domingo, 9 de maio de 2021

REPARE NO “IGUAL A”… PENSE NO “IGUAL A”…


09 de maio este ano é o Dia das Mães; um dia mãe – e cada mulher – não será só a “rainha do lar”, mas sim soberana da própria vida.

13 de maio é abolição da escravatura; uma data quase bela. Só não chega a tanto porque não houve abolição, mas sim abandono e leis eugênicas.

 

O acesso às escolas públicas foi franqueado à população livre e vacinada. [...] A matrícula em escolas públicas era, porém, expressamente proibida aos escravos.

O suposto geral era que o ensino primário seria suficiente para as camadas pobres. Já o ensino secundário não era obrigatório e, como consequência, acabava restrito a uma parcela seleta da população livre. Tanto o curso secundário como o superior, aqueles que facultavam a entrada para as atividades intelectuais mais prestigiosas e para os cargos públicos, ficavam nas mãos das classes senhoriais, sendo que o restante da população deveria contentar-se com a dedicação aos trabalhos manuais.

Para as garotas que frequentavam o ensino primário, a doutrina cristã, a leitura, a escrita e o cálculo mais elementar pareciam suficientes, juntamente com as aulas de bordado e costura. A formação de meninas visava à vida no lar, doméstica, sendo a pública reservada aos homens. Por isso, os poucos casos que alcançavam o secundário eram geralmente destinados para o magistério feminino.

Libertação era entendida pelos proprietários de escravos e pelo Estado como uma espécie de presente; desses que se “recebem” e que “impõem” a obrigação de demonstrar gratidão e retribuir.

Libertos nascidos no Brasil eram considerados livres, mas não gozavam dos mesmos direitos dos cidadãos nascidos livres.

 

 

Não nasci preto; não me denigre. Minha avó veio da África e aqui outro preto africano lhe fez filhos. Graças à escravidão minha avó foi salva pelo loiro Senhor Jesus que se apiedou dos escuros africanos e os trouxe para limpar suas sujas peles.

Não nasci preto, não me denigre. Minha mãe era preta brasileira e seu senhor lhe fez filhos.

Não nasci preto, não me denigre. Se minha mãe tivesse importância eu seria cria de preta brasileira. O que influi é meu branco pai.

Os ventre-livres são brasileiros sem serem cidadãos, pois são pretos. Mas não nasci preto nem ventre-livre.

Me chamam de macho. Mas se eu fosse macho só serviria para procriar se fosse preto ou ser artesão se fosse ventre-livre. 

Não nasci preto; nasci de branco numa incubadora preta. Nasci de branco sem ter pai; o que tenho é padrinho. Alguns dizem que ele é pai meu e de outros. Mas meu padrinho é branco, portanto é homem direito.

Meu padrinho é senhor que fora criado pela minha avó, praticamente irmão da minha mãe. Não sendo eu preto me fez estudar. Ainda bem que não sou mulher. Nem mulher nem fêmea podem instruir-se. O pouco que mulher aprenderia era para ser boa esposa ou professora de criancinha; mas não todas as criancinhas, só às menininhas. E fêmea serviriam para serem incubadoras e as que conseguiram se limpar de sua pretitude até poderiam ser subprofessoras de outras fêmeas também semipurificadas.

Homem X macho. Meu pai nasceu homem e se nasci parecendo macho provei que sou homem, pois não nasci preto.

Por ter provado que não nasci preto; que nasci homem pude estudar e agora trabalho como escrivão da quarta seção do almoxarifado do Arsenal da Marinha.

Não nasci preto nem sou macho. Posso votar como se fora... Posso votar igual a um homem.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Luã Mérus, Nancy M. Maestri, Camila Mendonça, Pablo Cardoso, Marília Costa e Eraldo Maia.

 

Recomendo a leitura de:

“Lima Barreto: triste visionário” (mais informações abaixo);

“O Verso da Vida”, de António MR Martins:

http://poesia-avulsa.blogspot.com/2021/05/o-verso-da-vida.html

 

SCHWARCZ, Lilia Moritiz. A professora Amália Augusta. Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. P. 31-41.

Citação inicial e cronto inspirado nas páginas acima. Manuscrevi acompanhando minha mãe no hospital; dois dias antes de ser assassinada por Boçalnato e seus cúmplices (seus eleitores) através do covid-19.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens: fotos da capa do livro “Lima Barreto: triste visionário” tiradas pelo autor. E foto do autor tirada pelo próprio.

 

Escrito na ala F, acompanhante de minha mãe no leito 39a, no meio da manhã de 12 de fevereiro; digitado oito dias depois e trabalhado entre 15 de abril e 09 de maio de 2021.

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