segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

ALHEIO


Obax anafisa.

Cronto inspirado no conto Bárbara no Inverno, de Milton Hatoum, do livro Aquela Canção: 12 contos para 12 músicas (vários autores) – São Paulo: Publifolha, 2005. Delicioso livro que ganhei de presente de Carlos Glauss. Obrigado!


Sol de início de novembro.
“E me vingar a qualquer preço”. A voz de Zélia Duncan não ultrapassava os ouvidos de Lázaro e Cláudia. Seus cérebros gravaram nas retinas a queda de Bárbara, registraram a calçada manchar-se de vermelho. E só. As fezes saíram com a explosão do impacto, mas lentamente a urina se misturou ao sangue. Não foi nem um pouco a cena bonita de A Morte do Leiteiro, de Drummond. Na rua poucos viram a tragédia, mas muitos farejaram a desgraça e foram se saciar. Na Praça Dona Maria do Dízimo, Veneza II, pássaros variados cantavam ignorando um cocô humano aos pés de uma árvore no meio da praça de pinheiros. Ignoraram até a morta poucos metros adiante. Enquanto o monturinho servia de salão de festas para moscas, nos prédios as janelas foram se abrindo e as casas se esvaziando. Pouco a pouco e passo a passo os urubus foram chegando com seus burburinhos eróticos para o cadáver que sorria sem pensar que tudo partiu dela para o fim de tudo. Zélia ainda cantava “Só pra provar que inda sou tua” quando o casal se afastou da janela. Não as falaram. Pegaram o que precisavam. Foram para a rua. Foram embora.
O sol de meados de novembro ardeu terrível, meus pés pisaram as pedras na terra seca fazendo um barulho que já ouvi em filmes, mas que nunca eu tinha vivido. É tão desconfortante sentir tanto.
Mas o sol de final de novembro quase não apareceu. Nem quando à minha frente uma mulher se agachou diante de dois grandes sacos de salsicha, rasgou um, cheirou e comeu o bastão laranja-acinzentado que tirou. Generosa, ofereceu ao vira-lata que passava. Mas somente as moscas degustaram o seu repasto.


Ofereço como presente de aniversário
Alejandro Vera, Marcelo Vieira, Welington G. Silva, Claudiney de Sá, Lorrayne Carvalho, Regina T. P. Simao, Sergio Lopes e Ana F. R. Santana.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 28 de outubro e 03 de dezembro de 2012.

Nenhum comentário: