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domingo, 17 de julho de 2022

RATANABÁ


Iria-me embora para Ratanabá

Porque aqui sou inimigo do rei

- um boçal sem igual -

Lá teria quem eu quisesse

Na casa que escolhesse

Mas como não é Brasil

Quem escolheria

Tinha que escolher-me também.

A verdade, porém,

Lá e cá

Reciprocidade é rara.


Em Ratanabá

Teria a felicidade que aqui não há

A existência seria aventura

Mas desventura está nos dois lugares

Quem crê é inconsequente

Paz só tem os dementes.


Em Ratanabá teria tudo

Seria outra civilização

Menos antiga que a Terra

Mais antiga que a humanidade


E quando eu estivesse mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite tivesse

Vontade de me matar

Não me esqueceria

Sou inimigo do rei

- o boçal sem igual -

Tal qual aqui não teria

Quem eu queira

Quem me queira


Ratanabá não existe

Como não existe

Cérebro funcional

Na cabeça do rei:

Messias sem milagre

A zombar de quem não respira

A comemorar CPF cancelado

Principalmente dos bem mais velhos

E cujo filhos

- Todos zero

01, 02, 03, 04

E, para o rei boçal,

A menos que zero

A 05 -

Todos educados

A não se casarem

Com negros

A tirar até o último centímetro

Dos povos originários

A surrar

Os meios 'gayzinhos'


Ratanabá não existe

Tal qual Brasil pra toda gente.



Só me consola

Ter aos meus

Olhos, ouvidos, narinas, língua e pele

A fauna, os livros e a flora.

E não preciso fugir pra Ratanabá.


_____

Rubem Leite

O que sinto e penso não sei a quanto tempo escrevi na manhã de 17/7/2022.

Foto do autor.

domingo, 12 de dezembro de 2021

ARTE E EDUCAÇÃO: LUZ E CALOR

A noite perdura praticamente em todo o planeta, mas no Brasil é mais densa.

O que já foi referência internacional em vacinação tornou-se referência mundial em vacilação, em imbecilidade.

Mas não há treva mais profunda ou mais antiga que resista a luz de um fósforo.

Há quem acende velas. Há quem se torna vela. Há quem acende fogueiras. Há quem se torna fogueira.

Diferente do incêndio governamental, que elimina sem iluminar. Há luzes que aquecem e apontam caminhos.

Ah! Professores nas escolas, na vida e artistas de rua, de palcos, da escrita.

- Têm muitos artistas.

- Não. Tem muitos muchileiros, atores, cantores, pintores, escritores, poetas. Mas só incendeiam ou cobrem as velas e fogueiras.

- Quem são artistas então?

- Quem está continuamente em processo de criação; Julian exemplica essa luz. Quem tem coragem e buscam serenidade diante das adversidades; Andres e Erika são amostras de luz. Quem se senta aos pés dos anjos para ouvir seus ensinamentos ou quem bebe as angélicas palavras; ambos levando-as aos outros; Ronix e Emílio portam essa luz. Os que malabareiam com o fogo dos anjos; eis Faire e Ramon.

Mas não são só esses. Há Júlio, Mori, Alan, Luan, Diney e outros e outros e mais outros.

Talvez este macróbio escrevente e falante possa ser ou ter fogo, ou vela ou fósforo.

O maior Mestre ocidental não aceita mercantilizar o Todo de Tudo porque Este não pode estar acima do povo porque está no meio de nós.

- Está fazendo um texto religioso...

- Não! Falo da resistência aos mentirosos, aos filhos do pai da mentira. Meu assunto com você é sobre arte e educação no sentido real.

Colocaram um gordo boi de ouro em plena penúria; exaltando a injustiça, mas o fogo justo o queimou. E uma luz colocou no mesmo lugar uma vaca magra: é com isso que temos que acabar e não vangloriar as trevas.

- Por quê?

- Jesus foi morto por ser um pobre incômodo. Tiradentes foi morto por ser um pobre incômodo. Che Guevara foi morto por incomodar. Rainha foi morto por incomodar.

Só vivem os acomodados e os "incomodantes".

- E você não teme a morte?

- Não, a morte não. Temo o sofrimento e angústia que a antecede. Mas não sou pedra. Sou um grilo de Quintana e, no mínimo, também um fósforo. Que o exemplo de Dilma seja minha prática.

- Um policial algemou um bandido em sua moto e o arrastou pelas ruas.

- Não! Um policial negro algemou um jovem negro em sua moto e entre risos do povo o fez correr pelas ruas. - Pausa para olhar nos olhos de quem me ler. - Mas artistas e professores iluminam.

- O que já fez além de ensinar Português?

-  Ensinei por este ano:

Meu direito termina quando começa o do outro. Feminismo não é o contrário de machismo; feminismo é igualizacao e valorização humana. Não é pele, idade, tamanho, grau de instrução, sexualidade, gênero etc. que (des)valoriza. Nenhuma religião, crença ou ritual é inferior ou superior; diferentes apenas na aparência. Cobrei com força demasiada a dedicação aos estudos, cumprimento aos deveres e respeito às diversidades.

- E você se surpreende com as pedras que te atiraram?

- Não, não me surpreendo. Só me pergunto se algum dia será diferente, para melhor.


__________

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

A imagem é  uma foto de Emilio (Bigote) Fleitas. É trabalho dele em fogo.

Escrito na manhã de 12 de dezembro de 2021 e pensado nas semanas anteriores.

domingo, 28 de novembro de 2021

UM DIA IREI


 

Duas, quase três horas da tarde nublada e a vista frontal no ponto de ônibus mais próxima da transversal de quem vai para os bairros de Timóteo mistura o belo com o feio. Os fundos do Centro de Economia Informal “Raimundo de Souza Neto Sô Mundico” junto com árvores e matos descendo uma greta; o barulho do trânsito, gente conversando e pássaros cantando.

Depois de observar, pego o livro A Língua de Eulália, de Marcos Bagno e me relaxo com estes versos de João Cabral de Melo Neto:

Catar feijão se limita com escrever:

Joga-se os grãos na água do alguidar

E as palavras na folha do papel;

E depois, joga-se fora o que boiar.

Minha leitura é atravessada pelo barulho humano.

- Ele gritou comigo.

- Osvaldo sempre te xinga?

- Não. Foi a primeira vez. Já discutimos antes, é claro. Mas brigar mesmo foi a primeira vez. E não quero uma segunda...

- Ele te xingou de quê? De vadia, vagabunda, mocreia?...

- Não. De estúpida e grosseira.

- Uai! Então não é Maria da Penha, não.

- Como não? Ele é homem...

- Todo mundo pode xingar. O que não pode é xingamento sexista, machista, racista... Existe xingamento que é só por estar nervoso. Vejamos: Se o Osvaldo chamasse alguém de “criolo, urubu” se vê que é racismo. Se alguém chama outro de algo que não tenha ligação com cor de pele, tamanho do corpo, gênero... é outra coisa.

- Mas...

- Aí vem nosso ônibus. Lá dentro a gente continua.

Olhando a vista a frente, abro minha bolsa e recolho a antologia Identidades, da editora Venas Abiertas. Sinto o que um dos autores escreveu. Tudo o que dizem é identidade; se não minha é de quem tenho paridade. Ai, humanidade que odeia igualdade. Quer a desigualdade no lugar da diversidade. Olha o outro e não se vê.

Às vezes, quantas vezes, o que planto é colhido...

- Você é agricultor? – Pergunta debochado a voz do meu adversário interior.

- Não! Sou escritor, professor.

Querem levar não o melhor de mim, mas a melhor sobre mim. Algumas vezes, como vi em Torto Arado, de Itamar Vieira Junior¹, consigo impedir que me deixem os restos; conservo para os meus os maiores e melhores frutos de meus trabalhos. Ah! Tão frequentemente sinto vontade de deixar tudo apodrecer e perecer por desgosto, por desânimo diante das constantes batalhas que não existiriam se não fossem egos, vaidades, maldades e brigas sem porque, só pra ter. Nem é possuir esse ter; é ter desavença. Mas assim como a terra onde se planta deve ser respeitada, respeito onde germinam minhas ideias e as turmas com quem trabalho. Se os animais pudessem ler o que escrevo, aprender o que ensino seriam eles meus destinatários. Estes merecem meu suor, minhas dores, minhas lágrimas, minhas feridas.

- Desista, Benito! Quantos já te disseram “A meu gosto meu filho se retiraria de suas aulas; não participaria de nenhuma”.

- Não! Respeito a terra onde planto, cuido e colho meus trabalhos. E se há quem não me quer; que me aguente como os aguento. E se há quem me quer, que me aceite como os aceito.

Os leves barulhos a minha volta levantam minha cabeça. É meu ônibus. Guardo apressado os livros para misturar-me ao coletivo.

Mas um dia entrarei num trem, num ônibus, num navio ou num avião só pra ir.

 

 

¹ VIEIRA JUNIOR, Itamar. Torto Arado. São Paulo: Todavia, 2019. P. 152. Tenho dois exemplares e ambos emprestados. O que leio foi a mim temporariamente cedido por Nena de Castro.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens: fotos do autor – os fundos do camelódromo.

 

Manuscrito em 19 de outubro e trabalhado entre os dias 14 a 28 de novembro de 2021.

domingo, 31 de outubro de 2021

AS QUATRO MÃOS DO AUSPICIOSO


Em sua mão superior direita, Shiva segura um tambor de onde sai o som primordial da criação. Ele fez, faz e refaz o mundo, as pessoas e tudo que há.

De manhã vi o sol atravessando vermelho, amarelo e branco as nuvens cinzas. Como será o resto do dia?

Um cachorro de tamanho médio, focinho e patas caramelo e o resto é preto, espera na rua, em frente ao posto de saúde, seu dono sair do consultório. Como lhe será esse dia?

Em sua superior mão esquerda, Shiva carrega o fogo que destrói, mas também ilumina, aquece, coze.

Olho outra vez o céu. O sol continua a atravessar amarelo e branco as nuvens em posições e formas diferentes.

O bailar das duas mãos equilibra o dinamismo, harmonizando a vida. Fazer, desfazer, refazer sempre a evolução. E sua face calma elimina a confusão ao mostrar-nos o transcender da fusão entre esses polos.

O homem sai da médica e o cão o segue sem lamentar a falta de atenção do dono. Ele cuida sem se preocupar com o não retorno frequente de afeto.

Como um bobo – não com um tolo, um imbecil – mas sem buscar vencer com úlcera (no dizer de Clarice Lispector) ele faz. Será que sou bobo como o cachorro ou manipulável e tolo?

Em casa o homem toma seus remédios para continuar a vida, venha como for.

A segunda mão de Shiva diz em seu gesto: não tema, tenha coragem. De sua mão e seus gestos compreendo: Vá e Vença! A divina mão expõe: mantenha-te! Protejo e dou paz.

Do homem passo a uma mulher. Ela se sujeita ao pai de sua filha. Ele, casado com outra, não paga pensão, mas dá dinheiro depois de algumas horas na cama.

Mulher! Não é obrigada, mas não sabe disso e tem medo. Tem o ensinamento entranhado “esse é o papel da mulher”.

Ela se consola na manhã seguinte ao comprar um pouco mais de comida. Seu salário de doméstica da madame do Timirim paga o aluguel e contas, mas não dá conta de uma comida saudável e farta.

