segunda-feira, 24 de junho de 2013

O QUE SÃO OS OLHARES




Obax anafisa.


“... meus olhos depois viram a maçaneta que girava, mas ela em movimento se esquecia na retina como um objeto sem vida, um som sem vibração, ou um sopro escuro no porão da memória; foram pancadas num momento que puseram em sobressalto e desespero as coisas letárgicas do meu quarto; num salto leve e silencioso, me pus de pé, me curvando pra pegar a toalha estendida no chão; apertei os olhos enquanto enxugava a mão, agitei em seguida a cabeça pra agitar meus olhos, apanhei a camisa jogada na cadeira, escondi na calça meu sexo roxo e obscuro, dei logo uns passos e abri uma das folhas me recuando atrás dela: era meu irmão mais velho que estava na porta; assim que ele entrou, ficamos de frente um para o outro, nossos olhos parados, era um espaço de terra seca que nos separava, tinha susto e espanto nesse pó, mas não era uma descoberta, nem sei o que era, e não nos dizíamos nada”.
(NASSAR).


Thiago, Tuca, eu e umas cervejas num bar de praça discutimos futebol, mulher e... E no céu a lua espera a nuvem.
- Eu li uma matéria no Diário do Aço o que uma pessoa disse a respeito do craque... Na opinião dela falam do craque de uma maneira muito avassaladora e que esta droga pode ser comparada a cachaça. Ridículo isso. Que fez varias entrevistas com usuários e que realmente o craque não é ISSO TUDO que pregam... PELO AMOR DE DEUS, essa mulher, super bem formada, com Doutorado, ta de brincadeira, não? Tudo que a sociedade está precisando é DE NÃO OUVIR uma coisa dessas... Eu, como lutador pelo NÃO uso de drogas e principalmente do craque, fiquei CHOCADO E TRAUMATIZADO... Leiam no jornal. QUERO REGISTRAR AQUI toda minha “discordância” com tudo que ela falou. Mesmo “dizendo” haver feito INÚMERAS ENTREVISTAS e estudos para chegar a este veredicto... SE o craque não for isso tudo que vejo a, no mínimo, vinte anos por aí, fui MUITO BEM enganado!...  DEUS abençoe a todos e nos livre desse mal.
- Calma, cara! Para você dar uma relaxada, mais um copo. – Garçom, mais uma. – Vamos falar um pouco de literatura ou de português e depois a gente volta ao assunto.
- Certo! Eu gostaria de saber se escrevo com h ou não o que disse acima.
- O quê?
- “Se o craque não for isso tudo que veja a, sem h, ou há, com h, no mínimo, vinte anos”.
- Quando há distanciamento no tempo usa-se a preposição “a”, não o verbo haver. Uma dica para saber se usa o verbo basta trocar por “faz”, se não mudar o sentido, ok. Se eu disser “há uma semana que não beijo” ou “faz uma semana que não beijo”, estou falando a mesma coisa, né?
- Sim. Mas cê tá com esse atraso todo? Rirri!
- Cê besta, sô! Tô não. Uarrarrá! Mas ao se tratar de algo que já passou, usa-se o verbo na forma “há”, mas se falar de algo que ainda está acontecendo ou de um intervalo no tempo usa-se a preposição “a”. portanto, se fôssemos escrever sua fala usaríamos a preposição, ficando assim “se o craque não for isso tudo que vejo a, no mínimo, vinte anos por aí”.
Thiago rindo: A gente tá normal não. Até gramática entrou no assunto.
- Já que estamos variado, vamos falar então de literatura, o que você tem lido? – Respondo rindo.
- Estou lendo um livro muito interessante, muito bom, mas muito pesado. Lavoura Arcaica. Devido ao seu forte simbolismo, o Antigo Testamento é um dos meios de compreender a obra e seus personagens.
- Uai! O que a Bíblia tem com o livro? – Espanta Tuca
- Porque, meu, por exemplo, a personagem pai representa o religioso que faz sermão e a religião que dita os preceitos, conduz a moral, as regras. André, personagem principal é outro exemplo, transgride as leis, mas retorna depois com melhor caráter, porém humilhado.
- Entendo! Eu me lembro que em toda a obra se vê a dualidade humana e André, personagem central, é tão radical quanto o pai, porém o segundo representa a moralidade ou o moralismo e o primeiro, que tenta evoluir, mudar; porém sem grandes ou bons sucessos.
- Pelo que estou entendendo do que vocês estão falando, o pai representa o conservadorismo... Mas conservadorismo também tem bons aspectos.  Não é só coisa ruim.
- É. Não podemos nos esquecer disso.
- Raduan, o autor, trabalha as emoções do leitor através do controle de pontuação, ora colocando-a bastante e ora retirando-a.
- Depois desse “riléquissi”, e seu Galo, eim?
- Ele é tudo de bão.
- Sei não, mais é meu Gavião.
- Mais nada, você quer dizer. Bicho bom é Raposa.
- Falem o que quiserem, os fatos dizem por si. GAAALOOOOOOOOOO!
Rindo mudamos de droga.
- Tuca, participei junto com meu amigo El Chico, do seminário de prevenção as drogas, craque, álcool e demais. O seminário foi realizado pelo Fórum Intermunicipal. O que pude perceber na palestra proferida pela Doutora convidada com ampla pesquisa na área que a raiz do problema é muita mais séria do que imaginamos envolvendo toda uma sociedade divinizada em seu individualismo hedonista. Nossa sociedade esta doente buscando a felicidade no consumismo, buscando resultados rápidos para vida passageira. A mídia tem focado no que chama de droga e esquecendo as licitas e estigmatizando o usuário das ilícitas como o lixo, principalmente do craque. Sai com uma pergunta na cabeça, se a sociedade não mudar seus valores, o que acho quase impossível, continuaremos ver estigmatização do usuário, rótulos sociais, repressão e violência e internações compulsórias.
- Heim? Que Thiago ta dizendo? Divinizada, hedonista... Como é mesmo a outra coisa que disse... estig... estigue o quê?
- Uarrarrá! Estigmatização. Está havendo uma supervalorização dos prazeres egoístas por parte da população e ao mesmo tempo só se fala das drogas proibidas e de seus usuários, deixando de lado, ignorando mesmo os males do fumo, das bebidas alcoólicas, inclusive nossa cervejinha. E todas são muito ruins.
Ainda conversando pagamos a conta. A nuvem passa pela lua e os galos cantam na rua.


