sexta-feira, 21 de maio de 2010

SEMELHANTES

Rubem Leite – madrugada de 21-5-10

Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos

Sinésio Bina, Raquel Fraccaroli, Rodrigo Davila, Júnior Pinheiro.


- Bom dia, Cam. Veio me visitar?

Em cima das revistas, na prateleira de baixo, é um dos lugares que ela gosta de se aninhar. Com seu pêlo cor de hábito carmelita ela olha para mim e com seu focinho esbranquiçado me sorri. Não sei... Dizem que o homem é o único animal que sorri, mas para mim têm alguns outros que parecem sorrir... Cam é a que mais gosta de me acompanhar. Ir sempre para onde vou. A única que sempre faz questão de dormir no meu quarto. E a única que parece sorrir sapeca quando lhe chamo a atenção e, quando não me derreto, sua cabecinha miúda (para seu corpo grande) abaixa triste. Enquanto falo tudo isso e antes de terminar minhas palavras Cam sai do ninho improvisado e sobe na minha cama, bem onde ficariam meus pés. Pressiona o lugar onde está e com seu peso médio inexistente de cão-fantasma afofa o local. Seu calorzinho agradável inexistente de cão-fantasma me aquece. Ela se torna invisível. Mas sinto seu olhar amorosamente apaixonado e seu sorriso sapeca para mim.

Ando pelas ruas remoendo certo pseudo agente cultural que grita feito “louca no cio” por não ter nada a dizer e se passando por “engajado”. Tão absorto que nem presto atenção ao caminhão que em alta velocidade passa raspando ao meio fio da esquina onde eu já tinha um pé no asfalto quando algo me puxa para trás.

- O quê?

Assustado, olho para o caminhão que se afasta.

Espantado, olho para quem me puxara e nada vejo. Ouço latido no nada.

Penso um instante que é verdade que mente atribulada atrai tribulações. Relaxo-me então respirando fundo visualizando uma luz dourada me preenchendo e formando uma dourada aura suave como a lua cheia e só então volto a andar, mais tranqüilo dessa vez.

- Mãe! A Cam me ajudou hoje e...

- Isso é coisa do demônio, Benito. Vou chamar o “Pasdre” para exorcizar.

- Pelo amor de Deus, mãe! Tudo é o diabo? Só mesmo a Regressão Antipática Caquética para ficar adorando-o.

- Respeite a Igreja! São essas suas poesias que te fazem blasfemo. Arte é coisa malig...

- Tá, mãe! Obrigado! Vou sair.

- Únfi!

O sol já ia embora, talvez para se recolher no seu sono de beleza... Estamos, eu e você, andando pela Avenida Itália, no bairro Cariru. Ela tem um grande pedaço margeado por uma mata ladeada pelo Rio Doce e com vista para a Zona da Mata. Tem postes que se alimentam de sol durante o dia e à noite iluminam a pista utilizada por pedestres corredores. Reflito sobre minha mãe. Por que ela tanto briga comigo? Será verdade que semelhante atrai semelhante? Acho que sim... Afinal toda vez que me deixo levar pela raiva, e somente nas ocasiões em que me deixo irritar, a pele de minha mão direita começa a coçar, avermelhar e doer aproximadamente uma ou duas horas depois. Então... Minhas reflexões são interrompidas

- Parado aí! É um assalto. – Fala um rapaz. Mais ou menos da minha idade.

- Quê?

- Passa logo o que tem. – Completa o outro jovem. Fala me dando um empurrão.

Um rosnado esganiçado e um grito do primeiro garoto. Ambos olham assustados para a minha surpresa. Agora ouvimos o latido fino da Cam. O rapaz que foi mordido chama o colega pedindo para irem embora

– Tem estranho nele. Ele deve ter parte com Deus ou com o diabo. Simbora.

Sorrindo, volto para a casa. Realmente, “existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.


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