Estou de semi luto, mas ainda lhe desejo obax anafisa.
A idéia original do cronto que escrevo é de Pedro Henrique Oliveira Santos, aluno da E.M. Márcio Andrade Guerra, no bairro Veneza II, Ipatinga MG. Em fins de março de 2011 li sua estória e do que guardei na memória reescrevo encerrando na manhã de 16 de maio de 2011.
Numa tarde bem quente de aula a professora explicava para seus vinte e cinco alunos uma de suas matérias.
- Guarde o carrinho, João. – Fala a professora e João guarda o brinquedo e expõe uma careta que a professora finge não ver. – Vamos fazer agora uma redação com no mínimo vinte e linhas e no máximo trinta. O tema é “Descobrimento do Brasil”.
- Pare de falar, João.
E o silêncio quase se instaura enquanto a garotada faz o dever.
- Volte para o lugar, João.
Enquanto isso Pedrinho, bom menino, bom aluno pensa no livrinho que, coincidência ou não, viu e leu em sua casa ontem “Carta de Caminha: A Notícia do Achamento do Brasil” e que lhe servirá para a redação de hoje. Lembra direitinho de algumas falas iniciais do texto, mesmo não tendo entendido muito bem o significado das palavras estranhas “seguimos nosso caminho, por este mar, de longo, até que, terça-feira das Oitavas de Páscoa, que foram vinte e um dias de abril, estando da dita ilha obra de...” – ai falha a memória; números não são seu forte. Mas também não interessa a distância que estavam. Mais interessante é outro ponto adiante. – “Neste dia, a hora de vésperas, houvemos vista de terra! Primeiramente dum grande monte, mui alto e redondo; e doutras serras mais baixas ao sul; e de terra chã, com grandes arvoredos: ao monte alto o capitão pôs o nome – O Monte Pascoal e à terra – A Terra da Vera Cruz”. Mais ele não lembra. Pelo menos não com as palavras do livrinho.
- João! Para de mexer com Lyz. Devolve o estojo dela, menino.
Já deu para você entender que são assim todas aulas, todos os dias.
- Sua bruxa filha de uma puta. – Falou João. Mas, para ele infelizmente, não baixinho o suficiente para não ser escutado. E como se era de se esperar a professora falou
- O – que – você – disse, – João?
Com cara lavada
- Eu não disse nada, fessora.
A professora com olhos em brasa arrematou
- Carlinho, vai chamar a diretora.
Enquanto o menino se levanta e sai
- Você agora está acabado. Não fica aqui nem mais um minuto.
E continuou falando, falando e falando. Chega a diretora, que se inteira da situação, e o resultado foi uma semana de suspensão. Enquanto isso João planejava uma vingança violenta. Colocar um sapo na bolsa da professora. Uarrarrá!
Pedrinho, sem saber da vingança, cruel numa visão infantil, e por ser um bom menino, conversa com João. Fala para ele ser mais bonzinho. Que Papai do Céu está de olho. Que se ele emendar a professora será legal e etc. João pensando nas palavras do amigo resolve seguir os conselhos dele e virar um bom menino. Pelo menos foi assim, em palavras minhas, o fim da estória que Pedro Henrique escreveu. Agora vejamos como será o final que vou dar (ainda não sei. Vou pensar. Por enquanto vou parar e só depois recomeçar a escrever. Até daqui a pouco. Só um esclarecimento, gostei da estória do autor original e quero apenas refazê-la ao meu modo e não desfazê-la).
Passa a semana e outra começa.
- Laudemirzinho! Fez a redação que pedi?
- Redação, fessora?
- É menino! A redação sobre a praia, o mar, que você está me enrolando desde semana passada.
- Sabe o que é, fess...
- Não pense que esqueci. Quero agora. Já te dei um prazo maior que o dos outros.
-
- Anda menino!
- Eu nunca fui à praia.
Não comento (preciso?) a cara da professora e de um ou outro aluno. E talvez ela tenha dito algo como “Por que não falou antes?”. E porque estou dizendo “talvez ela tenha dito”? É que deixo por sua conta a reação dela.
Mas voltemos ao João e à professora, Dna. Paula. E sem mudar muito o final que Pedro Henrique deu.
Dna. Paula, furibunda, queria a expulsão do garoto e não aceitava apenas mera suspensão. Mas como toda raiva passa com o tempo ou ao menos diminui. É como ela leu em um livro chamado O Livro dos Jovens. Nunca escreva uma carta ou discuta quando se está com raiva, pois só conseguirá tornar a situação irreversível. E foi pensando e se lembrando que, como educadora, é preciso ser firme para não condescender e ter amor para não se amofinar decidiu dar outra chance ao aluno. Foi uma decisão íntima; não compartilhada com ninguém. Ela é humana. Erra e acerta. Errou com Laudemirzinho e com a turma por exigir algo que eles não têm experiência prática – redação sobre mar
O dia seguinte foi o retorno de João. Que estava em dúvida.
Abro mão da vingança maligna ou sigo o conselho do Pedrinho?
A professora também estava em dúvida.
Ponho em prática o que decidi ou conservo a antipatia?
Eram dúvidas meio inconsciente; não claramente discutida. Está me entendo? Mas creio que você já sabe quais foram as decisões de ambos. Afinal, a estória é sobre isso. O difícil foi superar a antipatia mútua. João se coçava para conversar e bagunçar, mas se segurava. Sem muito êxito, claro. Porque ninguém é de ferro. Mas reduziu. A professora se coçava de aversão e conseguiu segurar a língua umas duas vezes para não destratar o pestinha, digo, menino. Enfim, o tempo foi passando. Ambos se empenhando. Fracassando e se contendo. Até o fim do ano. Talvez nunca se lembrem com saudades um do outro, mas sempre saberão que aprenderam um com o outro e com a turma.
Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos
Rodrigo Davila, Adê Araújo e Júnior Pinheiro.
Em especial, à minha querida cunhada Neuili Mª Macedo Leite.
Ofereço também à UnB pólo Ipatinga, aos estudantes, tutores e professores
das Licenciaturas em Teatro, Música e Artes Visuais.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minhas flores para você
e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Um comentário:
Adorei o fato de você ter pego como referência a história de seu aluno Rubem, belo texto!
Paulo Freire dizia que não há como educar sem amor, e eu, além de vários outros poetas, digo que não há como amar sem saber perdoar...
Um grande abraço!
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