domingo, 15 de janeiro de 2023

ACORDA, GENTE

"Quando eu falava dessas cores mórbidas
Quando eu falava desses homens sórdidos
Quando eu falava desse temporal
Você não escutou
Você não quis acreditar"¹
.


08 de janeiro de 2023.

Os três Palácios da República - Palácio do Congresso Nacional, Palácio da Justiça e Palácio do Planalto - foram alvos de ataques terroristas no segundo domingo de 2023.

Esfaquearam e quebraram obras de arte, janelas, computadores, rasgaram documentos, jogaram um crucifixo no chão, tiraram da parede o brasão da República, defecaram por toda parte, destruíram presentes recebidos desde o Império por governos de outros países, roubaram uma das cópias da Constituição de 1985 com assinatura dos parlamentares dizendo "vamos rasgar a Constituição", agrediram policiais, jornalistas, cavalos aos gritos de "louvado seja Deus". Isso com o planejamento, ou aval ou financiamento de militares, do governador e do secretário de Segurança do Distrito Federal, de certos parlamentares, agronegociadores e...

Observando a estupidez desses terroristas só posso constatar que não foi simples burrice se filmarem depredando o patrimônio público. Filmaram a violência contra imóveis, objetos, pessoas e animais porque - pasmem - não sabiam que estavam cometendo crimes.

Contudo crime é crime, saibam ou não.


Uma névoa cobre meu cérebro e desfoca minha visão.

O golpe foi efetivado e Boçalnato deixa de fugir da justiça. Volta para assumir a presidência com o Legislativo e o Judiciário impossibilitados de lhe barrarem.

Os líderes da esquerda foram presos e, algo até então inconstitucional no Brasil, sentenciados a morte.

O cristianismo de Malafaia e de outros se impuseram como únicas admitidas no território nacional.


_ Luís! Diego! Hoje vou precisar de vocês aqui até as vinte e duas horas. Quero amanhã cedo o trabalho concluído.

Os empregados se mantém calados para não ficarem desempregados.

Duzentas e quarenta minutos de horas extras não remuneradas quase todos os dias, sete dias todas as semanas, doze meses ininterruptos a uma década.

Dos tres filhos de Luis só um está vivo.

_ Pai! Estou bem. Fica em casa amanhã.

Mas o remédio do filho está no fim como está a saúde do pai.

_ Para, Diego. Chega, por favor. - Chora a esposa com os lábios tão cortados quanto a psique do marido.

_ Aaiiii. - Dilméia puxa os cabelos da vizinha e lhe dá um soco. Toma-lhe os ossos com uns pedaços de carne sebosa e corre para casa antes que lhe roubem a janta dos filhos.

Quebram a porta da casa de Maria.

_ Saltem meu marido.

_ Papai!

Arrastam o homem para o camburão da milícia e passam-se dois anos sem notícias do porquê e do que lhe aconteceu.

_ Parado!

O rapaz se deixa apalpar... digo, deixa-se revistar.

_ Qual é seu nome?

_ Letício...

Rindo debochados:

_ Que porra de nome de bichinha é esse?

Fala um milício, outro continua e o terceiro completa:

_ Fala a verdade. Você é viado, né?

_ Quem deu esse caralho de nome em você?

_ Min... Minhas duas mães...

_ Porra. Você tem duas sapatonas como mães!?!

Gargalham os três.

_ Como eeeles se chamam?

_ Osvalda e Gustava...

Riem mais alto ainda. Dão uma surra no garoto, dizem mais absurdos e vão embora.

Nesse meio tempo as pessoas passam, olham, vão embora. O jovem se levanta. Sem SUS no país e sem dinheiro para médicos e remédios volta pra casa. A família sem estatos de família chora desamparada.

A névoa descobre meu cérebro e minha visão se foca.

Como entre 1964 e 1985, principalmente, mas não somente Minas, homens e mulheres da escrita, da música, do teatro, das plásticas... tentam escapar das garras do "governo", anunciar ao povo e denunciar ao mundo o terror brasileiro.


_____

Cronto e foto de Rubem Leite.

¹ Música "Paisagem da janela"; composição de Lô Borges e Fernando Brant.

Texto pensado entre 09 e 15 de janeiro de 2023; trabalhado na manhã desse último dia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom!