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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

MORTO VIVO

 

Vejo tanto

Porque olho muito.

Ai se eu fosse cego

Seria mito, neurônios fortuitos.

 

João Mendes voltava casa no noturno sábado. Nesse momento passava pelo trecho sem casas entre Alegre e Limoeiro. Estava num ponto que lhe permitia ver a lua quase minguante, Vênus e um pedacinho do bairro onde morava. 

Esteve a semana toda no turno de sete as quinze, fez quatro horas extras, ao terminar tomou um banho gelado e dali foi a uma boate desamargar a vida. Conseguiu, por algumas horas, esquecer o dia, a semana, o mês, a vida.

Mas a solidão em seus vinte e seis anos voltou forte no retorno desacompanhado até seu barraco.

Conversa com os dois astros:

- Sou tolo.

Como os astros lhe prestaram atenção, continua:

- Descobri faz tempo e empiricamente o quanto sou tolo.

A lua põe a mão no próprio queixo a pensar nas palavras do envelhecido jovem.

- O que não sei ainda é se sou o tolo descrito por Tolstói e Lispector. Ou se sou apenas um vulgar tolo.

Para de falar e recorda um momento repetitivo de sua juventude.

- Não. Você não vai estudar balé.

- Mas, pai...

- Não! Você não vai ser bailarino.

- Mas pai...

- NÃO! Balé é coisa de viado e filho meu nunca será uma bichinha.

O menino cresceu; é homossexual; e no lugar de iluminar o mundo com sua arte trabalha muito para receber pouco.

Um carro passa tirando-o do longe passado e o faz voar alguns metros até um tempo mais perto:

Ontem, na rua, passou por duas jovens e uma disse a outra: “Cortei relações com meus parentes. A gente não se fala mais.” Intuiu que já escutara muito isso. Antes as pessoas eram obrigadas a ficar juntas, ao contrário de hoje. Não sabiam nem sabem amar. Um dia saberão? João também passou por isso. Afastou-se da família que o abandonara.

Mas não percebeu que, na verdade, o carro não passou por ele...

Morreu como seu sonho de ser bailarino; sem iluminar o mundo; sem ser como Vênus, lua ou mesmo um poste de rua.

 

Apocalipse zumbi não é ficção. É real e as “infecções” são várias.

 

 

De Rubem Leite.

Parte da história partiu de algo que Girvany de Morais me contou.

Escrito entre 20 e 24 de fevereiro de 2022 e pensado nos últimos meses.

Foto do autor tirada por volta de duas da manhã do dia da postagem do cronto.

domingo, 21 de março de 2021

A ARTE PODE DAR PAZ


ou O QUE SABE UMA ÁRVORE

 

 

A primeira parte dessa história pode ser lida em:

http://artedoartista.blogspot.com/2021/03/ha-o-que-vale-mais-do-que-as-pessoas.html

 

Esta história se passa em Ipatinga. Após um sábado adormecido e nublado, mas num domingo amanhecido e quase ensolarado. Aproveitando o silêncio do domingo coloquei algo para comer e duas cervejas numa bolsa térmica, peguei uns livros, meu celular e fui de bicicleta ao Centro de Oncologia e Radioisótopos. Se tinha que ir seria hoje ou continuaria enrolando. Sim, senti-me muito fatigado ao chegar, mas queria fazer um exercício. Entrei e, claro, não consegui consulta para aquele dia. Só fui porque me sentia corajoso o suficiente. Marquei para duas semanas depois.

Em frente há muitas árvores. Uma delas me chamou a atenção. Parece comigo. Sou uma árvore. Sentei-me na grama, de frente para ela, li umas páginas de A Chave do Tamanho, de Monteiro Lobato, e fiquei a pensar no que Emília disse sobre os animais saberem arrumar-se num mundo tão grande:

Também saberemos. Sabem porque foram aprendendo. Nós também aprenderemos, por que não? A professora é uma velha feroz, que não perdoa aos lerdos e preguiçosos. Chama-se Dona Seleção.

Comparei essa fala com a esperança de muitos em 2020: A sociedade vai aprender muito com essa pandemia. Mas em 2021 o que aprendemos foi: o vírus evolui e a sociedade não. E o que mais me dói é não me surpreender. Um ano de covid matou quase mil pessoas a mais que trinta e sete anos de aids. E há mais pessoas temendo o HIV do que o SARS-CoV-2. Dona Seleção, não demore a entrar em ação, por favor.

Olho para a árvore e ouço o que muitos pensam de mim: É um bobo, um tolo coberto de lodo. Sou uma árvore; posso ter musgo, não lodo. Você está cansado! Dizem. Mas não. Cansaço seria se tivesse feito muita coisa pela humanidade. E o que faço não posso dizer que é tanto assim. Eu faço, mas... é improdutivo porque as pessoas não mudam. Não mudam. Pode até ser que alguém mude; realmente aprenda. Isso acho até possível, mas são casos extremamente raros. Um exemplo: um delegado aterrorizou por muitos anos, bem mais de uma década, os usuários de maconha. No pejorativo: “os maconheiro”. – Dou uma risadinha para mim mesmo. – Porém a filha dele ficou enferma e o tratamento precisava de THC. Aí ele mudou... Ai, que romântico. Ele mudou. Parou de perseguir os usuários de maconha. Mudou por...caria nenhuma! É interesse, egoísmo! Porque teria mudado se antes tivesse estudado para que serve a maconha; para que serve o THC. Mas ele não teve interesse. Preferia continuar com sua ignorância e seus preconceitos. Só depois, por ser mercantilista e calculista, passou a agir ao contrário. Então o delegado não mudou. É apenas mais um interesseiro que vai transferir seus ódios e ignorâncias para outros grupos de pessoas. 

Olho outra vez para mim na árvore e faço pelo watzap uma vídeo-chamada para meu filho.

- Oi, Quide! Ontem sua mãe me contou algo que me deixou orgulhoso de você. Quer que eu te conte o que pensei sobre o assunto ou acha que estarei intrometendo-me em sua vida? – Depois que falei pensei “estou sendo indiscreto”.

- Conte!

- Se achar que é intromissão eu me calo...

- Sei lá. – Diz e ri da dúvida do pai.

Um esclarecimento. Sou Ôldi, pai adotivo de Quide. Alguns meses atrás saiu de viagem pelo Sul da América e não me disse o porquê. Um longo tempo depois fiquei sabendo a razão. Ele fora em busca dos pais verdadeiros dele. Achei muito bom ele fazer isso; muito bom mesmo. O que me dói é ele me ver como um pai falso.

Mas voltemos à história:

- A coisa mais importante que ela falou fortaleceu minha concepção de que você fará a diferença na cidade onde viver. Posso continuar? Creio que será curto o que vou dizer daqui pra frente.

- Fale logo!

Desconfortável por chamar o outro de pai como se ele fosse o verdadeiro:

- Você falou para seu – engoli em seco – pai algo assim: “Tenho dinheiro, mas não sei o que fazer com ele, pois não me dá paz.”. Realmente, de você só posso esperar pensamentos inteligentes, dignos. Dinheiro não dá paz. Mas não dá para viver sem trabalhar. Então o que fazer? Trabalhar nesse serviço chato e com a grana que entrar comprar livros, pagar uns estudos, consumir as artes cinematográficas, teatrais, musicais etc. Mas o mais importante: A arte pode dar paz. – Meu filho é malabarista, artista de rua. – Que tal tirar meia hora por semana ou um dia sim e outro não para ir ao faro, ou praça ou ao parque e malabarear apenas para fazer as pessoas sorrirem, aliviarem de seus pesos.

- Minha mãe é bem intrometida.

- Tem gente que fará cara de nojo. – Ignoro a fala dele e continuo: Outros irão parar por alguns segundos para ver. Outros vão continuar andando enquanto olham sua arte. Se for de manhã dará energia para enfrentar o dia. Se for no final da tarde dará alívio. No caso “dos cara de nojo”, aí é problema dele não se sentir melhor. Nos dois casos seguintes você lhes terá dado paz.

- Mas fazer o quê? – Agora é ele que ignora o que eu disse. – Minha mãe não mudará mais.

- Nós, os velhos, somos intrometidos...

Uma pausa para bebermos um gole de cerveja e responde aos meus comentários:

- Sim, falei isso pro meu pai. Mas meu peso é outro. A minha cruz é outra.

- Por isso pedi sua autorização para ingerir. – Mais um gole de cerveja. – Qual é sua cruz?

- Não acho que preciso falar para você.

- Tranquilo.

- Não falo isso pra ninguém. Não me leve a mal.

- Como disse, não me quero imiscuir. – Mas me senti mal por não confiar em mim. – Apenar dizer que te quero bem, muchacho. Não me ofendo.

- Eu sei e te amo por isso, amigo. – Amigo!?! Como isso me magoa.

- Cada qual tem seus segredos. Coisas que prefere guardar para ti.

- Isso!

- Acha que tem coisas que conto para os outros? Nem para a psicóloga conto tudo...

Ôldi muda de assunto:

- Vou trabalhar agora. Estou fazendo a revisão em português de um livro que se chama Magnânima, de Flávia Frazão... Quando puder a gente conversa. Abraço! – Uma pausa e acrescento: Só não fica chateado com sua mãe. Pois ela me fez feliz ao dizer-me sua visão do dinheiro. Tenha um bom trabalho.

- Gracias!

- Só me conte o que se sentir confortável ou precisar. Vou indo, pois amanhã também vou trabalhar. Será sábado letivo e darei aula remota.

- Está bom assim. – Sua voz parece levemente irritada, mas continuo:

- Só recomendo uma coisa: Não se cale se precisar falar. Agora peço licença porque vou para casa me dedicar a revisar o livro e depois gravar um vídeo aula para amanhã passar para meus alunos e não poderei mais conversar no momento. Abraços!

Mas o que faço depois de desligar a vídeo-chamada é olhar para a árvore, tomar um gole da cerveja e soluçar. Paro um pouco meu soluço e acesso ao youtube. O primeiro que aparece é As Vantagens de Ser Bobo, de Clarice Lispector. Do bastante que é dito ouço e reflito apenas:

O bobo, por não se ocupar com ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo. Mas não estou tocando nem o coração do meu filho, por mais que o veja e ouça dentro de mim. O bobo é capaz de ficar sentando, quase sem se mexer por duas horas. Se perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando”. Realmente, já se passou uma hora que a conversa terminou, mas confesso que estou mais sentindo do que pensando. Sou um bobo e como tal confio na palavra das pessoas e por isso sou apunhalado tantas vezes por aqueles que menos espero. Realmente reclamo pouco, mas muito exclamo. E quando reclamo sobeja exclamações, interjeições e se não pergunto é porque desvalorizo as respostas que me darão. Lispector fala que os bobos provocam amor. Não sei. Não sei. Mas como bobo amo em excesso. E só o amor faz o bobo. O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que venceu. Se venci ou vencerei nunca saberei assim como esta árvore.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Aléxia Silva, Maria Cloenes, Manoela S. Bicalho, Ana L. Pena, Diony Stefano e Girvany A. Morais.

 

Recomendo a leitura dos livros e áudios citados no cronto.

 


Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

Árvore com musgo: foto de Marcelo Soares Marinho.

Foto do autor pelo autor.

 

Escrito entre os dias 12 de dezembro de 2020 e 21 de março de 2021.

domingo, 7 de março de 2021

HÁ O QUE VALE MAIS DO QUE AS PESSOAS

  

- No ofrezco fiestas a ti. Solo palabras y mi corazón de padre.

- No sos mi padre. Solo es mayor que yo.

 

Jede Einschränkung ist für den Künstler anregend.

(João Guimarães Rosa em uma entrevista na Alemanha. Minuto 5:45: https://www.youtube.com/watch?v=ndsNFE6SP68 )

 

Caras mulheres, não lhes anseio nada que que as pessoas te desejam “no seu dia”; apenas grito: Façam!

Homem não faz nada que não seja sob orientação de mulher. Até Jesus só começou a Sua missão depois que Sua Mãe mandou.

 

 

As dez da manhã do dia 31 de janeiro de 2019 Ôldi recebeu a notícia de Quide que iria viajar sem comemorar a passagem do ano com o pai. Após uma tensa conversa, as últimas palavras do filho:

- Não é meu pai; apenas me adotou.

No passar de 2020 se falaram pelas mídias sociais; no meio de janeiro Ôldi ainda buscava entender “como não sou o pai” e quando março estava quase no fim:

- Olá, tudo bem? Houve um pequeno problema no meu watzap e perdi todos os contatos. Se for de seu interesse. Se tiver realmente alguma vontade manter contato por watzap, adicione-me, por favor. Mas caso contrário, prefira manter um distanciamento, um silêncio. Aceitarei tranquilamente, de bom grado. Cada um cuidando da própria vida; seguindo seu caminho. A gente se gosta, tem afeto, mas talvez prefira o silêncio. Daí, se quiser ter real contato; se acha que vale a pena adiciona-me. Abraços.

Ôldi se calou.

A dor de cabeça está terrível. A vontade de que o dia acabe e a noite não termine não se realizam nem após o uso de quatro pílulas para dormir. Duas às duas da tarde e outras mais as dezoito horas.

Ôldi falou:

- Disse precisamos de silêncio. Mas na verdade acho que você necessita de silêncio. Que eu me cale. Não, não estou ofendido. Só estou pensativo. Quero colaborar, quero estar ao lado. Mas se minha presença for agradável, suportável, útil.

O pai se calou para tentar pensar apesar da dor de cabeça.

- Aí, pare e pense! Não faça uma ação irrefletida. E se achar “vale a pena”, contate-me para voltarmos a ter contato no watzap. Caso contrário, fique tranquilo.

- Está falando o quê, homem?!? – O filho riu. “Homem”, não “pai”. – Passe o número.

- O que estou falando? É que tenho notado tantas vezes. Que tenho sido desconfortável, desagradável... Não sei o termo adequado. E meu objetivo não é esse. Se estou sendo pernicioso... – Para diminuir o peso da conversa: Se não conhece a palavra é uma boa chance de buscar no dicionário. – Se estou constrangendo... Então peço desculpas. – A dor de cabeça lhe obriga a pausar a fala por dois ou três segundos. – Mas te amo demais e quem ama questiona. Quem ama busca conversar, apoiar, criticar... E se isso está sendo irritante para você...

Quide apenas ouviu sem nada dizer.

Julho chegou e passou. Ôldi então continuou:

- Quem ama faz comentários, fala, preocupa-se, pensa... Só as pessoas que não amam não estão nem aí. Mas se meu amor está sendo incômodo então o silêncio será a melhor opção. Espero que a gente conversa, porque te quero muito. Mas aí é um decisão sua.

- Que isso! Estou ultimamente dispondo de pouco tempo para as pessoas. Para viver como mochileiro há momentos que tenho que me virar com malabares, mas outros que tenho que trabalhar em bares e restaurantes. Isso gasta muito tempo e energia. Principalmente quando trabalho em ambiente fechado tolerando clientes sem máscaras e grosseiros. – Talvez tenha reparado no silêncio daquele que não chama de pai e continua: Acho que por isso pareço distante... Desprezo no comércio é mato. Pior que nos faros.

- Entendo... Acho. Se eu não tivesse a arte estaria destruído, aniquilado. Estou tão abatido que as dezenas e centenas de páginas que lia por dia mal consigo chegar a dez. – Quide não pergunta o que lhe abate. – Apesar disso estou lendo porque sem essas dez páginas não sobrevivo ao dia. Ler! Ler é o que me fortalece. Escrever é o que me alivia do peso, é o que joga fora o que está me machucando. Como disse, estou sem energia, mas esta leitura e esta escrita elas recarregam o suficiente para que eu aguente o dia. Sem a arte, seja recebendo-a ou produzindo-a, eu já estaria acabado. Então a arte é principalmente minha força para resistir. Mesmo que minha resistência esteja rastejado não como se humilhasse, mas como um bebê a engatinhar fortalecendo os músculos para levantar-se e andar. A mim, pelo menos para mim. Não posso dizer pelos outros. Mas a mim a busca de um psicólogo está me ajudando. Hoje perguntei a Cleber Assis, um psicólogo: “O porquê? Pra que serve a psicanalise? Como ela nos ajuda? Como ela funciona? Talvez ele me responda.