E a última mão, a esquerda? Essa aponta o pé erguido. Ah, esse pé e essa mão... Em verdade: ah, esse gesto! É o que nos liberta da ignorância e do apego.

Shiva baila sobre a Ignorância, o verdadeiro demônio.

Música, fogo, coragem e conhecimento é a Dança das partículas atômicas sempre a interagir emitindo e reabsorvendo tais partículas no orgânico e no inorgânico que no dizer de Lavoisier “nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma”.

A mulher vê na casa da patroa o livro Quarto de Despejo no quarto de despejo da madame. Essa “coincidência” desperta sua curiosidade.

A curiosidade vira a música do conhecimento que se faz luz e coragem. Assim se movimenta para dançar a vida.

Hoje encerra o outubro rosa e amanhã começa o novembro azul. Ah! Se tivéssemos governos. Setembro amarelo, outubro rosa, novembro azul. Preciso de psiquiatra e no CAPS não há vaga para esse ano nem devo esperar para o ano que vem. E consulta com psicóloga só daqui a três semanas após o dia da procura. Triste! Nossos governos não ajudam.

Difícil e fácil viver.

 

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Manuscrito e trabalhado entre 04 de outubro e 31 de outubro de 2021. Iniciado no dia de São Francisco de Assis, falando de Shiva e encerrando no dia do Saci.

domingo, 26 de setembro de 2021

OVELHAS DO PASTOR

 


 

Domingo.

A menina acordou, não do sono, mas do desfalecimento.

- Bom dia, ovelhinha do pastor.

 

Quarta-feira.

- Benito, qual é o trecho bíblico onde Deus manda matar todos os homens e meninos e mulheres não virgens; e estuprar as meninas e adolescentes?

- É o que está nos versículos nos versículos treze a dezessete do capítulo trinta e um do livro de Números. E tem tam...

- É, mas tem que observar o período histórico! – Intervém um pastor que se encontrava perto.

Por não estar disposto a prolongar assunto com tanto o que tenho para fazer – desta vez – somente penso:

Sempre fazem isso. Quando é algo incômodo ou fora de seu interesse justificam “período histórico...”, “contexto da época...”, “interpretação de texto...” E quando é para seu interesse afirmam “é a verdade...”, “palavra do Senhor...”, “compreensão do texto...”.

 

Sábado.

- Boa noite, ovelhinha do pastor.

A menina ia para seu desfalecer. Nem sabia o que era falecer, mas já estava morta em vida; já desfalecia em sua vida falecida.

 

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagem: foto de Erika Aviles.

 

Escrito entre 22 e 26 de setembro de 2021.

domingo, 5 de setembro de 2021

PONTO FINAL AINDA NÃO

 

 

 

O que tenho para dizer no primeiro domingo do setembro amarelo? Há tantas falas paralelas...

Nesta semana que se encerrou disseram sobre Boçalnato: corno e gay.

A impressão que tenho é que, na verdade, é uma agressão à ex-esposa (por extensão: mulher). Se fosse ela a traída pouco ou nada ficariam chamando-a de chifruda.

E ser gay não é ofensivo nem engraçado.

Por que gente ruim tem que ser homossexual ou, se for, por que tem que destacar a homossexualidade?

Disseram-me: “Até onde sei, ninguém fala aquele hétero malvado, peste. Então o que gênero ter a ver com caráter? Nada!”.

Prefiro saber que Leonardo Da Vince, João do Rio, Renato Russo, Cássia Eller, Santos Dumont, Alan Turing eram homossexuais. Estes sim são exemplos a serem citados.

O que dizer no atual ponto histórico-geográfico tão conturbado?

- Não se mate!?!

- A vida vale a pena!?!

Não tenho muito a dizer sobre o mês de prevenção ao suicídio num período tão conturbado.

Está tão difícil viver. Mas a verdade é que nunca foi fácil. Nunca houve um período histórico ou ponto geográfico bom para o povo. Se nos matássemos por causa das dificuldades não ficaria ninguém.

Bem, estou aqui.

Manipulável. Querendo ou não somos todos manipuláveis, mas acho que me sobressaio...

Mas, porém, todavia... Aprendendo um pouco mais a cada dia. Fortalecendo-se um pouco mais a cada dia. Não por vontade, mas porque estou aqui.

Mas, porém, todavia... Solidarizando com um e outro. Denunciando um e outro. Unindo-me a um e outro. Por vontade porque estou aqui.

Estou aqui. Um ponto em Timóteo, em Minas Gerais, no Brasil, na América Latina, no mundo, no sistema solar, na galáxia, no universo...

Um ponto que pode vir a ser a semente de uma flor ou a pedra no sapato.

Mas no momento sou um ponto que ainda não é final.

 

 


Rubem Leite

é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

 

Pensando no correr da semana anterior. Escrito no dia 05 de setembro de 2021.

domingo, 18 de julho de 2021

CORAÇÕES

Retrato dos corações:

  

PERIGO!

Este cronto é o último de uma novena a pensar criticamente a Bíblia. Se isso te amedronta pare por aqui. Está avisade. Se continuar será por sua conta e risco. Não me responsabilizo pelo desconforto que sentirá, pois é difícil não ser misantropo quando se tem neurônios funcionais.


Se o marido provar que não se casara com uma virgem, levará a jovem até a porta da casa de seu pai e os homens da cidade a apedrejarão até que morra.

(Deuteronômio 22, 20-21)¹

 

 

Dona Júlia é dona de casa. Estudou até o final do ensino médio e quatro anos depois casou-se com Jorge, de trinta e um anos na ocasião. Agora, aos trinta, tem oito anos de casada.

Está a maquiar-se com atenção redobrada no olho esquerdo. Pelo espelho vê a filha sentada na cama:

- Anjinho! – A mãe fala para a menina de cinco anos. – Fecha as pernas porque moça educada não senta de pernas abertas. Isso, querida. Agora fica quietinha enquanto a mamãe pega o lacinho cor de rosa para minha borboletinha.

- Marquinhos! Comporte-se! Ai, não. Você já sujou a camisa! Meninos são tão irrequietos...

- Mamãe! – Diz a filha, Carolina. – Quero a camisa do Pawer Ranger...

- Não, amor. Não é para você.

- Mas Marquinhos usa!?!

- Isso é roupa de menino. Menininhas usam roupas da Barbie.

Rapidinho terminaram de aprontar-se e saíram para a festinha.

- Mamãe, quero fazer xixi.

- Vai ali, atrás da árvore, Marquinhos.

- Também quero fazer xixi, mamãe.

- Espere um instante querida. Em cinco minutos chegamos na casa de Mariana e lá você poderá fazer xixi.

- Mas o Marquinhos pode...

- Marquinhos é menino.

A festa foi divertida. Os meninos correndo uns atrás do outro, derrubando-se uns aos outros no chão e como era uma casa ainda subiram nas árvores. As meninas correram um pouco, mas disseram as mães, isso não é comportamento de mocinhas e foram para a varanda brincarem de bonecas.

O aniversário de quinze anos de Carolina foi muito bonito. Muitas amigas, muitos rapazes, os amigos dos pais.

Já sei que não será estranho o que virá a seguir.

Para burlar a vigilância dos pais de Carolina, Renato subornou Marcos para não contar que ela beberia pela primeira vez e, claro, às escondidas.

Ao fim da festa Carolina voltou para a casa com o namorado, rapaz cinco anos mais velho e de boa família. E todo mundo sabe qual é o verdadeiro sinônimo de boa família...

No carro disse para a garota deixar a janela aberta que o verdadeiro presente seria uma surpresa que ele daria quando estivessem a sós no quarto de Carolina.

Um belo quarto rosado, com ursinhos, bonecas... Uma frescura.

Na porta da pequena mansão, Renato abriu a porta do carro para Carolina descer e Marcos – sem saber dos planos do... digamos cunhado – ajudou rindo a irmã entrar em casa para os pais não virem que estava bêbada.

No quarto, trancou a porta, abriu a janela, tirou a roupa e deitou para dormir. Ela nem pensava no que viria depois. Embriagada, não entendia que aquela noite não mais seria virgem.

O jovem cidadão de bem pulou o muro, brincou com os cachorros, foi à janela da Carolina, entrou, deu um pouco mais de bebida para a namoradinha que se resguardava pelo medo culturado pela família. Sem camisinha fez o que quis e foi embora.

Nove meses depois nasceu Ana.

Mas antes:

No primeiro mês Renato foi perdendo o interesse pela assustada Carolina: Sexo fora do casamento? Puta!

No terceiro mês ele terminou com a apavorada Carolina.

No quinto mês não tinha mais como esconder a barriga de sua família. Na mesma semana Renato foi para Estados Unidos. Por que será?

O pai comprou um apartamento de dois quartos em outra cidade, bem longe. Para a Vergonha parir e cuidar da criança sem ficar expondo a cria para todo mundo.

Dona Júlia mandava uma mesada para a Vergonha e sua cria não passarem necessidade... Amorosa! Assim se sentia quando ajoelhava para rezar.

Sem ingressar na faculdade, apesar de terminar o ensino médio, Carolina tornou-se vendedora de uma loja. E com a mesada completando o seu salário foi sobrevivendo.

Aninha estava sempre limpa, com boa alimentação, bons materiais escolares na escola pública.

Ana é o nome sem sobrenome paterno e é assim chamada na escola e na vizinhança. Nunca viu nenhum dos avós nem tios.

Em casa, cada fim de mês, quando chegam a mesada e o salário, Carolina paga as contas, faz as compras para o mês, guarda um pouco, quase nada, para isso ou aquilo que venham necessitar, compra alguma bebida e mais ou menos na metade da garrafa muda o nome da filha para Castigo e nos dias seguintes ninguém via os roxos em suas costas.

Ana fez quinze anos com uma festinha sem baile. Também deixou de ser virgem naquela noite. Após uns tapas na cara terminou a gestação e na casa passaram a morar Carolina, Ana e Luiza.

Thiago, sendo pobre, não teve como fugir e pagava a pensão estipulada pela justiça e só via filha contra a vontade.

Dona Júlia, Carolina, Ana e Luiza não foram assassinadas, não morreram, mas estão vivas?

 

 

¹ Violência contra a mulher é o ensinamento de Deuteronômio 22, 20-29.

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Alex Pontes e Sarah Lombello.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Escrito entre os dias 05 de maio e 18 de julho de 2021.

domingo, 9 de maio de 2021

REPARE NO “IGUAL A”… PENSE NO “IGUAL A”…


09 de maio este ano é o Dia das Mães; um dia mãe – e cada mulher – não será só a “rainha do lar”, mas sim soberana da própria vida.

13 de maio é abolição da escravatura; uma data quase bela. Só não chega a tanto porque não houve abolição, mas sim abandono e leis eugênicas.

 

O acesso às escolas públicas foi franqueado à população livre e vacinada. [...] A matrícula em escolas públicas era, porém, expressamente proibida aos escravos.

O suposto geral era que o ensino primário seria suficiente para as camadas pobres. Já o ensino secundário não era obrigatório e, como consequência, acabava restrito a uma parcela seleta da população livre. Tanto o curso secundário como o superior, aqueles que facultavam a entrada para as atividades intelectuais mais prestigiosas e para os cargos públicos, ficavam nas mãos das classes senhoriais, sendo que o restante da população deveria contentar-se com a dedicação aos trabalhos manuais.

