terça-feira, 30 de maio de 2017

AMARO LANARI – CATARTÍDEOS

 

A noite estava fria quando Adão, cidadão angolano, chegou ao Vale do Aço. E após alguns meses conseguiu trabalho de professor de português. Já estava no Brasil a mais de dois anos e conseguira documentação para lecionar.
A manhã já estava no seu fim e a Escola Estadual Raulino Cotta Pacheco, com as paredes de sua frente em vermelho e... que cor é aquela? Bem, tanto faz. E suas paredes internas em dois tons de verde enfrentava o fim dos dias do professor de português.
Primeira semana de aula e um caderno sujo de... de... uma “pasta” marrom, pegajosa, mal cheirosa... Outros tão ensebados que suas páginas grudavam nas mãos.
- Vocês têm até a próxima segunda-feira para trazerem seus cadernos e livros encapados.
- E se a gente não trazer, professô? – Desafia um.
- Perderá pontos aquele que não tiver cuidado com seus materiais.
“Absurdo... Quê isso?... Como pode?...” Disseram.
- Agora vamos estudar os verbos. – Silencia a turma. – Estrutura dos verbos: radical, vogal temática, tema, desinência modo-temporal e desinência número-pessoa. Hoje falaremos das três primeiras.
Burburinho na sala.
- Andem, que vou ditar...
“Espera, professô!”; “Ai, dita não.”
- Vocês estão demorando. Já estou em sala tem muito tempo e até agora não abriram os matérias; ficaram só conversando.
“Espera, professô!”; “Ai, dita não.”
- Radical é a parte que mostra o significado básico, essencial dos verbos. – Fala mais duas vezes. Quais são as cinco vogais?
“A, e, i, o, u”. – Respondem alguns.
- É isso aí. As vogais temáticas são ainda mais fáceis porque são apenas três. Qual é a primeira vogal?
“A”, responderam.
- E a segunda? “E”, responderam. E a terceira? “I”, responderam. Pois bem, as vogais temáticas são apenas estas três; as outras não interessam. E são elas que indicam qual é a conjugação que o verbo pertence. Então recapitulando. Radical é a parte do verbo que transmite a ideia principal e vogal temática é a parte que identifica a qual das três conjugações o verbo pertence. E para finalizar vejamos o que seja tema. Tema é a união da vogal temática mais o radical e ao acrescentar a letra “R” forma-se o infinitivo. Sabem o motivo de ter o nome de infinitivo? É porque vem de infinito, ou seja, o verbo poderá mudar para várias finalizações. E sabem o que é infinitivo?
- Não!
- É o nome do verbo. Por exemplo: Eu amei? Que verbo é esse?
- É o verbo amar!
- Exato. O nome do verbo conjugado “amei” é “amar”. Ou seja, infinitivo é o nome do verbo. Qual é o nome do verbo conjugado ‘dormi’; “eu dormi”?
- É... É dormir! – Arriscam alguns.
- Certo. Qual é o infinitivo do verbo conjugado “dormi”?
- É... É dormir?
- Sim, isso mesmo. Então o nome do verbo é o infinitivo. Então verbos terminados em “ar” são os verbos de primeira conjugação. Afinal, a primeira letra é “a”. a segunda vogal é “e” e qual é a terceira vogal?
- I! – Responderam.
- Então a segunda conjugação termina com que letra?
Ficaram em dúvida; por isso o professor pergunta: Qual é a segunda vogal?
- E!
- Então qual é a segunda conjugação? Lembrem-se de colocar o “r”...
- Er?
- Exato! E a terceira?
- Ir!
- Exemplos de verbo de primeira conjugação?
- Amar! – Disse uma aluna.
- E de segunda e de terceira...
- Correr... Fugir... – Respectivamente responderam a mesma aluna e uma outra.
- Fácil, não é? A língua portuguesa não é difícil. O que ela tem são regras. Basta estudá-las que aprendemos direitinho.
Contudo, apesar da boa aula, foi uma semana de pais reclamando do professor pela exigência de cuidados com o material.
E na outra semana percebia-se sujeira nas salas pelo descuido dos alunos.
- Que imundície é esta? A partir de agora, quero a sala limpa.
- Não somos obrigados a limpar a sala?
- A limpar, não. Mas a não sujar, sim.
- E se não fizermos?
- Perderão pontos.
“Absurdo... Quê isso?... Como pode?...” Disseram.
- Agora vamos estudar os verbos. – Silencia a turma. – Estrutura dos verbos. Semana passada nós estudamos o radical, a vogal temática e o tema. Hoje concluiremos o que começamos.
Burburinho na sala.
- Andem, que vou explicar...
“Espera, professô!”; “Ai, não.”
- Vocês estão demorando. Já estou em sala tem muito tempo e até agora não abriram os matérias; ficaram só conversando.
“Espera, professô!”; “Ai, não.”
- Primeiro vamos recapitular o que estudamos. Prestem atenção. Radical é o que contém as informações principais do verbo. Vogais temáticas são as três primeiras vogais e elas definem a qual conjugação pertence o verbo; se primeira, segunda ou terceira. Infinitivo é o...
Não souberam responder. E o professor relembra: Infinitivo é o nome do...
- Do verbo! – Concluem três alunos.
- Bom, bom. É isso aí. Vamos para frente agora. Para saber qual é o radical de um verbo basta separar a vogal temática do que vem antes. Tudo que vier antes é radical. Exemplo: no verbo “viajar”, qual é a vogal temática?
- A.
- E o que vem antes da vogal temática?
- J.
- Quase. É tudo que vem antes da vogal temática...
- Viaj...
- Certíssimo.
