segunda-feira, 22 de outubro de 2012

SILÊNCIO NO VENTO


Obax anafisa.


Praça constante num lugar que não existe, do camelódromo ao Banco do Brasil. De costas para BR uma banca de revista de frente ao canteiro circular. Nele, duas touceiras de beijo rosa, abundante folhagem arroxeada e esmilinguidas palmeirinha e boldo. Na lateral direita, vastas palmeira e paineira. Na esquerda, jovens pau mulato, ipê, oiti e, quase sombreado por eles, o banco onde se passa boa parte de nossa estória.
- Instalem o aparelho. Não vou fumar aqui.
Olho para o homem que parou na minha frente. Vejo o sol no seu rosto atrapalhar a visão. A incompreensão estampada em minha face lhe faz continuar.
- Sou viciado, mas preciso do orelhão. Todos precisam dele, né? Então, em troca, não usarei para outra coisa que não seja comunicação.
- Mas porque você está me dizendo isso? Não trabalho na Oi.
- Sei lá. Acho que apenas quero conversar e vim com esse pretexto.
Penso “Escolha de palavras típicas de quem tem estudo” e continuo só olhando para o sujeito, que se senta ao meu lado. Apesar das roupas sujas ele não está fedendo, então não me incomodo.
- Ontem te vi aqui. Você e uma mulher conversavam. E depois saíram. Anteontem também te vi. Estava escrevendo algo enquanto olhava para as árvores e um policial te abordou. Escutei o que ele falou. Perguntou o que você estava manjando. Ele disse assim, manjando. Estou te chamando de você, mas não sei se posso. Tudo bem te chamar de você?
- Pode, prefiro assim.
- Qual é seu nome? O meu é Rudá.
- Benito.
- “E eu criança presa em, brinquedos de trapaças \ Quase sem história pra contar \ Você criança tão liberta me tire dessa peça, \ E assim ter história pra contar”¹. Sabe quem canta isso?
Como resposta dou um sorriso, digo “Benito di Paula” e o presenteio conforme ele me presenteou: “Rudá, Ruda!... \ Tu que secas as chuvas, \ Faz com que os ventos do oceano \ Desembestem por minha terra \ Pra que as nuvens vão-se embora \ E a minha marvada brilhe \ Limpinha e firme no céu!...”...
- “Rudá, Rudá! \ Faz com que amassem \ Todas as águas dos rios \ Pra que tu se banhando neles \ Possa brincar com o marvado \ Refletido no espelho das águas!...”². – Tomando minha palavra encerra cantando com leve mudança no texto, mas com um sorriso...
Ficamos conversando bem tempo ainda. E mesmo no restaurante popular, que ele me convidou a pagar, o assunto se manteve durante o almoço. E depois também.
- Acho que Assis escreveu bem, falando da sociedade da época, mesmo sem se comprometer se reconhecendo mulato. Afinal, o que ele podia fazer? Proclamar sua origem e não ter suas obras reconhecidas por isso? É como um fumante de maconha se expor e não ter emprego por isso.
- Curioso paralelo esse o seu, Rudá. Comparar literatura com drogas.
- Não estou comparando, mas sim dizendo que a sociedade ver com maus olhos quem ela proclama diferente ou errado.
- É! Tem sua lógica. Afinal, ela permite o uso de cigarros, cerveja, jogos lotéricos, mas impede aquilo que ela não consegue usurpar imposto de renda.
Almoçados, voltamos à praça, sentamos no banco, continuamos a conversar até o vento balançar nossos cabelos e nos silenciar. Boa parte da tarde passou assim, nós dois sentados lado a lado, em silêncio olhando o canteiro.
Pela noite saímos juntos.



Ofereço aos aniversariantes
Haras Silveira, William Salgado, Laudemir Silva.
E ofereço aos meus 77 seguidores aqui no aRTISTA e aRTEIRO.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 10 e 22 de outubro de 2012.

¹ PAULA, Benito di – Amigo do Sol, Amigo da Lua – http://www.cifraclub.com.br/benito-di-paula/amigo-do-sol-amigo-da-lua-19754/
² ANDRADE, Mário de – Macunaíma – 30ª edição – Belo Horizonte: Villa Rica Editoras Reunidas Ltda., 1997 – capítulo Boiúna Luna.

Um comentário:

Flávia Frazão disse...

Encontrar significados naquilo que aos olhos comuns parece insignificante... UM OLHAR POÉTICO SOBRE A VIDA!!!