Para as garotas que frequentavam o ensino primário, a doutrina cristã, a leitura, a escrita e o cálculo mais elementar pareciam suficientes, juntamente com as aulas de bordado e costura. A formação de meninas visava à vida no lar, doméstica, sendo a pública reservada aos homens. Por isso, os poucos casos que alcançavam o secundário eram geralmente destinados para o magistério feminino.

Libertação era entendida pelos proprietários de escravos e pelo Estado como uma espécie de presente; desses que se “recebem” e que “impõem” a obrigação de demonstrar gratidão e retribuir.

Libertos nascidos no Brasil eram considerados livres, mas não gozavam dos mesmos direitos dos cidadãos nascidos livres.

 

 

Não nasci preto; não me denigre. Minha avó veio da África e aqui outro preto africano lhe fez filhos. Graças à escravidão minha avó foi salva pelo loiro Senhor Jesus que se apiedou dos escuros africanos e os trouxe para limpar suas sujas peles.

Não nasci preto, não me denigre. Minha mãe era preta brasileira e seu senhor lhe fez filhos.

Não nasci preto, não me denigre. Se minha mãe tivesse importância eu seria cria de preta brasileira. O que influi é meu branco pai.

Os ventre-livres são brasileiros sem serem cidadãos, pois são pretos. Mas não nasci preto nem ventre-livre.

Me chamam de macho. Mas se eu fosse macho só serviria para procriar se fosse preto ou ser artesão se fosse ventre-livre. 

Não nasci preto; nasci de branco numa incubadora preta. Nasci de branco sem ter pai; o que tenho é padrinho. Alguns dizem que ele é pai meu e de outros. Mas meu padrinho é branco, portanto é homem direito.

Meu padrinho é senhor que fora criado pela minha avó, praticamente irmão da minha mãe. Não sendo eu preto me fez estudar. Ainda bem que não sou mulher. Nem mulher nem fêmea podem instruir-se. O pouco que mulher aprenderia era para ser boa esposa ou professora de criancinha; mas não todas as criancinhas, só às menininhas. E fêmea serviriam para serem incubadoras e as que conseguiram se limpar de sua pretitude até poderiam ser subprofessoras de outras fêmeas também semipurificadas.

Homem X macho. Meu pai nasceu homem e se nasci parecendo macho provei que sou homem, pois não nasci preto.

Por ter provado que não nasci preto; que nasci homem pude estudar e agora trabalho como escrivão da quarta seção do almoxarifado do Arsenal da Marinha.

Não nasci preto nem sou macho. Posso votar como se fora... Posso votar igual a um homem.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Luã Mérus, Nancy M. Maestri, Camila Mendonça, Pablo Cardoso, Marília Costa e Eraldo Maia.

 

Recomendo a leitura de:

“Lima Barreto: triste visionário” (mais informações abaixo);

“O Verso da Vida”, de António MR Martins:

http://poesia-avulsa.blogspot.com/2021/05/o-verso-da-vida.html

 

SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A professora Amália Augusta. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. P. 31-41.

Citação inicial e cronto inspirado nas páginas acima. Manuscrevi acompanhando minha mãe no hospital; dois dias antes de ser assassinada por Boçalnato e seus cúmplices (seus eleitores) através do covid-19.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens: fotos da capa do livro “Lima Barreto: triste visionário” tiradas pelo autor. E foto do autor tirada pelo próprio.

 

Escrito na ala F, acompanhante de minha mãe no leito 39a, no meio da manhã de 12 de fevereiro; digitado oito dias depois e trabalhado entre 15 de abril e 09 de maio de 2021.

domingo, 2 de maio de 2021

DEGREDADOS FILHOS DE ADÃO

 

PERIGO!

Este cronto é o oitavo de uma novena a pensar criticamente a Bíblia. Se isso te amedronta pare por aqui. Está avisade. Se continuar será por sua conta e risco. Não me responsabilizo pelo desconforto que sentirá, pois é difícil não ser misantropo quando se tem neurônios funcionais.

 

Deus do meu louvor, não te cales: Nomeia contra ele um injusto para que ele saia condenado, perca o emprego, tenha os dias contados, seus filhos fiquem órfãos e sua mulher, viúva. Que seus filhos se tornem mendigos e expulsos até das ruínas. Que ninguém mostre clemência ou compadeça dele nem de seus filhos.

Salmo 108(ou 109)¹.

 

Seis da tarde minha irmã reza a Ave-Maria, o Salve Rainha, o Glória, o Credo, o Pai-Nosso e um trecho do Evangelho. Cada capítulo de sua Bíblia tem subtítulos e segue a sequência: primeiro Mateus; quando acaba, Marcos; depois Lucas e por fim João. E repete o ciclo.

Depois faz um Pai-Nosso e uma Ave-Maria para cada pessoa com quem tem algum bom laço.

Ao chegar a minha vez, entre a primeira e a segunda prece, viu um homem branco, magro, com lisos cabelos loiros ou brancos até o ombro. Não sabe se era jovem, pois a cara estava muito enrugada de ira. No olhar apenas ódio. A boca aberta chiando uma mistura de rosnado com silvado. As mãos dobravam como garras. Essa visão durou segundos. Assustou-se, mas continuou.

Ao contar-me o ocorrido pensei em um sujeito que não vejo há uma década ao menos; que apesar de poucos anos mais novo que eu já tinha fios brancos em seus cabelos pretos, mas cacheados.

Eu o amei, mas não me correspondeu. Contudo soube tirar bons proveitos por uns poucos anos.

