Obax anafisa.
Praça
constante num lugar que não existe, do camelódromo ao Banco do Brasil. De
costas para BR uma banca de revista de frente ao canteiro circular. Nele, duas
touceiras de beijo rosa, abundante folhagem arroxeada e esmilinguidas
palmeirinha e boldo. Na lateral direita, vastas palmeira e paineira. Na
esquerda, jovens pau mulato, ipê, oiti e, quase sombreado por eles, o banco
onde se passa boa parte de nossa estória.
- Instalem o
aparelho. Não vou fumar aqui.
Olho para o
homem que parou na minha frente. Vejo o sol no seu rosto atrapalhar a visão. A incompreensão
estampada em minha face lhe faz continuar.
- Sou
viciado, mas preciso do orelhão. Todos precisam dele, né? Então, em troca, não
usarei para outra coisa que não seja comunicação.
- Mas porque
você está me dizendo isso? Não trabalho na Oi.
- Sei lá.
Acho que apenas quero conversar e vim com esse pretexto.
Penso “Escolha
de palavras típicas de quem tem estudo” e continuo só olhando para o sujeito,
que se senta ao meu lado. Apesar das roupas sujas ele não está fedendo, então
não me incomodo.
- Ontem te vi
aqui. Você e uma mulher conversavam. E depois saíram. Anteontem também te vi.
Estava escrevendo algo enquanto olhava para as árvores e um policial te
abordou. Escutei o que ele falou. Perguntou o que você estava manjando. Ele
disse assim, manjando. Estou te chamando de você, mas não sei se posso. Tudo
bem te chamar de você?
- Pode,
prefiro assim.
- Qual é seu
nome? O meu é Rudá.
- Benito.
- “E eu
criança presa em, brinquedos de trapaças \ Quase sem história pra contar \ Você
criança tão liberta me tire dessa peça, \ E assim ter história pra contar”¹.
Sabe quem canta isso?
Como resposta
dou um sorriso, digo “Benito di Paula” e o presenteio conforme ele me
presenteou: “Rudá, Ruda!... \ Tu que secas as chuvas, \ Faz com que os ventos
do oceano \ Desembestem por minha terra \ Pra que as nuvens vão-se embora \ E a
minha marvada brilhe \ Limpinha e firme no céu!...”...
- “Rudá,
Rudá! \ Faz com que amassem \ Todas as águas dos rios \ Pra que tu se banhando
neles \ Possa brincar com o marvado \ Refletido no espelho das águas!...”². – Tomando
minha palavra encerra cantando com leve mudança no texto, mas com um sorriso...
Ficamos
conversando bem tempo ainda. E mesmo no restaurante popular, que ele me convidou
a pagar, o assunto se manteve durante o almoço. E depois também.
- Acho que
Assis escreveu bem, falando da sociedade da época, mesmo sem se comprometer se
reconhecendo mulato. Afinal, o que ele podia fazer? Proclamar sua origem e não
ter suas obras reconhecidas por isso? É como um fumante de maconha se expor e
não ter emprego por isso.
- Curioso
paralelo esse o seu, Rudá. Comparar literatura com drogas.
- Não estou
comparando, mas sim dizendo que a sociedade ver com maus olhos quem ela
proclama diferente ou errado.
- É! Tem sua
lógica. Afinal, ela permite o uso de cigarros, cerveja, jogos lotéricos, mas
impede aquilo que ela não consegue usurpar imposto de renda.
Almoçados,
voltamos à praça, sentamos no banco, continuamos a conversar até o vento balançar
nossos cabelos e nos silenciar. Boa parte da tarde passou assim, nós dois
sentados lado a lado, em silêncio olhando o canteiro.
Pela noite
saímos juntos.
Ofereço aos
aniversariantes
Haras Silveira, William
Salgado, Laudemir Silva.
E ofereço aos meus 77
seguidores aqui no aRTISTA e aRTEIRO.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito
entre 10 e 22 de outubro de 2012.
¹ PAULA,
Benito di – Amigo do Sol, Amigo da Lua – http://www.cifraclub.com.br/benito-di-paula/amigo-do-sol-amigo-da-lua-19754/
²
ANDRADE, Mário de – Macunaíma – 30ª edição – Belo Horizonte: Villa Rica
Editoras Reunidas Ltda., 1997 – capítulo Boiúna Luna.
Um comentário:
Encontrar significados naquilo que aos olhos comuns parece insignificante... UM OLHAR POÉTICO SOBRE A VIDA!!!
Postar um comentário