Ofereço como presente de aniversário:
André Q. Silva, Rinaldo A. Gomes, Wendel Go Round, Emi Eidi, Grupo Farroupilha, Elaine Lima, Helio G.T. Melo e Daniela Vieira.

Estou contente! Em breve o ebook bilingue (espanhol-português) de poemas URDIDUMBRE – URDUME, pela editora Círculo de Artes. Espero que adquira e creio que vai gostar.

Recebi de Alano O. Barbosa a seguinte ideia que serviu de mote para o cronto. Não segui a risca a sugestão, mas me inspirou:
Boa noite Rubem. Ultimamente estou me refazendo das necessidades “bucólicas”, o ar puro, o cheiro da terra e do mato, o orvalho caindo o que nos “levita” até o poente por de trás dos morros, sem cheiro de xixi, ou de “pitorra” (bosta seca no cú com ou sem acento) e merda alguma. Também do coaxar dos sapos, dos cricilhar dos grilos. Gostara se possível você algo escrever sobre o chiquete. Não a goma de mascar, mas no sentido conotativo da palavra, o puxa saku, o sem caráter, o hipócrita... Um abraço.

Sítio eletrônico visitado na manhã de 25-5-13:

NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. – 3ª ed rev. pelo autor - São Paulo: Companhia das Letras, 1989. A Partida, parte. 1.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 01 de maio e 24 de junho de 2013. Viva São João Batista. Louvados sejam os Santos Juninos.

Um comentário:

Heloísa Davino disse...

Rubem, Rubem... vc é mesmo muito divertido. Fui lendo seu texto e me sentindo parte desse dedo de prosa numa mesa de bar, ou numa praça, enfim... Confesso que gritei Gaaaaloooo e me resguardei com a Lavoura Arcaica que ainda não li. Tá lá na estante olhando pra mim e eu pra ela. No meio do caminho, Mia Couto e Adélia me arrebatam. Preciso ler este livro... socorro. O perfume de suas flores estão chegando aqui. Bj.