A evolução científica não revelou nossos conhecimentos. O que ela nos revelou foi nossas ignorâncias. Já as religiões – e quando digo religião me refiro a tudo que salienta “tenho todas as verdades” e isso inclui, entre outras, o cristianismo, islamismo, capitalismo, socialismo – revela os nossos conhecimentos e ignora nossas ignorâncias.

A uma primeira vista parece que religião é melhor que ciência. Entretanto, se tenho – ou acredito ter – todas as respostas não avanço. E o que não avança regride. Como água parada: apodrece.

A ciência, por revelar a ignorância humana, reconhece não ter todas as respostas. E sabe: que é comprovado hoje pode ser confirmado ou renegado amanhã. Isso porque novos conhecimentos surgem. Desse modo, a ciência não teme refazer experimentos utilizando-se de novas tecnologias nem se envergonha de reconhecer erros. Ao contrário, apresenta as respostas mais acertadas.

Vamos a um exemplo. Imaginemos séculos passados. As pessoas pensavam: se não está na Bíblia é porque é irrelevante. Então como a Bíblia não fala como as aranhas produzem teia ninguém buscaria saber e se procurasse o conhecimento ninguém as aplicaria ou mesmo tentaria conhecer.

E até o uso de “tentaria conhecer” no lugar de simplesmente “conheceria” poucos param para pensar na diferença sutil entre elas. Por que muitos não refletiriam? Porque basta o que está no livro dito sagrado. Veja:

Se simplesmente dissesse “ninguém conheceria” é possível imaginar rapidamente qual o motivo do desconhecimento: medo de punição ou desinteresse? Isso porque a ideia central estar no desconhece. O que te poderia suscitar como primeiro pensamento “por quê?”. Contudo, ao usar “tentaria conhecer” a ideia central fica em tentativa. O que te poderia suscitar como primeiro pensamento “esse conhecimento não importa” e só depois viria a pergunta: por que não importa? E mais tarde poderia surgir a reflexão sobre o que causou o impedimento da busca do conhecimento.

A biologia não se ocupa com normalidade da sexualidade, da moral, da ética. Ela é simplesmente ciência. Não impõe regras de conduta. O ADN conduz os seres vivos de modo inconsciente, natural. A ciência não diz: “Darwin é o biólogo! Galilei é o astrônomo!”.

A religião se preocupa com normalidade da sexualidade, da moral, da ética. Impõe regras de conduta. Dizendo que são naturais cobra falar, homem ter superforça por causa dos cabelos e virgem grávida; mas não dois homens se amarem maritalmente. E nem fala que duas mulheres possam amar-se, pois para ela mulher não tem outra sexualidade que não seja satisfazer ao marido. A religião diz “Cristo é O Ungido! Só Ele é a Salvação. Ou Maomé é O último Profeta! E depois dele nada mais precisará ser revelado.”.

Amei sem correspondência outro homem apesar de saber aproveitar-se de meu sentimento. Talvez não correspondera – e creio ser essa a mais plausível hipótese – por simplesmente não achar valia em mim.

Todavia sei os olhares que eu recebia, os risos que entrevia e os cochichos que eu entreouvia das pessoas na cercania. Mas não era novidade para mim. Hoje percebo o porquê, aos meus sete anos, um tio me dizia para eu mostrar “meu documento” se alguém perguntasse ao adulto que me acompanhava se eu era menino ou menina. Mais tarde, entre onze e quinze anos, meus colegas escolares escancaradamente me olharem, rirem e falarem de maneiras dolorosas.

Recordo de uma conhecida muito querida que conta:

- Quando adolescente acordei sentindo gotas frias no meu corpo. Abri os olhos e vi minha mãe acendendo um fósforo. Era álcool que me molhara. Escapei porque rapidamente me levantei e pulei a janela sobre minha cama. Para ela Jesus me preferia morta que lésbica.

A religião normatiza o que quer; o que seu fundado preconizou e os que vieram depois acrescentaram ou modificaram sem cons-ciência do povo. Duvida?!? Tem coragem de olhar a história das religiões? E da “sua” religião?

A ciência esquematiza o que comprova e reesquematiza sempre que obtém novos dados. Apresenta os fatos. Às pessoas cabem a tentativa de conhecer ou decisão de desconhecer.

 

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

José de Carvalho Neto, André Kondo e Nadja Soares.


¹ A injustiça e rogação de pragas são os principais ensinamentos contidos nos Salmos; perfeito exemplo é o Salmo 108.


Diquinha de português – super- e hífen:

O prefixo latino super- indica a ideia de excesso ou posição superior e só é separado com hífen quando o segundo elemento começa com “-r” ou com “-h” (super-homem, super-resistente). Nos demais casos não se utiliza o hífen (superforça, superaquecido)

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

 

Escrito entre fevereiro e 02 de maio de 2021.

domingo, 14 de março de 2021

FOI COMPRADO A DINHEIRO

 

PERIGO!

Este cronto é o quinto de uma novena a pensar criticamente a Bíblia. Se isso te amedronta pare por aqui. Está avisade. Se continuar será por sua conta e risco. Não me responsabilizo pelo desconforto que sentirá, pois é difícil não ser misantropo quando se tem neurônios funcionais.

 

Se alguém ferir seu escravo ou escrava a pauladas, e o ferido lhe morrer nas mãos, aquele será punido. Se sobreviver um dia ou dois, não será punido, porque foi comprado a dinheiro.

(Êxodo 21, 20-21)¹.

 

Pais e professores de Ipatinga, Fabriciano e Timóteo mais alguns membros do Sindicato dos Servidores Públicos de Timóteo discutem numa reunião onlaine pelo “gúlgu míti”. Os temas são ensino presencial ou ensino remoto e desajuste salarial. Os participantes variam de cinquenta a setenta. Após meia hora de discussão com muitos “Só Jesus na causa”, “Deus tenha piedade”, “Deus nos proteja”, “O pastor disse”, “Deus te conforte”, “Deus tudo pode”, “Só Jesus pra nos salvar” e outras tantas interjeições religiosas e poucas pontuações relevantes, tomo a fala:

- Sob meu telhado o tamborilar da chuva me consola. Sob o alheio telhado a chuva desola. Cada um por si e Deus por todos?

