domingo, 1 de março de 2020

SILÊNCIO E TROVÕES


PRAÇA RETANGULAR COM CENTRO CIRCULAR
ou SILÊNCIO E TROVÕES


Un día seré silencio.
Hoy soy trueno.
A day I will be silence.
Today I am thunder.

Todos os dias a seis e quinze ele saía de casa para trabalhar. Eram dois ônibus. Era um belo prédio o lugar onde ele trabalhava; retangular: a Biblioteca Pública Municipal.
Quem diria, havia uma bela biblioteca municipal na cidade… Ninguém, pois não tinha. Isso é apenas desejo meu – o autor – e de outras dezenas de pessoas na cidade; de centenas no estado desejando uma em cada canto; e de poucos milhares no Estado sonhando em cada município.
A cidade real, não a do cronto, é de aço bruto. O estado real e imaginário são conservadores (não refinado como poderia ser, mas estúpido). O Estado real e imaginário regrediram a repressores. Será isso a conservação de tanta alma bruta…
Chegava. Entrava na salinha onde trabalhava. Sentava na sua mesinha. Puxava papo com a colega do setor que nunca lhe respondera com bom humor. Assim fora no princípio e mesmo passado meses e anos a colega não mudou o modo de ser com ele e com os outros. Ele foi ao silêncio.
A biblioteca cuidava de dois cães abandonados à sua porta. E a colega reclamava: “não param de mijar nem de ladrar”. Isso não o surpreendia muito. O que o espantava eram os humanos não seguirem as regras da casa nem da vida.
Uma noite, pouco antes de acordar, sonhou que era o prefeito com bela gestão na cidade Jardim de Aço. Com toda alegria comentou com a colega que não lhe dera a mínima importância, mas dissera:
- Por que alguém votaria em você. Por quê? – E pela primeira vez sorrira… – Você nunca fez nada, nem limpa a sua sala.
- Mas porque limparia se há quem o faça?
- Se eleito fosse seria como todos os outros. – E riu debochada com o jornal na mão. – Veja essa notícia. Há dois casos de coronavírus na cidade.
Se as pessoas se assustassem com a mortandade feminina no país como se amedrontam com um vírus com menos casos que hepatite, aids, dengue, zica… – Pensou enquanto a olhava e voltou ao trabalho.
Tornara-se prefeito? Não, nunca fora eleito nem se candidatara. Fora só um sonho que sonhara só. Mas bem geria seu serviço e sua mesa na sala que ficava bem em frente ao pequeno jardim no interior da biblioteca que também cuidava. Talvez por chegar tarde ou em cima da hora, coisas que a colega nunca vira: a gestão do serviço, da mesa e do jardim. Regava as plantas, varria as veredas com bancos para o público sentar e olhava a estátua no canteiro central e circular do retangular jardim que se chamava Praça Lima Barreto. Só pra isso saía cedo de sua casa.
Nunca se candidatou e nem parou de cuidar da praça. E mesmo velhinho, aposentado e cansado ia à biblioteca para cuidar do jardim e ler.
Aaaah! Como ele lia após cumprimentar o velho Lima Barreto.
Depois voltava para casa.
Sorrindo.
No seu silêncio cuidava da hortinha de plantas medicinais que servia a vizinhança enquanto escutava o rádio.
No seu silêncio lia algo ouvindo músicas:
“Acuchilla a los que se difienden, hace prisionero a los demás, saquea en nombre de las armas vencedoras y ofrenda sus preces a un dios, al compás de los cañones”¹.
“People talking without speaking, people hearing without listening and no ane dare disturb dare the sound of silence”².






Ofereço como presente aos aniversariantes:
João P.C. Silva, Átila Nonato, Elmina Ferreira, Ramon Henrique e Rafael Henrique.

Recomendo a leitura de:
“Coronidade das Coisas”, de António MR Martins:
“Azuis Desmaiados”, de Caio Riter:

¹ MAUPASSANT, Guy de. Bola de Sebo y otros relatos. Madrid: Santillana Ediciones Generales, 2007. P. 12.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
 É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
 É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
 Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
 Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
 Foto do autor pelo próprio autor.

 Escrito após um sonho na madrugada de 20 de fevereiro de 2020 e trabalhado nos dias 29 de fevereiro e 1º de março do mesmo ano.

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