quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM – parte 2

Raymundo Magalhães
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Certa manhã, ainda com escuro, estava a rodinha formada, uns sentados no balcão, outros em caixas vazias de gás. Era em junho. Fazia um frio de bater o queixo. A cachaça corria com mais abundância e a palestra aumentava de animação, à medida que os copinhos se repetiam. A neve, como lá se chama a cerração, era tão espessa que não deixava ver nada a vinte metros de distância. Por isso, ninguém reparou na chegada do Zé Vicente, um lavrador de Pavuna, senão quando ele, depois de ter amarrado o cavalo à gameleira da porta, entrou na bodega, muito maneiroso, dando os bons dias e apertando a mão de cada um.

Seu Bento quis saber logo que novidade era aquela, porque aparecia ele assim de madrugada. Haveria doença em casa?

- Foi a mulher que quebrou o resguardo - explicou o Zê Vicente. Teve criança há três dias e estava passando muito bem, quando, ontem de noite, aconteceu uma desgraça...
- Que foi? que foi? - perguntaram todos ao mesmo tempo.
- Acho que foi um lobisomem. Pela meia-noite, ouvimos um bicho rosnar e arranhar a porta do quintal com muita força. A cachorrinha, parida de novo, deu logo sinal do lado de dentro e o bicho largou um grunhido que nos encheu de pavor. Talvez seja um guaxinim, disse eu à mulher. Quis-me levantar, sair fora, para ver que marmota era aquela, mas a Maria não deixou. Depois, mais nada. A Baleia calou-se. Pegamos no sono e, hoje de manhã, ao despertar, verificamos que à porta dos fundos estava aberta e o bicho havia comido a ninhada de cachorrinhos que estava na cozinha. A Maria jura que foi um lobisomem. Eu também acho que sim. O certo é que a pobrezinha tomou um susto medonho, quebrou o resguardo e, agora, está para morrer.

Seu Bento consolou o pobre homem sobre cujo lar desabava uma tamanha calamidade:
- Isso não é nada, Zê Vicente. Dá-se um jeito. Tenha coragem e fé em Deus.
Consultou demoradamente o Chernoviz:
- O remédio é um purgante de Leroy ou então Água Inglesa. Leve o laruá (era assim que ele pronunciava) leve o laruá e venha me dizer, amanhã, se a mulher melhorou.
Ninguém se atrevia a interromper seu Bento, quando ele tratava de medicina. Quem o fizesse, imprudentemente, podia ter a certeza de que o velho curioso esmagá-lo-ia com um olhar colérico e com esta simples apóstrofe - Filho!... Filho, apenas. Não dizia de quem mas todos sabiam o verdadeiro sentido daquele palavrão...

Zé Vicente guardou o remédio, pagou-o, despediu-se dos circunstantes e partiu a galope. Tomou-se mais uma rodada e os comentários, então, esfuziaram.
- Santa simplicidade! - observou seu Doca. - Quanta gente estúpida existe ainda por este mundo! Crer em lobisomem e almas penadas, em pleno século XX, no Século da
Eletricidade, só mesmo nesta infeliz terra! Mas, não pode ser de outro modo, porque o governo e a nossa Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, em vez de instruírem o povo, tratam de embrutecê-lo, cada vez mais, para que ele permaneça eternamente, a mesma besta, fácil de governar com um freio - quer esse freio seja o terror do inferno, quer o terror da lei!

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