Quide apenas escutava. E os dois se calaram.

Chegou 2021.

- Por que leciono? Para tentar fazer meus alunos serem cidadãos. Não apenas formigas num formigueiro. Seguindo regras, aceitando a sua posição. Quero-os cidadãos. Aqueles que participam, que lutam e não apenas sobrevivem. É uma batalha com baixa possibilidade de vitória. Até porque tenho que ponderar bens as palavras porque sofremos censuras das mais variadas fontes e nas mais diversas formas. Mas leciono para continuar a ter força para viver. E escrevo por motivo semelhante. Se na educação tenho que disfarçar as reflexões na escrita posso tascar na cara as violências que sofremos da sociedade. Apesar de quantas e quantas vezes me xingam, agridem. Afinal é como diz a música “Vida de gado. Povo marcado, povo feliz”. Não quero que as pessoas sejam gado. Por isso ensino e escrevo. Para que sejam cidadãs.

Quide nada disse. Então Ôldi perguntou:

- E você, o que está fazendo para as pessoas serem cidadãs e não formigas?

Quide não respondeu e Ôldi continuou:

- Sou uma cigarra e o destino da cigarra é ser devorado pelas formigas ou berrar até estourar. Em ambos os casos, qual é o resultado que ela produz na floresta? Não me importa a resposta. Berro como uma cigarra. Enquanto berro alguém sempre escuta algo. E talvez, apenas talvez, isso possa fazer alguma diferença na floresta ou ao menos no formigueiro. Com ajuda da educação, da leitura, da escrita, da psicanálise, de meus cães e de alguns amigos a gente quando cai se levanta, sacode a poeira e continua a caminhada.

Olhou o relógio. Cinco e meia da manhã. Encerrou a conversa sem dizer o motivo. E o garoto sem perguntar. Só se despedem. 

No dia onze de fevereiro sua mãe, dona Etienne, fora internada por suspeita de covid. Por ter noventa e um anos necessitava cuidador. O protocolo exigia troca de acompanhante somente após vinte e quatro horas após a entrada. 

O Hospital Municipal de Ipatinga há quartos com espaço para quatro leitos, mas estão com cinco e alguns estão sem a campainha para chamar enfermeiras. Filas de formiga caminham pelos cantos. Apesar não nos enojar, são tão imundos e infeccioso quanto às baratas. Paredes e portas descascadas e lascadas. Assim como ausência de vidros nas janelinhas das portas. Os acessos para os quartos ou dos banheiros estão desnivelados, não fechando. Goteiras em todos ou quase todos os corredores do hospital assim como infiltração em várias paredes. Pias com torneiras quebradas, dificultando fechá-las. Ou pias soltas das paredes. Parte debaixo da descarga amarelo de ferrugem. Ao redor do chuveiro paredes amarelas de, creio, bactérias. Só os funcionários “funcionam”. Fazem o melhor com o que têm.

Alternando com um sobrinho, Ôldi fora nos dias 12, 14 e 16; neste dia ela morreu e o atestado de óbito anunciava morreu por parada cardíaca súbita motivada por “alzáime” agravada por pneumonia, mas a causa principal é o covid.

Dezoito de fevereiro Ôldi começou a sentir os sintomas da doença.

Agora estamos iniciando a segunda semana de março. Quase seguiu o protocolo de isolar-se por quatorze dias, mas os sintomas pioravam. Numa segunda-feira, onze dias após a infecção, foi ao posto de saúde e o mandaram embora porque os médicos se recusavam atender suspeitas de covid. Teimou e voltou na quinta, conseguiu marcar um teste rápido para a próxima quinta, mas lhe disseram: Não há material para testes. Estamos esperando que chegue na próxima terça-feira, na quarta faremos o balanço e se tiver chegado poderemos testá-lo na quinta.

Na quinta-feira a enfermeira não estava no posto de saúde. A Prefeitura decidira de última hora fazer uma capacitação das enfermeiras da rede pública do município e não recebeu notificação nenhuma. Quiseram remarcar para a outra quinta-feira. Ôldi sentiu-se mal então remarcaram para o dia seguinte, as sete horas. Por isso encerrara a conversa com o filho.

Levantou-se da cama, fez café e o tomou com leite. Saiu de casa, quinze minutos depois estava sentindo-se levemente cansado, atravessou todo o Centro, chegou ao bairro Vila Ipanema, atravessou-o por um terço até chegar ao posto. Sentindo-se cansado ficou a esperar a chegada da equipe do posto. Enquanto aguardava ouvia o povo dizer:

- Fui lavado no Sangue de Jesus, por isso sou imune. – E ficou imaginando essa vampiresca cena dos praticantes de religião.

- Olha quanta gente de máscara. Tudo teve covid, pois só burro ou doente usa máscara.

Houve bobagens mais, mas quem ler Rubem Leite já entende a estupidez humana para necessitar de mais exemplos. Há que ter estômago para ler este misantropo que vos fala.

O posto abriu, chegou a enfermeira, preparou a sala, fez o teste rápido. Confirmado! Está com alguma das novas cepas do coronavírus. A enfermeira fez o encaminhamento para o UPA. 

