terça-feira, 20 de setembro de 2011

EU SOU EU, MÃE

Obax anafisa.


- Eu sou eu, mãe.

- Não! Respeite o nome de seu pai.

- Eu sou eu, mãe.

- Seja o que dizemos ter que ser.

- Eu sou eu, mãe.

- Então não seja você.

- Eu sou eu, mãe.

- Então eu lhe peço, seja você longe de mim.

Hugo é obediente e aos vinte anos ele foi ser longe de casa.

Ainda sem nome conheceu Carlão que batia muito, pegava todo o dinheiro conseguido e o gastava com roupas e mulheres. Mas teve um lado bom, o Carlão. Foi ele que lhe deu o nome Macabéia. Não que alguma vez na vida Carlão tivesse lido Clarice. Mas uma mulher que ele pegou numa noite lhe falou do livro e como o som o agradou decretou a morte de Hugo e o nascimento de Macabéia dizendo:

- Você é meretriz, Hugo, filho de ninguém que o queira. Por isso eu lhe digo: Você é Macabéia, e sobre o suor dos machos que atender eu comerei o meu pão, comprarei meu linho e sairei com as mulheres que quiser.

Macabéia é obediente e aos vinte anos apaixonada se sujeitou. Até os vinte e dois viveu vinte anos e cansou.

- Você é nada, Carlão, filho sem pai. Mas não por isso eu lhe digo: Você é ninguém e sobre o meu suor não mais terá seu pão nem seu linho. Porque mulher, sou eu.

Fazendo o que sabe viveu mais trinta anos: costurando roupas e figurinos para as amigas: colegas de classe, irmãs da vida. E noite sim, noite não ia sem falta à Boite Boi, de sua amiga Sulidade. Lá conheceu Geraldo. Noite sim, noite não iam, Geraldo e Macabéia, para a casa de Zevaristo. Bom homem que acolhera Geraldo, o amigo desvalido de seu filho, que morreu sem encontrar o pai¹.

A casa dos dois era simples. Com o gosto de Macabéia e a praticidade de Geraldo. Uma sala separada da cozinha por uma cortina de bambu e pedras cristal e turmalina preta, um quarto para os dois e outro de costura. O banheiro sempre limpo e um quintal tão sem tamanho, mas tão querido para ver o sol nascer que era raro perdê-lo. E quanto amor. Quem me dera encontrar alguém assim. Na pouca terra disponível, alecrim, alfavaca, boldo, hortelã, manjericão, salsinha, cebolinha e mais nada cabia além da rosa branca que fica na frente com a arruda, o comigo-ninguém-pode e a guiné. Tomavam o café olhando o sol que os via se olhando. Geraldo se levantava da muretinha, deixava o copo no tanque e se ia com um beijo para uma nova casa construir. Macabéia ficava limpando o lar e para cuidar das plantinhas, costurar, cozinhar, esperar o marido, lavar as vasilhas, costurar, fazer o jantar, ler alguma coisa de Clarice. Não lia mais nada, mas sabia praticamente de cor tudo que ela escreveu. Às vezes pensava “eu sou mais Lóri, mas até gosto da Macabéia”. Com o marido jantava e iam duas noites para a Boite Boi, duas para casa de Zevaristo, duas ficavam em casa se curtindo e uma para a igreja que os acolheu, o Candomblé. Às vezes variavam, para não virar rotina. Mas quase sempre eram assim suas noites.

Aos quase cinquenta e três morreu.

Geraldo foi à casa de Mariana, mãe de Hugo, que não foi ao enterro de Macabéia. Mas não tem problema. Sulidade foi e foram Zevaristo, Tônia Mimi, Thiago Brutt, Lúcia Luz del Fuego, Gênia Coutt, Silaseth Milk, Maxwellen Nunes, Raphaela Paixão, André Bucciarelli, Tia Gô, Léti Duns, Bruna Begê e todas as suas amigas da noite e de costura.

Foi velório e foi enterro, mas não foram feios nem tristes. Foram bonitos e alegres, mesmo com lágrimas saudosas.


Escrita entre 22 de junho e vinte de setembro de 2011.

Ofereço como presente de aniversário ao Antônio Ademir.

E como presente para meus seguidores aqui no aRTISTA e aRTEIRO:

Thiago, Lúcia, Efigênia Coutinho, Silas Leite, Maxwell Antunes,

Raphael Amoroso, Ana Bucciarelli, Tiago Costa e Letícia, Bruno Grossi.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto e a ilustração são nossas flores para você

e fazemos votos de que encontre neles pedras preciosas.

¹ Para entender o parágrafo, ver o cronto A Vida É Frô, na coluna CRONISTA DE 5ª, em www.notaindependente.com.br

Um comentário:

Clóvis Marcelo disse...

Muito bom. Mesmo em histórias curtas como essa, consigo viajar e me envolver na vida dos personagens.