A mãe amarga descarrega suas frustrações nos
filhos.
O patrão que a assedia, as clientes
grosseiras, o desejo de ter não atendido.
Para os filhos a falta de refeições, as
palavras duras, os tapas, as pontas de cigarro quando eles estavão distraídos.
Um é João Antúrio. O primogênito de Crisântema.
Ele tem um irmão um ano mais novo e os dois sofriam a mesma coisa. Nem João nem
Manuel eram registrados e mãe sequer lembrava quando nasceram.
Vamos sair um momento do presente para
voltarmos cinco anos atrás.
Quando tinha três anos, João passou uns
meses na casa dos avós paternos. E uma tarde o Conselho Tutelar visitou a casa
materna e viu apenas o pequeno Manoel Jacinto. Ele não falava, não andava, não
sorria apesar de seus talvez dois anos além das dezesseis marcas de cigarro na
pele.
Regina, a Conselheira Tutelar, sabia de um
casal homoafetivo na fila de espera para adoção e contra a vontade recolheu o
pequeno Manoel e por ordem judicial entregou ao casal.
Isso, para ela, foi um grande aprendizado.
Constatou que dois meses após a criança morar com Eliezer e Diego, Manoel
estava andando, falando suas primeiras palavras e sorrindo.
Foi nos meses que João esteve com os avós
que o CMDCA foi analisar a situação da família. Por isso não foi salvo.
Com a mãe presa por maus tratos ao filho, os
avós mantiveram a criança por muitos meses mais; até soltarem Crisântema. Tião
e Tonha não suportando o neto: gastar dinheiro com comida, limpá-lo... O problema é da mãe; ela que se vire com o
entulho. Devolveram-no. Mas já era tarde. O Conselho Tutelar não voltou
mais lá.
Vamos sair do momento passado e voltarmos
para o presente.
Numa noite, Crisântema deitou bem
indisposta, talvez por estar tão bêbada. Não acordou no dia seguinte.
Ao perceber a morte da mãe; triste o menino
chamou o Samu.
O CMDCA veio acionada pelo Samu, levou o menino que se manteve três anos em instituições até que pelo descaso dos funcionários o portão ficou aberto e ele foi pra rua. João continua falando pouco, sem idade e sem escola. Não recordava da mãe nem do irmão ou dos avós. Só existiam as ruas.
Devo falar das comidas recolhidas das
lixeiras, das vezes que fora escorraçado desse ou daquele lugar? Não, quem lê
Rubem Leite tem cérebro funcional. Basta dizer: Para João os horrores da rua
eram brincadeiras e a vida, antúrios. Não por diversão ou beleza e sim por ter
aguentado tanto ao ponto de não poder comparar alegria com tristeza, beleza com
feiura, dor com prazer.
Completou doze anos sem saber. Mas bem antes
de seus quinze anos foi parar em uma sarjeta qualquer. Caiu na vala ainda com
vida. Foi aí que se lembrou de seu último instante com a mãe: Ao perceber a morte da mãe; o menino chamou
o Samu e enquanto aguardava desvirou o chinelo para que ninguém soubesse que
fora ele... Sentiu culpa. E morreu.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Claudina Abrantes, Rodolfo Belo, Salatiel Lucas, Margô Inácio, Mª
Silma C. Matos, Mª Fátima W.L. Macedo, Helena Couto, Helena L. Lopes, Gabriel
Miguel, Maximiliano J. Benítez e Dinei Gonçalves.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog
literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e
Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do
Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua
Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos
científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e
Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola,
Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e
“Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro
Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagem – foto do autor:
Escrito no dia 08 de dezembro de 2020. Trabalhado entre os dias 03 a
13 de fevereiro de 2021.
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