Paro um instante para pensarem “O que isso tem a ver com a reunião” e continuo:

- Na calçada do outro lado da rua, não em frente aonde moro, mas uns quinze ou vinte metros, talvez trinta à esquerda uma lona de três metros de comprimento, um e meio ou menos de largura e “parede” de dois metros de altura. Dentro, o chão de barro foi forrado de estrado e amaciado por tapetes velhos. Caixas de madeira e plástico guardavam roupas e comidas. O curioso é que ao passar por lá eu via uma casa. Sim, casa bem cuidada. A moradora era uma mulher negra heterossexual traficante chinfrim de pedra. Sempre com um facão na cintura.

Uma professora diz: “Deus é conosco”. Após uma pausa retomo a palavra:

- No Caralivro tenho visto postagens referente a um rapaz que chora por ser homem, branco, heterossexual e ter dinheiro. Uma dessas postagens disse que o garoto é cantor ator filho de um cantor ator. Disso constato a presença de classes sociais reais e classes sociais hipotéticas.

Deixo-os refletir o que eu disse. Mas a maioria prefere ter a cara de “num tô intendo nada”.

- Primeira classe: homem, branco, hétero, com dinheiro. Segunda classe: homem, branco, hétero. Terceira classe: homem, branco. Quarta classe: homem. Quinta classe: homem, hétero, negro, com dinheiro. Sexta classe: homem, hétero, negro.

Observo pela tela do meu celular os poucos rostos que posso ver:

- Repare que para as três primeiras classes ser branco é a segunda coisa mais importante e que na quinta e na sexta classe ser hétero é o segundo mais importante fator enquanto ser negro é o terceiro.

Os parágrafos abaixo estão na mesma fala, mas as separo no texto escrito para permitir a quem me ler ter algumas pausas para pensar no que digo.

- Sétima classe: homem, negro; aqui foi ignorado a heterossexualidade, porque isso pertence à segunda classe e a oitava classe seria ser homem, mas isso faz parte da quarta classe. Aí tem um paradoxo ou ao menos uma curiosidade. Ser homem e negro é possibilidade, mas ser negro e homem não tem relevância. Então oitava classe não é possibilidade.

- Mas a nona classe existe: mulher, branca, com dinheiro, heterossexual.

- Veja que para a mulher heterossexualidade é o menos importante porque ainda vigora inconsciente a ideia que mulher não tem sexualidade. Décima classe: mulher, branca, com dinheiro. Décima primeira classe: mulher, branca.

- Se mulher tivesse real importância a décima segunda classe seria essa.

- Ser mulher, com dinheiro, negra, heterossexual quase chega a ser uma classe social se o segundo fator existir. – Pense então como é quando qualquer uma dessas características vai diminuindo.

- Ignoro a causa do lamento do garoto. Se ele inconscientemente vislumbra suas vantagens. Se promove autopropaganda. Se conscientemente reconhece suas vantagens.

- Essa última possibilidade pontuada acima me leva a pensar se continuará a chorar suas vantagens até o último suspiro; se fará algo que remova a consciência de seu pesar; se fará algo para modificar o mundo. Ou se a abafará...

- Você está falando e não está chegando ao ponto.

- Oh! Estou sim. Pensem nelas, por gentileza... Permita-me continuar.

- Sei, sei. Modificar o mundo é impossível. Mas é possível usar suas vantagens para combater as desvantagens. É assim que muito ateus e poucos religiosos dizem e praticam: Temos a obrigação de estender a mão a quem tem fome. O inverso também ocorre. Muitos religiosos e poucos ateus dizem e praticam: Há que multiplicar a comida de quem não tem...

- Já foi amplamente dito por grandes intelectuais e minha insignificância repete “Pessoas desesperadas viram trabalhadores ideais e cidadãos desorientados”. Como?

- Após minha graduação fiquei quase dois anos desempregando; trabalhei por pouco mais de um ano e fiquei desempregado. Em cada um dos dois momentos sem trabalho entreguei centenas de currículos. Minha sorte foi ter sido convocado a efetivar-me como professor em Timóteo devido a um concurso prestado ainda no segundo semestre na universidade. Devo ressaltar que estava quase velho quando me graduei. Faltava poucos anos para sair dos quarenta.

- Hoje, será que isso deixa gente mais velha com esperança? Só se for ingênuo. Tiraram e continuam eliminando os direitos trabalhistas.

- Parabéns por sua posse.

- Obrigado!

- Nós gostamos muito de nossos funcionários. Queremos tão bem que os manteremos aqui até a morte. Vocês nunca se aposentarão.

- Essa é a realidade. Sem previdência social. E a PEC 186 congelou até 2036 os reajustes salariais dos professores, médicos, enfermeiros, policiais e outras categorias.

- Sou advogado. Não fui atingido.

- O senhor escolheu bem a carreira. Advogado não é funcionário público. O presidente ainda não arranjou um meio direto de prejudica-los. – Comecei a fala inicial deste parágrafo com ironia e a fecho com um sorriso debochado. – A PEC 186 congela os reajustes salariais de professores, médicos, enfermeiras, policiais e outras categorias. Mas seu dinheiro vem de nós – professores, médicos, policias etc. – e não teremos como contratar seus serviços. – Dou uma pausa para apreciar a cara do eleitor do Boçalnato. – Também lojistas, engenheiros e outros trabalhadores que igualmente receberiam da gente não poderão contratar seus serviços porque também não poderemos pagá-los. – Falo sério, com irritação, mas em tom frio. – Ao fim estamos todos sendo mortos pelo presidente. Está ocorrendo cortes nos programas sociais e eliminado o SUS para os convênios médicos serem sua única opção; e como ficarão caros.

