro, mais complicado que será o plano de aula daqueles que não participarão das aulas presenciais; já que não se pode esperar que só com exercícios e sem explicações estes conseguirão acompanhar. O professorado, quantos e principalmente quantas terão jornadas quíntuplas.

Se em Timóteo o grito forte foi do poder econômico, em Ipatinga e Fabriciano não é mera falta de força contra o poder econômico. É agravado pela ignorância e falta de empatia pela classe trabalhadora; pelo povo em geral; sobretudos sobre aqueles que "gastam" dinheiro público com previdência social.

Ipatinga quer que os pais assinem um documento isentando a PMI, a Secretaria de Educação e as escolas por qualquer infecção do covid advindo das aulas presenciais. Deixando os pais como os únicos “culpados”; não digo responsáveis, mas culpados.

O Vale do Aço não respeita a vida; só preza a economia. Minas Gerais é o mesmo em escala maior. O Brasil é o pior país na prevenção e cuidado da pandemia.

O Boçalnato, o Zemagogo e o Mudinha de Laranjeira, mais conhecido por Gugudadá Babybozo são genocidas assim como os seus cúmplices (todos aqueles que votaram neles ou votaram em branco ou anularam).

 

Ato 4

 

Vizinha:

Meus sentimentos pela morte de sua mãe.

Com boca riste, eu:

Cale-se! A senhora matou a minha mãe. É cúmplice no assassinato de duzentas mil pessoas. Não converso com demônio. Tenho nojo e desprezo pela senhora. Não se aproxime de minha família. A senhora com os seus 17 ardam no inferno.

Ignoro a vizinha com a cara de espanto e pergunto às outras duas pessoas como suportam o fedor de enxofre.

 



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Este texto não é literário.

É um alerta claro e explícito do que estamos enfrentando.

 

Todo texto meu ofereço a algumas pessoas que gosto e que aniversariam na semana. Peço desculpas aos meus queridos aniversariantes, mas dessa vez não farei isso.

Estou de luto, não consigo comemorar. Apenas posso desejar força para enfrentar o que estamos sofrendo. A cada um: Vá e Vença!

 

 

Rubem Leite

Fevereiro de 2021.

Última imagem: “mamãe e minha irmã Fátima”, cuidadora de minha mãe durante o avanço do "alzáimi"; apenas sei autor que o autor é da família.

domingo, 14 de fevereiro de 2021

ANTÚRIO, A VIDA


A mãe amarga descarrega suas frustrações nos filhos.

O patrão que a assedia, as clientes grosseiras, o desejo de ter não atendido.

Para os filhos a falta de refeições, as palavras duras, os tapas, as pontas de cigarro quando eles estavão distraídos.

Um é João Antúrio. O primogênito de Crisântema. Ele tem um irmão um ano mais novo e os dois sofriam a mesma coisa. Nem João nem Manuel eram registrados e mãe sequer lembrava quando nasceram.

Vamos sair um momento do presente para voltarmos cinco anos atrás.

Quando tinha três anos, João passou uns meses na casa dos avós paternos. E uma tarde o Conselho Tutelar visitou a casa materna e viu apenas o pequeno Manoel Jacinto. Ele não falava, não andava, não sorria apesar de seus talvez dois anos além das dezesseis marcas de cigarro na pele.

Regina, a Conselheira Tutelar, sabia de um casal homoafetivo na fila de espera para adoção e contra a vontade recolheu o pequeno Manoel e por ordem judicial entregou ao casal.

Isso, para ela, foi um grande aprendizado. Constatou que dois meses após a criança morar com Eliezer e Diego, Manoel estava andando, falando suas primeiras palavras e sorrindo.

Foi nos meses que João esteve com os avós que o CMDCA foi analisar a situação da família. Por isso não foi salvo.

Com a mãe presa por maus tratos ao filho, os avós mantiveram a criança por muitos meses mais; até soltarem Crisântema. Tião e Tonha não suportando o neto: gastar dinheiro com comida, limpá-lo... O problema é da mãe; ela que se vire com o entulho. Devolveram-no. Mas já era tarde. O Conselho Tutelar não voltou mais lá.

Vamos sair do momento passado e voltarmos para o presente.

Numa noite, Crisântema deitou bem indisposta, talvez por estar tão bêbada. Não acordou no dia seguinte.

Ao perceber a morte da mãe; triste o menino chamou o Samu.

O CMDCA veio acionada pelo Samu, levou o menino que se manteve três anos em instituições até que pelo descaso dos funcionários o portão ficou aberto e ele foi pra rua. João continua falando pouco, sem idade e sem escola. Não recordava da mãe nem do irmão ou dos avós. Só existiam as ruas. 

Devo falar das comidas recolhidas das lixeiras, das vezes que fora escorraçado desse ou daquele lugar? Não, quem lê Rubem Leite tem cérebro funcional. Basta dizer: Para João os horrores da rua eram brincadeiras e a vida, antúrios. Não por diversão ou beleza e sim por ter aguentado tanto ao ponto de não poder comparar alegria com tristeza, beleza com feiura, dor com prazer.

Completou doze anos sem saber. Mas bem antes de seus quinze anos foi parar em uma sarjeta qualquer. Caiu na vala ainda com vida. Foi aí que se lembrou de seu último instante com a mãe: Ao perceber a morte da mãe; o menino chamou o Samu e enquanto aguardava desvirou o chinelo para que ninguém soubesse que fora ele... Sentiu culpa. E morreu.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Claudina Abrantes, Rodolfo Belo, Salatiel Lucas, Margô Inácio, Mª Silma C. Matos, Mª Fátima W.L. Macedo, Helena Couto, Helena L. Lopes, Gabriel Miguel, Maximiliano J. Benítez e Dinei Gonçalves.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagem – foto do autor:

 

Escrito no dia 08 de dezembro de 2020. Trabalhado entre os dias 03 a 13 de fevereiro de 2021.