E Ôldi voltou a pé ao Centro. Um determinado momento parou para admirar as flores do campo em um terreno vazio e pensou: Tem mais valia que o presidente, que o governador e que o prefeito. Vale mais que o povo e talvez que qualquer ser humano. Continuou o trajeto, pegou ônibus para o UPA, passou o resto da manhã entre esperando ser atendido e o atendimento. Ao fim recebeu receita para três medicamentos para cinco dias, foi ao posto de saúde mais perto, conseguiu dois dos remédios, estava sem dinheiro para o terceiro, foi ao ponto de ônibus, pegou um que o levasse para casa e, muito cansado, lá chegou a uma da tarde.

Medicou-se, banhou-se, comeu algo, leu um pouco de Câmara Cascudo, dormiu mal. Levantou-se para um novo dia sem saber pra quê.

A pandemia está mais forte que nunca. Nenhum país está aceitando a entrada de brasileiros. E as Secretarias de Educação do Vale do Aço querem aulas presenciais afirmando seguirem normas de segurança sanitária e os fatos provando que não. O Prefeito, o Vice-Prefeito e Secretário da Saúde de Timóteo não sabem que decisão tomar. Mas ordenaram mandar novos casos de volta para casa.

Mas dizer que os prefeitos ou secretários de saúde e educação não sabem o que fazer é tolice. Já estão sendo comunicados há longos meses. Apenas não quiseram agir.

O Governador Zemagogo está em silêncio e os prefeitos do Vale do Aço não falam nada. Até as flores têm mais o que dizer e fazem mais pelo planeta.

Terça-feira Ôldi tomou o último remédio, mas os sintomas persistiam. Na quarta sentiu-se mal. Na quinta chamou o SAMU:

- Nada podemos fazer, senhor. UPA, Hospital Municipal, Márcio Cunha, Unimed, os hospitais de Fabriciano e Timóteo estão superfaturados de pacientes. O senhor terá que curar-se em casa com os remédios que o médico lhe deu.

- Estes... já... acaba...ram...

- Então terá que vir buscar mais no posto de saúde.

- Não... con...si...go.

- Nada podemos fazer senhor. Busque ajuda de algum famil...

Estava demasiado cansado e sem ar para discutir então desliga o telefone. Para caminhar estava ainda mais esgotado. Ficou em casa, deu ração para os cachorros, mas não conseguiu fazer algo para comer; não tinha força, não tinha ar, não tinha apetite. Deitou. Dormiu mal até o dia seguinte.

Na sexta-feira a escola lhe cobrou a presença. Com esforço respondeu:

- Es...tou... mui... to... mal. Por favor..., me aju...dem. – Ele recebe:

- Seu atestado já venceu. Venha trabalhar!

 Foi ao banheiro aliviar-se da diarreia: pura água. Deu ração para os cachorros; não conseguiu preparar nada para comer e voltou a dormir aquele mesmo mal sono.

No sábado se levantou, batendo nas paredes foi ao banheiro aliviar-se; deu ração para os cachorros, encheu até a borda a vasilha de água para os bichinhos e leva a ração para sua cama. Chorou com medo: Que acontecerá com Florbela, Pessoa e Iemanjá? Voltou a dormir sem nada comer.

Domingo não se levantou; o corpo não tinha água para lançar fora; deitado jogou ração para os cães.

A segunda-feira amanheceu com os ganidos dos cães. Os vizinhos se irritaram e gritaram para o professor calar os bichinhos.

Uma usuária de crack abre o portão e entra; chorando os cachorros a levam para o quarto. A mulher chamou o SAMU, que finalmente veio; expulsaram a “viciada”. Arrancaram a roupa do velho professor, enfiaram o corpo pelado num saco preto e o levaram para o cemitério. Aos sem ninguém a Prefeitura já ordenara meter os corpos num caixão de papelão e os jogarem num buraco.

O Senhora da Paz preencheu uma papelada com os documentos encontrados na casa. Não há ninguém para receber o atestado de óbito. Por quê? Saberá abaixo. Sem ninguém para receber o documento enviaram-no para o RH da Prefeitura que chamou outro professor. 

Preocupado Ôldi olha os cachorros que são pegos pelos usuários de crack. Estes cuidam dos animais melhor do que deles mesmos. Aliviado vai-se embora.

Os parentes agradeceram sua morte. A casinha onde morava pertencia aos parentes que a queriam para vendê-la. Não mais terão que expulsá-lo da casinha como planejavam.

Quide nada ficou sabendo. E para quê?

Tantos anos se passaram quando este voltou a cidade. Os parentes cada um num canto obscuro uns aos outros. Ninguém se lembrava de nada. Exceto a usuária que o encontrara ainda vivia e disse o que acontecera. Florbela olhou para Quide, mas não abanou o rabo.

Sete anos; e dois anos antes a ossada tinha sido tirada e misturada numa vala comum.

Se Quide chorou não importa ou alguém se interessa por suas lágrimas? Eu não.

Tem alguma relevância para os mortos o descaso dos governos, a indiferença dos vizinhos, a ganância dos parentes? Estes têm Jesus para gritarem nos cultos. Só os cracudos sentiram sua falta. Talvez algum aluno; – o autor ri mordaz – vá saber.

Nada importa: A sociedade mudara bulhufas.

 

 

Observação:

Como semana atrasada eu estava de luto (ainda estou) não tive condições de comemorar aniversários de quem gosto muito. Abaixo seguem a segunda metade dos aniversariantes da semana atrasada e os da presente semana. Não olhei por “preferência”, pois todos são queridos; segui a data de cada um.