O advogado eleitor do Boçalnato em silêncio me diz muito com seu olhar irritado. E continuo:

- Veja o auto custo do ensino; lembre-se querem acabar com a escola pública e já as estão sucateando e desmantelando os professores. Tenho a impressão que um filho seu estuda no Tiradentes. Os professores dele trabalham numa escola pública militar. – Tenho asco da estupidez e crueldade dos boçalnariano. – Em Timóteo os professores da rede pública municipal querem trabalhar, mas de modo remoto por causa do covid. A prefeitura parece querer: “trabalhe presencialmente ou então não trabalhe”, pois tem impedido de todas as formas, até judicialmente, o ensino remoto. Em Ipatinga a prefeitura não cumpre o próprio protocolo de proteção ao covid nas escolas. Como prova um documento feito por professoras em diversas escolas e entregues à deputada Beatriz Cerqueira que o apresentou numa reunião ordinária da Câmara, em Belo Horizonte.

Uma mãe diz e a respondo:

- Ensino remoto não é bom.

- O ensino presencial é o ideal, mas não ter aula é pior que aula remota.

- Mas voltemos ao pensamento ficar seis meses sem emprego. No desespero está bom qualquer salário para fazer qualquer coisa em qualquer condição, mesmo que longe de sua família e trocando sua casa própria ou digna por uma tenda na calçada...

Como fiz acima – dar espaços para quem ler o cronto pensar – refaço:

- Com tudo isso como se preocupar com os direitos das minorias se busca emprego? Como se preocupar com os problemas ambientais se tem contas a pagar? Como se preocupar com reforma agrária se precisa alimentar a si e aos filhos? Como pensar nos refugiados se nem comprar remédios pode? E como pensar a longo prazo se seus problemas são para agora?

- A casa da usuária traficante de crack foi queimada e a mulher desaparecida. Não vi como ocorreu. Só os pedaços da lona derretida, o carvão das caixas e a cinza dos tapetes.

- Sei que o marido dela tentou furtar, mas foi pego e disseram que roubou. Preste atenção! Tentou furtar e afirmaram que roubou. Entendeu?

- Na cadeia ele aprendeu com os outros pretos que todo preto tem direito a trabalho, moradia e laser. Trabalhar no tráfico, morar na favela e férias na prisão. Mas seu aprendizado não durou muito. Numa rebelião ele e outros pretos morreram. Os pretos sobreviventes e os brancos foram punidos.

Paro um pouco a reunião para conversar com quem está me lendo:

Mas quem ensinou isso aos pretos? Quem?!? Como combater esse conceito? Digam-me, por favor!

Quem matou Marielle Franco? 14 de março de 2021 se completam três anos que foi assassinada uma militante dos direitos humanos, das mulheres negras e da diversidade. E os brancos que a mataram - isso se sabe - continuam livres, leves e soltos. Ai, como dói o que Rubem Leite diz:

Há tanto peso no coração

Só se sente leve

Quem não dá a mão

Quem ao outro nunca se leve.

Lima Barreto.

Cesare Lombroso! Um médico italiano “comprovou cientificamente” que o formato da cabeça, a posição do redemoinho dos cabelos e a etnia mostram a inteligência e o grau de violência de cada pessoa. Ele foi o estopim para que médicos como Cipriano de Freitas publicasse mesmo sem comprovação científica a depravação física, mental e moral dos negros e mestiços. Souza e Cruz poetizou que o negro está preso entre quatro paredes: a igreja, a ciência, a sociedade e as leis. A igreja que diz que negro não tem alma; a ciência falei acima; a sociedade que os vê como inferiores ou não os vê...; e as leis que vigoravam no século XIX contra eles e que apesar de não mais existirem deixou sequelas.

Sinceramente! Não estou com vontade de voltar à reunião “onláine”, pois minha misantropia deu um grito então desisti, pois sei que não responderão. Isso exige cérebro e boçalnariano, se tem, não o utiliza. Sem me despedi, saí. Sei que voltearão, voltearão e não irão ao cerne da questão. A segunda pergunta deixo para quem me ler, pois se chegou até aqui tem estômago para aguentar tanta amarga acidez e cérebro para pensar.

 

 

 

A legitimidade da escravidão é o tema de Êxodo 21, 20s. Observe que não importa a morte do escravo, desde que seja no dia seguinte...

 

Recomendo a leitura de:

“Lavada Carne Fraca” e “Lockdown”, ambos de Glaussim:

https://www.recantodasletras.com.br/contoscotidianos/7197116

https://www.recantodasletras.com.br/contos/7204825

“O Infindável Museu das Coisas Efêmeras”, de Éder Rodrigues. Pode ser adquirido:

https://www.facebook.com/ederdelrodrigues.literatura/about_contact_and_basic_info

“Instalações Subterrâneas”, Bispo Filho:

http://bispofilho.blogspot.com/2021/03/instalacoes-subterraneas.html

 


Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens:

LOURENÇO, Ana. Nova Proposta de Redação: a persistência do Racismo. Disponível  https://guiadoestudante.abril.com.br/blog/redacao-para-o-enem-e-vestibular/nova-proposta-de-redacao-a-persistencia-do-racismo/ . Acesso 14 Mar 2021.

Capa do livro Lima Barreto: triste visionário, de Lilian Moritz Schwarcz. Foto do autor do cronto.

Foto do autor pelo autor.

 

Escrito entre 05 de fevereiro e 14 de março de 2021.