PERIGO!
Este cronto é o oitavo de uma novena a
pensar criticamente a Bíblia. Se isso te amedronta pare por aqui. Está avisade.
Se continuar será por sua conta e risco. Não me responsabilizo pelo desconforto
que sentirá, pois é difícil não ser misantropo quando se tem neurônios funcionais.
Deus do meu louvor, não te
cales: Nomeia contra ele um injusto para que ele saia condenado, perca o
emprego, tenha os dias contados, seus filhos fiquem órfãos e sua mulher, viúva.
Que seus filhos se tornem mendigos e expulsos até das ruínas. Que ninguém
mostre clemência ou compadeça dele nem de seus filhos.
Salmo 108(ou
109)¹.
Seis da tarde minha irmã reza a Ave-Maria,
o Salve Rainha, o Glória, o Credo, o Pai-Nosso e um trecho do Evangelho. Cada
capítulo de sua Bíblia tem subtítulos e segue a sequência: primeiro Mateus;
quando acaba, Marcos; depois Lucas e por fim João. E repete o ciclo.
Depois faz um Pai-Nosso e uma Ave-Maria para
cada pessoa com quem tem algum bom laço.
Ao chegar a minha vez, entre a primeira e a
segunda prece, viu um homem branco, magro, com lisos cabelos loiros ou brancos
até o ombro. Não sabe se era jovem, pois a cara estava muito enrugada de ira.
No olhar apenas ódio. A boca aberta chiando uma mistura de rosnado com silvado.
As mãos dobravam como garras. Essa visão durou segundos. Assustou-se, mas
continuou.
Ao contar-me o ocorrido pensei em um sujeito
que não vejo há uma década ao menos; que apesar de poucos anos mais novo que eu
já tinha fios brancos em seus cabelos pretos, mas cacheados.
Eu o amei, mas não me correspondeu. Contudo
soube tirar bons proveitos por uns poucos anos.
A evolução científica não revelou nossos
conhecimentos. O que ela nos revelou foi nossas ignorâncias. Já as religiões –
e quando digo religião me refiro a tudo que salienta “tenho todas as verdades”
e isso inclui, entre outras, o cristianismo, islamismo, capitalismo, socialismo
– revela os nossos conhecimentos e ignora nossas ignorâncias.
A uma primeira vista parece que religião é
melhor que ciência. Entretanto, se tenho – ou acredito ter – todas as respostas
não avanço. E o que não avança regride. Como água parada: apodrece.
A ciência, por revelar a ignorância humana,
reconhece não ter todas as respostas. E sabe: que é comprovado hoje pode ser
confirmado ou renegado amanhã. Isso porque novos conhecimentos surgem. Desse modo,
a ciência não teme refazer experimentos utilizando-se de novas tecnologias nem
se envergonha de reconhecer erros. Ao contrário, apresenta as respostas mais
acertadas.
Vamos a um exemplo. Imaginemos séculos
passados. As pessoas pensavam: se não está na Bíblia é porque é irrelevante. Então
como a Bíblia não fala como as aranhas produzem teia ninguém buscaria saber e
se procurasse o conhecimento ninguém as aplicaria ou mesmo tentaria conhecer.
E até o uso de “tentaria conhecer” no lugar
de simplesmente “conheceria” poucos param para pensar na diferença sutil entre
elas. Por que muitos não refletiriam? Porque basta o que está no livro dito
sagrado. Veja:
Se simplesmente dissesse “ninguém
conheceria” é possível imaginar rapidamente qual o motivo do desconhecimento:
medo de punição ou desinteresse? Isso porque a ideia central estar no
desconhece. O que te poderia suscitar como primeiro pensamento “por quê?”. Contudo,
ao usar “tentaria conhecer” a ideia central fica em tentativa. O que te poderia
suscitar como primeiro pensamento “esse conhecimento não importa” e só depois
viria a pergunta: por que não importa? E mais tarde poderia surgir a reflexão
sobre o que causou o impedimento da busca do conhecimento.
A biologia não se ocupa com normalidade da
sexualidade, da moral, da ética. Ela é simplesmente ciência. Não impõe regras
de conduta. O ADN conduz os seres vivos de modo inconsciente, natural. A ciência
não diz: “Darwin é o biólogo! Galilei é o astrônomo!”.
A religião se preocupa com normalidade da
sexualidade, da moral, da ética. Impõe regras de conduta. Dizendo que são naturais
cobra falar, homem ter superforça por causa dos cabelos e virgem grávida; mas
não dois homens se amarem maritalmente. E nem fala que duas mulheres possam
amar-se, pois para ela mulher não tem outra sexualidade que não seja satisfazer
ao marido. A religião diz “Cristo é O Ungido! Só Ele é a Salvação. Ou Maomé é O
último Profeta! E depois dele nada mais precisará ser revelado.”.
Amei sem correspondência outro homem apesar
de saber aproveitar-se de meu sentimento. Talvez não correspondera – e creio
ser essa a mais plausível hipótese – por simplesmente não achar valia em mim.
Todavia sei os olhares que eu recebia, os
risos que entrevia e os cochichos que eu entreouvia das pessoas na cercania. Mas
não era novidade para mim. Hoje percebo o porquê, aos meus sete anos, um tio me
dizia para eu mostrar “meu documento” se alguém perguntasse ao adulto que me
acompanhava se eu era menino ou menina. Mais tarde, entre onze e quinze anos, meus
colegas escolares escancaradamente me olharem, rirem e falarem de maneiras
dolorosas.
Recordo de uma conhecida muito querida que
conta:
- Quando adolescente acordei sentindo gotas
frias no meu corpo. Abri os olhos e vi minha mãe acendendo um fósforo. Era álcool
que me molhara. Escapei porque rapidamente me levantei e pulei a janela sobre
minha cama. Para ela Jesus me preferia morta que lésbica.
A religião normatiza o que quer; o que seu
fundado preconizou e os que vieram depois acrescentaram ou modificaram sem cons-ciência
do povo. Duvida?!? Tem coragem de olhar a história das religiões? E da “sua”
religião?
A ciência esquematiza o que comprova e
reesquematiza sempre que obtém novos dados. Apresenta os fatos. Às pessoas
cabem a tentativa de conhecer ou decisão de desconhecer.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
José de Carvalho Neto, André Kondo e Nadja Soares.
¹ A injustiça e rogação de pragas são os principais ensinamentos contidos nos Salmos; perfeito exemplo é o Salmo 108.
Diquinha de português – super- e hífen:
O prefixo latino super- indica a ideia de excesso ou posição
superior e só é separado com hífen quando o segundo elemento começa com “-r” ou
com “-h” (super-homem, super-resistente). Nos demais casos não se utiliza o
hífen (superforça, superaquecido)
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog
literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e
Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do
Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua
Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos
científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e
Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola,
Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e
“Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro
Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Escrito entre fevereiro e 02 de maio de 2021.
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