Ofereço ao grande amigo e igualmente bom poeta Thiago Domingues.
Obax anafisa.
Não são ainda
oito da manhã e algumas lojas já começaram sua faina. E até em Ipatinga
pastelaria está se tornando clichê, coisa de chinês. Das cinco existentes no
Centro, três são deles. Também uma costureira de camisa laranja põe linha na
agulha e costura algum fato ouvindo Maria Bethânia cantar Nem Sol Nem Lua. E a
agente da moda, Solange Mª Amorim, passa num longo costume azul de flores
brancas e rosas. Talvez pensando em como contribuir na estética local. Talvez
sem notar Ana* em uma encardida camisa branca brincar com sua massinha de
modelar. Formar um aviãozinho, depois um submarino.
Esqueço-me de
todos pensando que o brasileiro, não importa sua origem nem seu grau de
instrução, está sempre pré-disposto a criar e a se deliciar com tudo que
transmite a sensação de belo, as artes, por exemplo. É o que se percebe na alma
de Álvares de Azevedo que se inspirou na dor de quem se desilude com o amor
assim como no ambiente onde viveu, e é o que se sente na alma do leitor que se
encanta com a organização das palavras. Azevedo parece propor – penso que sem
ele saber o que fazia – uma forma do leitor se catarsear, expurgar o desengano
que o destrói por dentro. Só assim, livre, estará pronto para amar de novo. É
da natureza do brasileiro amar. Amar a natureza, outra pessoa, a pátria. Amar e
encantar. Ser amado e se encantar. “Acordei da ilusão, a sós morrendo \ Sinto
na mocidade as agonias \ Por tua causa desespero e morro... \ Leviana sem dó,
por que mentias? \ ... \ É doce então das folhas no silêncio \ Penetrar o
mistério da floresta \ Ou reclinado à sombra da mangueira \ Um momento dormir,
sonhar um pouco!”¹.
Ana em sua
imunda saia preta brinca com sua massinha de modelar marrom. Faz uma flor e
coelhinho ou talvez um ursinho. E depois faz outra flor. Meus olhos se desviam
para o ipê rosa e branco. Deu vontade de sentar para apreciar. Não podendo,
parei por alguns segundos e me lambuzei em sua beleza. Se é para me lambrecar
que seja nos ipês. Voltei mais tarde com a máquina de Eddi e me delicio com
cinco pessoas que, vendo-me fotografar, pararam para observar o ipê. Outras
três olhando para a árvore ainda conversaram comigo. Agradável.
Ana descalça
brinca sem parar com sua massinha de modelar marrom com preto. Agora faz uma
menina. Em nenhum momento percebeu o olhar fixo e de nojo das pessoas para o
dejeto fedorento que tem nas mãos. Vi ali o que tinha de ver e sigo meu costume
de me direcionar para fatos melhores. Lembro dos versos do meu Thiago-poeta
“Sábias palavras de pés descalços \ saúdam-me timidamente. \ O esquecimento se
foi em pedaços não há mais vida indiferente”² e penso sobre o meu Thiago-amigo:
o que o mantém humano é escrever sobre seu primeiro objetivo na vida, que é
valorizar o rei das emoções: o amor, para aprender com erros e evoluir.
Mas no fim,
interesso-me apenas: O fato do ipê é suas folhas verdes em seu tronco escuro.
Seu costume são suas flores.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço
votos de que encontre nele pedras preciosas.
Imagem: Foto de Rubem
Leite de um ipê rosa com branco na rua Diamantina, Centro Ipatinga MG.
Escrito entre 13 e 19
de setembro de 2012.
* Sobre Ana veja http://www.notaindependente.com.br/2012/08/ana/
¹ AZEVEDO, Álvares de –
Álvares de Azevedo: Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de
Janeiro: Agir, 1984. Trechos dos poemas “Por que mentias?” e “Anima Mea”.
² DOMINGUES, Thiago –
Soneto Encontrado o blogue foi visitado na tarde de 18 de setembro de 2012: http://palavrasegavetas.blogspot.com.br
Um comentário:
Ana não sabia...
Mas a noiva do Ipê estava lá!
Ela não se afasta um só momento da beleza e encantamento do seu noivo...
Aquela Florzinha rosa do Ipê!
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