Obax nafisa.
Os argumentos da burrice são tão
disparatados que até tonteiam uma pessoa instruída. Emília quis argumentar com
o coronel, mas não viu caminho. Por onde entrar dentro de semelhante quarto
escuro?
(LOBATO, 1997)
A tarde está nublada
e fria durante a Reunião de discussão do Plano Municipal de Educação na Câmara
Municipal de Ipatinga.
- Você está
aqui por quê? – Uma mulher me pergunta.
- Estou aqui
por ser professor.
- E eu sou “Philosophiæ Doctor”. – Pelo termo acho que dá
para você imaginar a voz emproada da mulher. – É um absurdo querer acabar com
banheiros de meninos e meninas para deixar um só banheiro, unissex, nas escolas.
Mal vejo a hora de ir embora deste país maldito.
Tais falas me
conduziram a uma resposta: Você comprou seu phd por quanto?
- Comprei
mesmo, meu bem. E paguei caro. Sou rica! – E olhando-me de cima para baixo com
nariz torcido: Não precisei de cota.
- Phd em
burrice?
- Melhor que
ser só um... um graduado. – Diz me olhando com asco. Não sei se “graduado” tem
cara de “graduado”, mas ela acertou e respondo:
- Talvez! Mas
me graduei por estudo e esforço, não por ter pago alguém para fazer minha
monografia.
- Ai! Não suporto
esse Brasil de pobres.
- Uai! Se não
suporta por que ainda está aqui?
- Já estou de
malas prontas, meu bem. – Enquanto fala piso em falso no altinho que separa o
corredor das cadeiras e esbarro na “phd”. – Não toca em mim.
- Não toquei,
foi um acidente. Foi um esbarrão. Por que tocaria em uma mulher burra e feia
feito você?
- Posso ser
burra e feia, mas posso pagar. E você que nem isso pode?
- Alienado,
alienado, alienado! – Uma pensadora que age fala para um tolo próximo a nós. –
Alienado, alienadoalienadoalienadoalienado!
- O que é alienado?
– Pergunta para a phd que lhe explica.
- Eu num sô
isso não. Eu sou é pela família cristã e num quero é que as escola transfórmi
nossos filhos em bichinhas ensinando a eles que viadage é normal e colocando os
minino e minina num só banheiro.
- Você leu o
Plano de Educação? – Pergunto-lhe e pelo que disse e pela cara que fez confirmo
o que suspeitava. Então concluo lhe dando as costas: Leu não!
- Estou aqui
pelas famílias cristãs e como mãe cristã e zelosa eu quero que meu filho cresça
sem que a escola lhe diga como deve agir. – Diz a “cidadã” Retalia Amelda. –
Esse pessoal que fica gritando que não se pode proibir discussão de gênero nas
escolas porque ocorre estupro até lá, assim como piadinhas sobre os gueis. Ora!
Estupro sempre existiu e não vejo ‘relevança’ em discutir isso. E tenho amigos ‘homensequissuais’
e não tenho nada contra eles. Não sou contra o ‘homensequissualismo’, mas não
quero que a escola transforme meu filho em ‘homensequissual’ dizendo que isso
seja normal.
- Pastor
Eberardo, dê sua colocação.
- Estou aqui
pelas famílias cristãs e afirmo que tenho amigos gueis, bissexuais e talvez até
alguns heterossexuais (?), mas a Bíblia diz que macho com macho não serve nem
pra capacho.
- Jornalista
e cidadão Já-Eu Prendo, dê sua colocação.
- É nosso
dever proteger e cuidar das famílias cristãs. O Pastor Émalaifáia diz que a
criança tem predisposição de assimilar características psicológicas. Os Papas
Bento XVI e João Paulo II afirmaram o mesmo com outras palavras. Por isso falar
sobre homossexualismo nas escolas é predispô-los à homossexualidade. Concluindo:
Daqui tem que sair um movimento da família cristã para as escolas não fazerem
lavagem cerebral em nossos filhos. Temos que proteger as famílias cristãs da
ignorância, da violência, da pobreza, da vergonha, da desonra. Temos que
proteger as famílias cristãs!
- Jornalista
Prendo, e as famílias ateias e de outras denominações religiosas, não merecem
também proteção? – Pergunto.
- Eles que
unam seus grupinhos e se defendam...
- Então as
famílias não cristãs devem ser ignoradas, desprotegidas e não cuidadas?
- Não ponha
palavras na minha boca!
- Não pus;
elas são suas. E...
O presidente
da câmara me interrompe: Cidadã Maura, dê sua colocação.
- É estranho
que nessa reunião não tenha biólogos, médicos, psiquiatras, antropólogos,
sociólogos... Sexualidade é bem diferente de sexo. Quando o homem descobriu a
sexualidade passou a fazer uso do sexo de maneira diferente dos animais. Ao
discutir sexualidade discutimos orientação sexual e não opção sexual porque não
há opção. Chama-me a atenção que aqueles que defendem a família e defendem
Jesus Cristo... – os cristãos presente vaiam. – ... que aqueles que defendem a
família e Jesus Cristo venham aqui, nessa casa, sem aceitar que todos sejam
representados. Defender o estado democrático e de direito é a função dessa
casa. Todas as realidades humanas devem ser alvo de percepção, sensibilidade, discussão
e de políticas públicas. E quero lembrar a todos que batem no peito sua
religião que Cristo queria vida em abundância – os cristãos vaiam – e vida em
abundância para todos. E abundância significa o reconhecimento das diferenças e
da diversidade. Portanto, estou aqui pelas famílias, todas as famílias.
A noite está
escura; sem lua nem estrelas. Na Praça dos Três Poderes, vigília de vagalumes
enquanto a manhã não desponta.
Ofereço como presente de aniversário a
Isabella Rosa, Brunna M. Alves, Simone Soares, Breno E.
Garcia, Rúbia Maroli, Luiz Poeta, Ederson Junior, Shamilla Oliveira, Arlisson
Toledo e Adriano Simone.
Convido a ler a crônica de Vinícius Siman e os poemas de Karine Farias e Rosa Mª Olímpia,
respectivamente:
LOBATO, Monteiro. Serões de Dona Benta. 22 ed. São Paulo:
Brasiliense, 1997, cap. XXII.
Outras informações: Audiência Pública para discutir o Plano
Municipal de Educação, Ipatinga, 15 de julho de 2015:
Escrito entre 17 e 20 de julho de 2015. Ficção embasada em fatos
bem reais.
Um comentário:
mUITO BOM ESSE SEU ESTUDO DA OBRA DE LOBATO. A FORMA COMO ESCREVE SUA LITERATURA É GENIAL. sOU FÃ.
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