sexta-feira, 8 de julho de 2011

SEIS HORAS DE UMA MANHÃ RADIANTE – Ou IGUAIS NA DIFERENÇA parte 1

Obax anafisa.




Seis horas de uma manhã radiante. Carros passam. Pássaros cantam em nosso primeiro despertar em nossa primeira casa.
- Bom dia, Lúcio! – Falo bocejando.
- Bom dia, Luiz! Estou faminto.
- Uarrarrá! Eu também. Você compra o pão enquanto faço o café.
- Temos que repor nossas energias...
Não resisto e gargalho pensando em nossa noite. Então levantamos e vamos ao banheiro.
- Lucio! O que nós dois ou mesmo dez homens podem fazer ao mesmo tempo no mesmo lugar e duas mulheres não conseguem?
- ?
- Mijar na privada...
- Uarrarrá!
Depois da higiene matinal cada qual vai fazer sua parte para o desjejum. Assim que abre a porta Luiz me chama baixinho:
- Lúcio! Tem um garoto na varanda.
- Quê? – Encaminho para a varanda.
- Garoto! Ô garoto! – Chama Luiz.
O menino levanta num pulo assustado. E sinto que ele vai sair correndo.
- Espera! – Digo. – Está com fome?
Silêncio.
- Diga sim ou não, garoto. Como pode ver eu não posso ver.
- O que você prefere? R$10,00 hoje ou ter sua fome saciada todas as manhãs? – Pergunta Luiz.
Numa voz sumida:
- Saciada.
- Então faça o seguinte: Vamos te dar R$10,00 e você vai à padaria comprar dez pães e um litro de leite.
- Se sumir com o dinheiro ele será seu, mas nunca mais terá nada de nós. – Completo. – E muito menos respeito. Se voltar, inclusive com o troco, vai tomar café conosco e poderá voltar amanhã e nas outras também. E quero a notinha.
Enquanto o garoto vai, faço o café e Luiz arruma a mesa.
- Acha que ele volta?
- Penso que sim. Afinal é comida garantida.
- Sei não, Lúcio! Gente da rua não costuma pensar assim. Pensa apenas no agora. O amanhã está muito distante.
- É esperar para ver.
Na mesa banana, laranja, mamão, xícaras, manteiga, queijo, garrafa de café bem forte, do jeito que gostamos.
Palmas e Luiz atende.
- Entre.
- Lave as mãos e sente-se à mesa conosco. – Digo. – O banheiro é naquela porta ali. Vá lavar as mãos.
- Eu Sou Lúcio. Ele é Luiz. E você?
- João.
- Estamos de saída. Vamos trabalhar. E como dissemos. Você poderá tomar café amanhã conosco. Basta está aqui às seis horas, como hoje, pegar o dinheiro para ir à padaria. Tudo bem para você?
- Sim senhor.
- Senhor não. Chame a gente pelo nome. Lúcio e Luiz.

Passando algumas semanas, menos de um mês, o tempo começou a esfriar.

- Demorou a aparecer.
- Boa noite, Luiz.
- Lúcio! Ele chegou.
- Entra com ele.
Uma vez dentro de casa. Luiz começa a falar
- João! Lúcio observou que está começando a esfriar e que não fica legal você ficar aí fora nesse tempo. Queremos convidar você a dormir no quartinho vago, o que a gente colocou nossos livros.
O brilho dos olhos foi sua resposta.
- Mas para isso você vai ter que tomar banho. Não dará para ficar aqui desse jeito. – Completo. – Hoje você dorme com uma de nossas camisas e amanhã... Isso é, se você aceitar morar aqui, conosco... e amanhã, aproveitando que será sábado, a gente sai para comprar umas roupas novas para você.
- É sério?
- Sim!
- É claro que aceito.
- Então vá tomar banho enquanto procuro coisas para você vestir. Depois a gente janta. – Diz Luiz.
- E lava direito o sovaco, os pés, o pescoço. E não se esqueça do pinto. Peru sujo ninguém merece.
- Não fale assim, Lúcio. Ele pode pensar que estamos tendo más intenções.
- Que isso? O garoto é inteligente e já tem quase quinze anos...
- Por isso mesmo.
- Mas não estamos tendo.
- Está certo. Está certo. Entendi. – Percebo pela voz que Luiz está sorrindo.

