domingo, 21 de agosto de 2022

TRABALHO DE SÍSIFO


"Os mergulhos retidos deixam, às vezes, estranhas cãibras":


Acordo mais outro dia, lavo o rosto, faço o café. Misturo com um pouco de leite e me acocoro no meu lugar escolhido de quase sempre.

Ouço galos, pássaros e insetos. Observo as árvores: oiti, mangueira, pé-de-vaca de flores brancas e arbustos de folhas verde-amarelas e outras com variadas flores vermelhas.

Cinco ou seis beija-flores e as plantas fazem a corte.

Vizinhos acordam. À suas histrionias levanto-me e saio pra trabalhar...

A vida tem valor. Quanto você pagará por ela? Tem dinheiro para remédios, Roupas, carros... Tem valor a vida.

O que eu queria era a vida valer por si, por ser vida. O que tenho - essa primeira pessoa do singular representa a primeira do plural - é vida a valer o que se tem.

De volta a casa, no caminho paro num mercadinho:

- Professor, u sinhô votou no B○|$●n@ŕø pra presidente?

- Claro que não.

- Então meus irmão vão ficá contente cunsinhô. Eu votei nele iaté hôji tão cunraiva dimim. Mas fui inganádu.

- Como pode ser enganado se ele nunca escondeu ser corrupto por sonegar impostos, ser racista e tudo mais de ruim?

Sem saber como me responder - eles nunca sabem; conhecimento está acima de suas capacidades - pago o que comprei e retomo meu caminho.

Na minha cabeça: Boçalnato tenta tomar o celular de quem segue seus passos: Wiker Leão, milico expulso do exército, por estar indignado com o - rerrerrê - mito.

Finalmente em casa.

Com um cálice de gin-tônica me sento no jardim. Ouvi o som da água. Era o vento nas árvores do morro perto e nos mais altos. Em seguida o som se elevou ao balançar as árvores próximas à mim. Tocada pelo vento minha pele arrepiou. De não sei onde uma gota caiu em minha face, entre o olho e a bochecha. Flores e folhas dançaram ao vento e quando cansadas repousaram no chão.


_____

Rubem Leite.

Pensado, sentido, vivido e escrito entre os dias 10 e 21 de agosto de 2022.

Citação e foto tirada de um trecho do livro A Queda, de Albert Camus.

Um comentário:

Glaussim disse...

A única coisa que temos nessa vida é o tempo. O tempo e acessos. Se observarmos a vida ela se faz num semáforo. Todos passam. Param. Voltam a seguir. Mas o maior bem é o tempo e o que fazemos com ele. Viajar. Ler. Contar histórias. Semear à sorte. Colher. O caos é gratuito pra quem não é prudente. Sejamos diligêntes. Continuemos poeta!