segunda-feira, 27 de agosto de 2012

ALVARINA(S)


Obax anafisa.



Tal qual donzela de Álvares de Azevedo estava encolhida sobre a grama, debaixo de uma dama da noite, protegida por um lençol branco, sujo, florido, sob o manto negro que escorre pelo sumo da laranja que desponta.
Assim é a nossa protagonista. Mas ela não é uma, é muitas. Muita gente será descrita através de nossa donzela azevediana; algumas mais claramente. Mas não acredito que ela seja donzela e por não saber seu nome vamos chamá-la de Alvarina.
- Bebê! Que Deus abençoe seu dia. – Acordada pela Piaf, a cadelinha de rua que estou cuidando em parceria com Aparecida, minha vizinha, e com Marcony (já falei dele no cronto Travestido, aqui no blogue. Se não leu, aproveite a dica. Se leu, recomendo que volte lá para pegar mais informações sobre o trabalho maravilhoso do cara). Alvarina me diz e acrescenta: depois vonassua casa tomá café.
De uma das pessoas representadas aqui por Alvarina já falei no cronto Anjinho da Clarineta, também publicado no aRTISTA e aRTEIRO (abril 2012). É ela que tem um escravo. Chocou-se, ficou curioso? Pois é! Vá lá dar uma lidinha.
- Viu como a rua está, Benito? Viu como ficou?
- Realmente, Aparecida! Quinta você varreu tudo, de uma esquina à outra, e já está imunda de novo.
- Foram as Alvarina!
Rindo para não chorarmos:
- As nossas vizinhas. As moradoras “da” rua.
- As inquilinas.
Mas a vida, assim como o dia, não pára. E pela manhã fui ao GASP¹ para o Dia V. De lá terei que ir ao bairro Nova Esperança trabalhar. Fui! Foi uma manhã boa. Ninguém comigo, mas até que não é de todo ruim. As crianças queriam que queriam que eu lhes desse preservativo. Não entreguei. Outras crianças, as menores, muito me ajudaram a organizar os “quites”. E expliquei dst’s para algumas meninas que riam de qualquer coisa e enquanto respondia a pergunta de uma, outra perguntava. Nesse momento, vi mais tarde, os garotos maiores afanaram uma caixa, distribuíram uns para os outros e fizeram balões. Ais meus sais. Uarrarrá!
Para mim, um Pastor pregou “Camisinha é do diabo”; pregou “Viado é o diabo”; pregou “O ‘homossexualismo’ é doença”; pregou “As ‘doença venera’ – venera? – são castigos de Deus”. Só lhe dei meu olhar de tédio e refleti: Esse Pastor prega Jesus na Cruz com seus ódios e orgulho; ele “venera” por onde passa.
De volta ao lar.
- Nossa! Que monte de gente suja é essa na rua?
Perguntou-me a motorista que me levou e trouxe.
- São as Alvarina!
- É Morte e vida Alvarina².
- Suas vidas são Memórias do Cárcere em corpos de Vidas Secas².
- É triste! Muito triste.
Entro para casa e almoço.



Ofereço aos aniversariantes
Mª Amélia Oliveira, Hildete Teixeira, Luana Rodrigues, Michel Ferrabbiamo, Luís F. Rezende e à Escola de Música Tom.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 22 e 27 de agosto de 2012.

¹ GASP ó Grupo de Apoio aos SoroPositivos – 31-3822-4565.
Dia V ó Dia do Voluntário.
² Autores das obras: João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina) e Graciliano Ramos (Memórias do Cárcere e Vidas Secas).

Um comentário:

Anônimo disse...

Obrigada pelo carinho, Rubem. Sinto-me lisonjeada por receber este presente seu. Amei o texto. Grande abraço.
Maria Amélia