Baf. É o barulho da porta batendo com força.

- Que isso, João? Que te aconteceu? – Do umbral do nosso quarto Luiz pergunta.
- O que foi? – Pergunto.
- João está com sangue escorrendo da boca, roupas sujas e camisa rasgada.
Ouço os passos dele em direção ao quarto.
- Êpa! Para ir para o quarto vai ter que tomar banho primeiro.
- Para que tomar banho? Não quero tomar banho.
- Primeiro e mais importante porque é para cuidar de sua saúde. Segundo porque não tenho que agüentar fedor. Terceiro porque higiene é regra da casa.
- É por isso que eu sumo por dias. Se querem que eu fique terá que ser como quero.
- NÓS queremos que fique, mas se VOCÊ quiser ficar vai ter que seguir as regras da casa.
Um minuto de indecisão e entra no banheiro. Com a porta fechada entre nós conversamos
- Que aconteceu?
- Nada não, Lúcio. Vocês é que chegaram cedo.
- Chegamos na hora. E como assim nada não?
- É nada não, já disse. Dá licença que quero tomar banho meu banho em paz.
- Não tente me enrolar porque senão vai voltar e tomar outro banho até se limpar.
Fomos para a sala estudar e depois fomos falar com ele que estava deitado de cara fechada na cama. Nada dissemos por um tempão.
- Falaram coisas feias de vocês dois.
Já imaginando o que disseram nem pergunto o que seja. Continua o garoto
- Disseram que vocês são bichonas.
- Bem! É um termo feio. Preconceituoso. Mas você já percebeu que eu e Luiz nos amamos.
- Mas vocês não são um homem e uma mulher... São dois hômis...
- Sim. E ainda assim nos amamos. – Continua Luiz.
- Quem é a mulher e quem é o homem?
- Que pergunta? Você já acabou de dizer, portanto reconhece, que ambos somos homens. – Continuo.
- Ninguém aqui é mulher, João. – Somos dois homens que se amam e querem viver juntos.
- Não consigo entender...
- Então apenas aceite. Ou melhor, respeite. – digo – E com o tempo talvez você entenda. Mas o mais importante é não nos julgar nem condenar e sim respeitar e, se possível, aceitar.
- O que mais eles disseram? – Perguntou Luiz.
- ... Nada...
- Fala! – Eu disse.
- Disseram que vocês fazem coisas feias comigo. Que sou a puta de dois viados.
Minha boca escancara e pergunto “você deu uns socos neles”?
- Sim!
- Quem apanhou mais?
- Eles.
- Eram quantos?
- Três. Do meu tamanho... Um ficou só xingando e os outros quiserem me bater.
- E você bateu nos dois?
- Sim...
- Estou orgulhoso de você. Você é macho pra caramba. E defendeu-nos.
João fica em silêncio. Então pergunto “O que está pegando”?
- ...
- Pode falar.
- Será que eu sou guei?
- Por que pergunta?
- Nada não.
- Fala. – Ordena Luiz.
- Não fiquem chateados não... Mas é que moro com vocês e... e...
- Não tem nada a ver. – Digo.
- Te incomodaria ser guei? – Completa Luiz.
- Não sei... Estou confuso.
- Se você for guei gostaremos de você do mesmo jeito, como filho. – Continua Luiz. – E se não for continuaremos com o mesmo sentimento.
- O importante é ser feliz sem prejudicar ninguém e se possível fazendo os outros felizes também. – Completo e continuo: Credo! Que frase mais clichê. Ou será piegas? Bem, o que importa é que é verdadeira.
- João, você acha que eu e Lúcio somos mulherzinhas? – Luiz toma a palavra. – Não acha que somos bem machos?...
Pensa olhando para nós por quase um minuto
- Não! Acho que vocês são machos pra caramba.
- Uarrarrá. Levanta. Vamos jantar. – Digo.
Depois do jantar João vai dormir.
- Luiz! A situação do João está irregular. Temos que ajeitar isso.
- É, mas como? Onde?
- Talvez no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente.
- Sim. Precisamos ver o que podemos fazer. Além do mais o ano está quase acabando e ano que vem ele vai ter que estudar.




Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos
Ana Cristina, Nega, Bárbara Pavione e Maykon Moreira.

O cronto é um trecho (modificado) de um romance que estou criando.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você
e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

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