Ofereço como presente:

Gustavo Fernandes, Edson J. Morais, Gineraldo Adão, Tiago Gonçalves, Ramón K. Mendes, Rafael Henrique, Thiago Vaz, Eunice Profeta, Lene Teixeira e Jacomar A. Braulio,

 


Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

Fotos do autor;

Charge tirada do facebook.

 

Escrito entre 13 de dezembro de 2020 e 07 de março de 2021.

domingo, 3 de janeiro de 2021

NÃO APRENDI A VIVER

 

TENTAREI SOBREVIVER A 2021

 

I

 

Confie em mim

Muitos dizem

Não confie nele

Muitos dizem

Todos parecem saber tudo

 

Pareço um bobo

Talvez seja tolo

 

Confie só em mim

Muitos falam

Não confie nos outros

Muitos falam

Não sei quem é o bruto

 

Entre todas as vozes

A perdida é a minha

 

Sim a mim

Muitos sussurram

Não aos demais

Muitos sussurram

Quem escuto

 

Atrocidade da atroz cidade

Onde está minha voz

 

Olho-me pelo espelho

E o que vejo é a cidade

Não me quer gente, mas aparelho.

 

II

 

Qual mais louco

Artista ou professor?

Público ou estudante

Aproveitam sem dar-lhes valor.

 

Artista e professor

Suportam o frustrante

Que é ser valor

Sem ter valor

Na cidade desgastante.

 

III

 

Camila de Oliveira

Escapou de 2021,

E como ser astral

Nos ajudará a não cair

Mas a subir a ladeira.

 

IV

 

Um mundo se definindo

Amanhã talvez venha

Hoje talvez se detenha

Um ir e vir falso infindo.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Josué S. Brito, Raposinhabr Lavy e Jhenifon Ribeiro.

 

Recomendo a leitura de:

A antologia “Versos Ácidos do Vale do Aço”. Pode ser adquirido pelo watzap +5533998034325

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.

É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.

É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.

Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.

Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagem: foto do autor.

 

Escrito em 26 de dezembro de 2020. Trabalhado entre os dias 28 de dezembro de 2020 e 03 de janeiro de 2021.

domingo, 13 de dezembro de 2020

HEI DE SER HEREGE E ANÁTEMA



 

No Parque Ipanema há uma toalha de mesa com bebidas, comidas e livros. Ao seu redor pessoas que os trouxeram.

Benito lê um poema seu:

Duas das palavras mais lindas:

Herege e Anátema.


Uma é a capacidade de escolher

Outra é Levar as mãos para cima

Oferendando algo a Deus.


Quem escolhe entre pedra e diamante

Entre o certo e o errado

O contestável e o duvidoso

É odiado, preso e morto.

Caluniado, difamado e injuriado.


Quem eleva as mãos aos céus

Sem autorização dos “Louva-Deus”

É odiado, preso e morto.

Caluniado, difamado e injuriado.

Este poema dá rumo para o piquenique.

- Alguém me explica o que leva um presidente Cristão a facilitar a venda de armas quando um dos mandamentos é não matarás?

- Leia a Bíblia e entenderá. Todos os Salmos são rogações de pragas: “que seus ossos apodreçam”, “que ele seja julgado por um corrupto”, “mooooorra!”. Davi era um assassino sem dó nem piedade. Deus manda uma ursa matar umas crianças porque riram da careca de um profeta. Deus manda um anjo matar todos os filhos mais velhos no Egito. Deus afoga toda humanidade. Em Atos Deus mata um casal porque não quis pagar o dízimo. Ódio é a essência do cristianismo. Ignorância é o ensinamento cristão. E matar é a sua prática. Não aceitar isso é não crer na Bíblia. Pois tudo isso e muito mais coisas ruins estão lá.

- Não seja um herege! – Nasce uma furiazinha.

- Ainda não sou de todo um herege, mas chegará o dia que distinguirei o joio do trigo, o diamante do cascalho e saberei escolher com quais ficarei.

- Você é anátema. – A furiazinha se torna criança.

- Ainda não sou de todo anátema, mas chegará o dia que elevarei com pureza minhas mãos aos céus oferecendo perfumes. Enquanto esses dia não chega, rogo: Senhor Jesus, afasta de mim tudo que me afasta de Ti. E Ele me responde: “Então joga a Bíblia fora e me dê um abraço, filho”.

- Joga fora quem manipula a Palavra.

- Palavra de quem? – A furiazinha se torna adolescente. – Se não tem medo de criticar e se tem coragem de pensar veja estes exemplos: Matança é o tema em Deuteronômio 02, 30-35. Violência contra a mulher é o ensinamento de Deuteronômio 22, 20-29. Pedofilia é o tema de Números 31, 17s. Terror é o tema de Juízes 03, 20ss. O Sacrifício humano é ensinado em Juízes 11, 29-34 e em Números 31, 25-54. Assassinato de crianças é o tema de Isaías 13, 13-18. A legitimidade da escravidão é o tema de Êxodo 21, 20s. Observe que não importa a morte do escravo, desde que seja no dia seguinte... Portadores de deficiências são rejeitados por Deus; eis o ensinamento em Levítico 21,18ss. A injustiça e rogação de pragas são os principais ensinamentos contidos nos Salmos; perfeito exemplo é o Salmo 108 (ou 109, dependendo da Bíblia). Quanto mais a pessoa ler a Bíblia mais ela se torna ignorante e carregada de ódio nas suas mais variadas formas. E preconceito é o resumo dessa ignorância e ódio.

- Isso são os cristãos deturpando o Ensinamento judeu... – Disse-me um amigo judeu que se encontrava na roda. Nesse momento a furiazinha se torna uma jovem fúria.

- As três religiões crentes no Deus Único – judaísmo, cristianismo e islamismo – são as mais violentas e terroristas do mundo. Deus é a Sabedoria que ilumina, o Amor que somente dá, a Vida vívida e vivificante. Mas nada é mais blasfemo que as afirmações que seus livros sagrados fazem de Deus. O judaísmo visa escravizar todos os povos não judeus. Veja o que disse Campos – para um instante e abre a impressão de uma monografia, procura algo e quando acha lê:

“Moisés sempre lembrava o povo hebreu de que foram escravos no Egito, ressaltando a importância de Deus, que libertou os hebreus em troca de obediência e abundância no futuro (Deuteronômio, 5: 15 e 15:15). A Torah legitima, todavia, a escravização de outros povos, mas nunca a escravização de hebreus, visto que estes são acolhidos na Bíblia como o povo escolhido por Deus para perpetuar as palavras deste na Terra, como consta em Deuteronômio. Além disso, dos filhos dos estrangeiros que se hospedam entre vós, deles comprareis, e de suas famílias que estão com vocês, que geraram em vossa terra: e eles serão vossa propriedade. E deixá-los-ei como herança para vossos filhos depois de vós, para mantê-los como propriedade; deles tereis seus escravos para sempre: mas sobre vossos irmãos, os filhos de Israel, não tereis domínio, um sobre o outro, com severidade’ (Levítico, 25:44-46).”.

- Há outras passagens do Torah proclamando a escravidão de outros povos. Mas essa basta por hoje. Minha origem é cristã católica e muito estudei a Bíblia; pratiquei e estudei o LAVE, mais conhecida como Lar da Vida Eterna. Também estudei medianamente o espiritismo e o budismo, e um pouco da Umbanda e do Candomblé. Olhando a História das Américas percebe-se que suas religiões são muitíssimos violentas. Resumindo: Tendo algum conhecimento dessas religiões só continua frequentando-as quem visa dominar no lugar de amar. Renegam o Deus Conosco, o Emanuel. Não! Não vou mais compactuar com nenhuma igreja.

A fúria agora é adulta.

- Benito, eu respeito a sua dor. Mas o que eu tenho para lhe dizer é que em Setembro de 1996 conheci o LAVE em uma tarde de sábado e duas almas maravilhosas. Uma delas era a sua mãe. Estas duas senhoras encheram o meu coração de luz e esperança e minha alegria voltou. Saí do seminário convicto de que iria estudar os ensinamentos do LAVE. E que o faria chegar ao maior número possível de pessoas. Depois de um tempo conheci a ti, grande Benito. Você e sua mãe esbanjam Luz e Sabedoria. Você foi a minha casa várias vezes, fazer orações, estudar comigo e R. De lá para cá são vinte e cinco anos de caminhada cheios de altos e baixos. Mas eu e R estamos aqui firme nos ensinamentos do LAVE. Volta para o grupo, amigo. Você é muito importante para nós.

- Agradeço pelo convite, mas não. Eu não quero retornar. E vou ser claro no porquê. O LAVE é um fábrica de coxinhas. Coxinha no sentido de quem é boçalnariano. A grosso modo mais de noventa por cento dos integrantes do LAVE são imbecis que só sabem dizer “Luladrão, petê mal, Boçalnato bonzinho” e outras idiotices mais. E não, não estou defendendo Lula ou o partido. Apenas digo que repetem sem conhecimento de causa. A verdade é: toda e qualquer religião, sem exceção, não re-li-ga a Deus; Afasta! O LAVE, no meu ponto de vista, é a que menos afasta o ser humano de Deus. Mas como toda e qualquer religião não é de Deus. Em qualquer crença todos os livros religiosos apregoa: a mulher é inferior. Sendo que todo homem é apenas cinquenta por cento homem, no sentido biológico. Até o terceiro mês de gravidez todo homem é feminino. A partir desse terceiro mês que o testosterona começa a ser produzido e começa a transformar o clitóris em pênis, os ovários em bolsa escrotal, a vagina se fecha e por isso a nossa bolsa escrotal tem uma espécie de cicatriz. Todos os grandes livros religiosos colocam a mulher como ser secundário. Sendo que ela é o primário. Em todos os âmbitos, e não só nas questões da mulher, do gênero, da sexualidade, o que as religiões fazem de seus seguidores? Que as pessoas deveriam ser intelectuais, mas só sabem dizer bobagem. Não têm base, não tem fundamento científico. Só ficam atrás de feiquenius. Não tenho paciência com quem é burro apesar de instruído.

No auge de sua força a fúria faz o grupo se levantar.

Ao mesmo tempo, da toalha de mesa sobre o chão, se escuta uma apaziguadora cantiga. As pessoas olham para baixo e veem os cantores:

Versos Ácidos do Vale do Aço, Um Grito em Cada Poema, O Ickabog, o volume I de Escravidão, Memórias do Cárcere, Grande Sertão: Veredas e outros livros.

As pessoas se sentam, comem e bebem um pouco. Voltam a falar de religião, política, sociedade, saúde, educação e arte. Mas agora sob as óticas de Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Laurentino Gomes, Rowling, Girvany de Morais, Rubem Leite, Amanda, Didiu, Roberta, Paulo, Flávia, Kadosh, Carlos, Diego e Joe. É o intelecto conduzindo, não as crendices.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Marcelo Telo Assis e Guilherme Batista.

