Leitura do cronto pelo autor: https://www.youtube.com/watch?v=UOsOKHlXZrI
O despertador escolhido por ter um som que não
provoca sobressalto anuncia, sem estardalhaço, ao dono a hora de encerrar a
insônia diária. Foi ao banheiro fazer as obrigações matinais; tomou o café
preparado pela mãe; abriu o portão de sua casa na Rua Visconde de Mauá, seguiu
pela Johan Mendel, que muitos chamam de “John Mendel” no lugar de pronunciar
corretamente: Iôrran Mêndel. Sem nenhum motivo aparente lembrou que já tentara trabalhar
na unidade básica de saúde mais conhecida como UISA e também na Policlínica,
mas foi no Hospital Municipal que conseguiu. Passou rapidamente na Avenida
Carlos Chagas para olhar uma vitrina com um possível presente para o Dia das
Mães. Quando chega à Rua Felipe dos Santos entra no hospital, cumprimenta os
colegas enquanto coloca sua digital na máquina que registra sua entrada.
E assim Nico Tério caminha para o local onde ficam os
que eram e agora estão. Ele pensa nas curiosidades dos verbos ser e estar. Este
indica localidade ou provisoriedade e aquele o permanente. Mas há algo mais
permanente que a morte? Mesmo se houver reencarnação será o início de um corpo
ou de uma história em um corpo... Portanto, permanentemente seria “é morto”.
Mas dizemos “está morto”. Ou será que a crença cristã na ressurreição no fim
dos tempos fez que utilizássemos o verbo estar para nos referirmos à morte como
algo passageiro?
Nico empurra a maca coberta. Alguns olham sedentos;
com curiosidade e alívio por não estarem ali. Outros nem veem mais isso.
Enquanto passa pelo quarto 28 vê Paulo Coralino tendo
convulsão.
- De novo?
- É a sexta seguida!
O paciente do leito 88 e a enfermeira conversam
rápido antes de socorrê-lo.
“Eles estão, assim, calmos?”. Você, que me lê,
pergunta e respondo que não. A própria situação já diz que não; mesmo sem eu –
o escritor – falar isso.
Nico nem parou durante todo este pequeno tempo; assim
não viu o que conversamos. E por isso agora voltamos a ele: Saindo do bloco I
entra no corredor dos blocos H, G, F. Em um quarto do G, barulho de movimentos
de tensão. Enquanto Nico passa ignorando o que ainda não tem que fazer;
enfermeiros e médicos tentam impedir o ser de estar.
Não conseguem.
Nico chega ao seu local de trabalho. Leva o estar para
uma gaveta gelada. Quando fecha o trinco o telefone do necrotério toca.
- Nico Tério!
-
- Quarto 17, bloco G. Estou indo. Nico empurra a maca
descoberta. Alguns olham curiosos e lastimando não ter alguém que – creem supersticiosa
e ingenuamente – os estejam livrando do estar por deixar Dona Morte ocupada.
Nico não sabe nada disso; mas suspeita.
Termina o dia de trabalho; passa na loja e compra o
presente; vai para casa tomar um banho e jantar; e depois segue ao bar conversar
com os amigos até hora de a namorada chegar do trabalho. Até o momento de
voltar para a cama mal dormir para o despertador escolhido anunciar sem
estardalhaço a hora de encerrar a insônia diária e parabenizar a mãe antes de
ir trabalhar.
Ofereço como presente aos aniversariantes
Railson Silva, Marilene Vitor, Elisangela Guilherme, Marceli
Rodrigues, Mariana Mamede, Joneisson Araújo, Robinson Ayres, Andreia Lima, Rosangela
Sulidade, Reinaldo Maciel, Flávia Gusmão, Guebel Stevanovich e Léo Coessens.
Recomendo a leitura de “Esperando o Trem”, de Girvany; e “Reflexão”,
de Xúnior Matraga.
Manuscrito na manhã de 04 de janeiro de 2017 enquanto
acompanhava meu irmão internado no Hospital Municipal de Ipatinga. E trabalhado
entre os dias 25 de abril e 14 de maio do mesmo ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário