domingo, 31 de outubro de 2021

AS QUATRO MÃOS DO AUSPICIOSO


Em sua mão superior direita, Shiva segura um tambor de onde sai o som primordial da criação. Ele fez, faz e refaz o mundo, as pessoas e tudo que há.

De manhã vi o sol atravessando vermelho, amarelo e branco as nuvens cinzas. Como será o resto do dia?

Um cachorro de tamanho médio, focinho e patas caramelo e o resto é preto, espera na rua, em frente ao posto de saúde, seu dono sair do consultório. Como lhe será esse dia?

Em sua superior mão esquerda, Shiva carrega o fogo que destrói, mas também ilumina, aquece, coze.

Olho outra vez o céu. O sol continua a atravessar amarelo e branco as nuvens em posições e formas diferentes.

O bailar das duas mãos equilibra o dinamismo, harmonizando a vida. Fazer, desfazer, refazer sempre a evolução. E sua face calma elimina a confusão ao mostrar-nos o transcender da fusão entre esses polos.

O homem sai da médica e o cão o segue sem lamentar a falta de atenção do dono. Ele cuida sem se preocupar com o não retorno frequente de afeto.

Como um bobo – não com um tolo, um imbecil – mas sem buscar vencer com úlcera (no dizer de Clarice Lispector) ele faz. Será que sou bobo como o cachorro ou manipulável e tolo?

Em casa o homem toma seus remédios para continuar a vida, venha como for.

A segunda mão de Shiva diz em seu gesto: não tema, tenha coragem. De sua mão e seus gestos compreendo: Vá e Vença! A divina mão expõe: mantenha-te! Protejo e dou paz.

Do homem passo a uma mulher. Ela se sujeita ao pai de sua filha. Ele, casado com outra, não paga pensão, mas dá dinheiro depois de algumas horas na cama.

Mulher! Não é obrigada, mas não sabe disso e tem medo. Tem o ensinamento entranhado “esse é o papel da mulher”.

Ela se consola na manhã seguinte ao comprar um pouco mais de comida. Seu salário de doméstica da madame do Timirim paga o aluguel e contas, mas não dá conta de uma comida saudável e farta.

E a última mão, a esquerda? Essa aponta o pé erguido. Ah, esse pé e essa mão... Em verdade: ah, esse gesto! É o que nos liberta da ignorância e do apego.

Shiva baila sobre a Ignorância, o verdadeiro demônio.

Música, fogo, coragem e conhecimento é a Dança das partículas atômicas sempre a interagir emitindo e reabsorvendo tais partículas no orgânico e no inorgânico que no dizer de Lavoisier “nada se cria, nada se perde. Tudo se transforma”.

A mulher vê na casa da patroa o livro Quarto de Despejo no quarto de despejo da madame. Essa “coincidência” desperta sua curiosidade.

A curiosidade vira a música do conhecimento que se faz luz e coragem. Assim se movimenta para dançar a vida.

Hoje encerra o outubro rosa e amanhã começa o novembro azul. Ah! Se tivéssemos governos. Setembro amarelo, outubro rosa, novembro azul. Preciso de psiquiatra e no CAPS não há vaga para esse ano nem devo esperar para o ano que vem. E consulta com psicóloga só daqui a três semanas após o dia da procura. Triste! Nossos governos não ajudam.

Difícil e fácil viver.

 

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Manuscrito e trabalhado entre 04 de outubro e 31 de outubro de 2021. Iniciado no dia de São Francisco de Assis, falando de Shiva e encerrando no dia do Saci.

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