terça-feira, 18 de agosto de 2009

LÚCIO

Rubem Leite – 17-18\8\09


Caminhava pela Av. João Valentim Pascoal com ajuda de minha bengala. O trânsito estava especialmente intenso e como sempre os odores estão variados. Perfume, sovaco suado, churrasquinho, cocô, salgadinhos, gás carbônico, xixi, outro perfume, esgoto. – Huuum! Pelo cheiro e pela voz... deve ser uma mulher bem gostosa! – É muito interessante sentir na pele como uma chuva seca o pó férreo que sai das chaminés. Pessoas falando, gritando, música sertaneja, fanque, roque nacional, roque estrangeiro. Percebi a poucos metros o sinal fechando. Sei porque o barulho dos carros mudou de direção. Paro. Alguém continua a caminhar. Ia por o pé no asfalto. Pelo cheiro do suor deve ser homem. Não é fedorento. É que homem tem mais suor que mulher. Levanto o braço esquerdo parando-o pelo peito.

– Quê? – É só o que diz para finalmente perceber o trânsito.

– Mais atenção, cara. Digo sorrindo.

– Não vi o trânsito. Fala o carinha com uma voz grave, levemente desafinada.

– Nem eu. Respondo sorrindo ainda mais.

– Ah! Você é...

– Cego? Sim! Interrompo-o. Para onde vai?

– Para a rodoviária. Responde. E você?

– Para o Veneza.

– Sou Luís e você?

– O sinal abriu. Vou indo. Vai ficar? Falei enquanto comecei a atravessar.

– Não! Parece que ele dá um passo grande e desajeitado. Como disse, estou indo para a rodoviária.

– Comprar passagem ou receber alguém?

– Como sabe que não vou viajar. Pelo tom da voz ele estava sorrindo.

– Ao tocá-lo não percebi nenhuma mala ou mochila de viagem.

– Tá. É verdade. Vou comprar.

– Chegamos à rodoviária. Aqui eu entro na Belo Horizonte para ir para o Veneza. Tiau.

– Espere. Você não me disse seu nome. Você me salvou a vida e com isso nos tornamos amigos.

– Amigos? É provável. Com o tempo, talvez.

– Mas só poderemos ter certeza se a gente se ver mais vezes... Ai! Desculpa.

– Rarrá. Não se preocupe. Isso é só uma expressão. Não nos incomoda. E você parece gente boa. Eu sou Lúcio. Tem acesso fácil à internete?

– Sim.

– Então acesse http...

– Espere! Deixa eu pegar papel e caneta para anotar. Um momento. Anda papeeel. Pronto. Peguei! Pode falar

http://artedoartista.blogspot.com e você irá achar meu email, se quiser, falar comigo. Tiau.

– Até logo.

Deixo-o. Ao redor um trânsito menos intenso, com cheiros variados, o pó ainda caindo. Pessoas falando, gritando e músicas. Interessante! – pensei – Deixei de perceber tudo isso enquanto caminhava com Luís.

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