Fez o mesmo questionamento sobre outros verbos: correr, sorrir, cantar... Inclusive de verbos conjugados: mordíamos, fujamos, sonhei... Explicando que se ficar em dúvida é só escrever o infinitivo e separar da vogal temática para saber: Mord+er; Fug+ir; sonh+ar.
Contudo, apesar da boa aula, foi outra semana de pais reclamando do professor pela exigência de higiene. E nas semanas posteriores era perceptível os alunos amotinando-se e sabotando suas aulas; fazendo-o perder a cabeça, irritar-se, irritar-se, irritar-se e... Perder a cabeça e dizer mais do que devia. Resultado: demissão. Mas sobre isso, já dá para calcular a postura do professor e a postura dos alunos. Falemos então de sua última aula, antes do triste derradeiro ocorrido.
- Vamos continuar o estudo dos verbos. – Silencia a turma. – Estrutura dos verbos. Semanas anteriores, estudamos o radical, a vogal temática e o tema. Falamos também das três pessoas do singular e das três pessoas do plural, ou seja, dos pronomes pessoais do caso reto: eu, tu, ele, nós, vós, eles. Que “eu” é a primeira pessoa porque a primeira coisa que temos consciência é a gente mesmo. Assim como o bebê percebe primeiro a si mesmo e não reconhece nem a mãe, percebendo-a apenas como a fonte do alimento. “Tu” é a segunda pessoa porque é aquele com quem conversamos. E “ele” é a terceira pessoa porque é o objeto da conversa; e dela não participa ativamente; sendo apenas o assunto. Hoje vamos para a desinência número-pessoa e para a desinência modo-tempo.
Burburinho na sala.
- Andem, que vou ditar...
“Espera, professô!”; “Ai, dita não.”
- Vocês estão demorando. Já estou em sala tem muito tempo e até agora não abriram os matérias; ficaram só conversando.
“Espera, professô!”; “Ai, dita não.”
- As desinências são formadas por dois casais inseparáveis. Se o radical contém a informação principal do verbo, as desinências mostram a quem fala, quantos falam, quando e de que maneira falam. Por exemplo: Amo. O radical é...
- Am.
- Certíssimo. Pelo radical sabe-se que é o sentimento de gostar muito de alguém. Agora, pela letra “o” no verbo conjugado “amo” percebe-se que a pessoa é...
Não souberam responder. Então o professor continua:
- Eu am...
- Eu amo!
- Então quais são a pessoa e o número?
- Primeira pessoa do singular.
- E o tempo?
- Presente.
Exato. Então anotem que vou realmente ditar (e assim faz repetindo duas e até três vezes cada frase ou parte dela): Se o radical não muda, a desinência número pessoa pode ser flexionada indicando quem fala e qual é sua quantidade. Já a desinência modo-tempo indica se é passado, presente ou futuro e também se é indicativo, subjuntivo ou imperativo. O modo indicativo indica uma certeza; já o modo subjuntivo indica uma possibilidade ou dúvida; por sua vez, o imperativo indica uma ordem ou pedido. Vamos agora explicar e dar alguns exemplos e...
Ele é interrompido por seis alunos, que “puxaram” a turma a falarem, mexerem no celular, dizerem palavrões e... Você já sabe. O professor se excedeu e foi convidado a se retirar da escola.
A noite está fria e Adão, professor de português recém demitido, conversa com seus dois primeiros amigos brasileiros.
- Adão, noite passada tive um pesadelo horrível e acordei suando de tanto medo.
Sonhei com uns urubus cor de rosa. Foi a coisa mais apavorante que já vi.
- Claudio, o que é urubu?
- Engraçado... Imaginei que essa palavra fosse comum na língua portuguesa. Urubu é uma ave de rapina grande de plumagem preta com ponta das rêmiges brancas, cabeça nua e negra que come carne em decomposição. É semelhante ao abutre.
- O que rêmige? – Pergunta Vinícius.
- É cada uma das penas maiores das asas de uma ave; com que sustenta e dirige o voo.
- Que horror! Imagino o tédio que viveste. Isso é medonho. Por isso odeio mato e capim desta mata próxima. Prefiro concreto puro... Imagino que os seus rosados urubus não cheguem ao Amaro Lanari.
- Espero que não, pelo menos não os rosas... Rosa bom é somente o Guimarães. Rerrê. Urubu também é encontrado nas cidades. Eles são úteis para eliminar animais mortos.
- Isso é grande? Quanto mede um urubu?
Vinícius responde: Não tenho certeza, mas deve ser em torno de cinquenta centímetros. São animais benéficos e inofensivos.
- E o voo deles é muito bonito.
Param um estante a conversa para uns goles de cerveja.
- Já tivestes contacto direito com estes?
- Sempre é visto pelas ruas. Sempre tem algum animal morto: cão, gato...
- Em Angola, qual é a ave que se alimenta de carne putrefata.
- Em Luanda nunca vi uma ave de rapina assim. No Brasil os vejo nas escolas. Apodrecendo a paciência e a dedicação...


Ofereço aos aniversariantes
Rosa Kanesaki, Ivone M. Andrade, Sirleia Lima, Andreia Dutra, Cassinha Carvalho, José Carlos Rosa, Kilder Andrade, Bruno Grossi, Valdiene Gomes e Lorrayne Helena.

Recomendo a leitura de “Digitais”, de Xúnior Matraga; e “Mauricinhos Tiranos”, de Girvany.


A última parte do texto foi escrito em 18 de junho de 2015. E todo ele foi trabalhado entre os dias 25 e 30 de maio de 2017.

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