 

Campos, Diego de Souza Araujo. Escravidão e Hierarquia na Antiguidade Bíblica. Um estudo sobre a escravidão em suas relações com a hierarquia social: heranças e particularidades da instituição escravocrata. Disponível http://livros01.livrosgratis.com.br/cp059443.pdf . Acesso 13 Dez 2020.

Sobre heresia e anátema:

https://www.dicionarioetimologico.com.br/heresia/

https://origemdapalavra.com.br/palavras/anatema/



Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.

É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.

É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.

Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.

Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens feitas pelo autor.


Escrito entre os dias 28 de agosto e 13 de dezembro de 2020.

domingo, 29 de novembro de 2020

SÓ SE DÁ PRA ALGO AO EXPERIMENTAR A ARTE


“No acaso não acredito

Meu mordomo é Jesus

Pedi a Deus pra ser rico

E o peso do isopor na cruz”.

(Glaussim, Indiferença).

 

Era uma vez um anjo, desses que vivem na luz e nunca vieram à Terra. Até que chegou o grande dia. Mas esta história é mais pro final. Por enquanto falemos de sua experiência celeste.

De princípio não se deu pra ciência, pra filosofia nem para as exatas; não se deu pra nada, nada. Até que experimentou a arte.

 


Sem nenhuma ligação com os parágrafos acima ou abaixo digo que uma noite vestiu-se de ouro. Pôs uma saia de finas correntes e o Belo deu o ar de sua graça.

Gostou do teatro, da dança, do circo e compreendeu a ciência. Gostou da literatura – em prosa e verso – e filosofou. Gostou das pinturas, esculturas, fotografia, cinema e destrinchou a matemática e outras exatas.

Outra vez sem ligação com o que já foi dito ou será – exceto sobre a áurea veste – Vestiu-se outra noite – noite aqui na Terra, pois, como disse no princípio, este anjo só conhecia a luz. – Argenta veste em finas correntes e o Belo fez morada.

E foi na música que se deu pra tudo, tudo. Aprendeu com Bach, Vivaldi, Beethoven, Villa Lobos e veio ao planeta guardar novos músicos.

Conheceu e inspirou, entre tantos outros músicos do Vale do Aço, MG, Adê Araújo, Rubens Ramalho, Cleverton Nunes, Nívea Paula. A cada um destes e outros ajudou a produzir boas obras.

 


Outra vez sem ligação com o que já foi dito ou será – exceto sobre a luz –. Este anjo só descobriu as trevas quando conheceu Wagon Bágri. E este é o ponto central de nossa história.

Wagon é um músico de SP, estado-capital da boçalidade nacional. A princípio nosso anjo dedicou-se arduamente a orientá-lo e logrou alguns sucessos. Bágri experimentou vários grupos até montar um que durou uma década. Fazendo-o ter renome regional.

Infelizmente o rapaz foi interessando-se por drogas e se desinteressando pela arte. O anjo lhe aconselhou muitíssimo, mas Wagon, um cabeça de bagre, não lhe deu ouvidos.

Começou com algumas bem leves, mas foi perdendo a moderação e hoje é traficante e satanista.

Como traficante está envolvido com o crime organizado. Uma das mais temíveis facções: a RCC. Sendo um dos líderes locais da RCC promove guerrilhas contra outras facções; a IURDE é uma delas.

Essas facções sempre a promover mais vítimas e a conduzir o povo – principalmente os jovens, os mais desinstruídos ou ignorantes mesmo – às trevas muitas vezes irretornáveis.

É eleitor, apoiador e promotor de Boçalnato. Sobre isso não se precisa dizer mais nada, pois os fatos já dizem por si: é satanista burrista extremista. Adorador de pato amarelo... Quanta descapacidade.

Ainda quando era um neófito da destruição abandonou um amigo quando soube que ele poderia estar infectado pelo hiv. Mais tarde agrediu membros e comunidades inteiras de LGBTQI+.

Declarou seu amor pela ignorância ao insistir em usar termos corrigidos pelo Ministério da Saúde e pela OMS:

Não mais se diz homossexualismo, mas sim homossexualidade, pois o primeiro sugere fanatismo ou enfermidade e o segundo mostra que é característica do indivíduo. Não se diz aidético, mas portador ou doente de aids. O primeiro estigmatiza e o segundo socializa.

Covid-19 não é gripezinha ou resfriadinho, mas doença grave. O uso de máscara é essencial por ser solidário; mais protege o outro que a si.

- Nûmi importa o que dizem o MS nem a OMS. Meu cébru équi dicidi, ô meuô.

Entre essas e outras ações macabras o anjo não teve outra opção além de deixá-lo. Afinal existe alguma possibilidade do livre arbítrio existir...

O anjo voltou a dedicar-se aos músicos do Vale do Aço, pois estes sabem produzir qualidade.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Professora Iara, Júlia Nathálly, Lorrayne Sancar, Lauriene Pina, Paam Caetano, Patrick Castro, Art Ndf e Kerley H.M. Almeida.


Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.

 É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.

 É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.

 Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.

Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Recomendo a leitura de:

A antologia VERSOS ÁCIDOS DO VALE DO AÇO:

São dez os autores e um deles é este macróbio que vos fala. Para comprar seu exemplar pode procurar-me pelo watzap: 33998034325.


Imagens:

Anjo, por Erika Aviles;

Versos Ácidos, pelo autor.

 

Início da criação madrugada de 01 de agosto. Trabalhado entre os dias 25 e 29 de novembro. Tudo em 2020.