Raymundo Magalhães
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- Não me mate, seu Targino! Não me mate que eu sou a Joana do padre Francisco.
Era a Joana mesmo, minha gente. Estava diante de mim nua em pêlo, suja de terra, com o sangue a escorrer de uma facada do lado esquerdo. Eu tinha desencantado a bicha...
- E depois?
- Depois a Joana confessou-me tudo. Era castigada, por ser amiga do vigário, há muitos anos. Todas as sextas-feiras, houvesse o que houvesse, tinha de cumprir aquela penitência: saía de casa, à meia-noite, e quando chegava a uma encruzilhada, tirava a roupa e espojava-se no chão como uma besta. Imediatamente, virava um bicho feroz e partia a galope para correr as cinco partes do mundo, até o dia clarear. Só de manhãzinha voltava a ser gente. Mas, agora, ficara livre de tudo, porque eu havia quebrado o encanto...
- Isso não foi sonho, seu Macedo? - perguntou um gracioso.
- Sonho? Eu também pensei que fosse sonho quando acordei no dia seguinte. Mas, logo me convenci de que tudo era a pura realidade. Fui à casa da Joana e encontrei-a muito doente, estirada numa rede. Dizia ela às mulheres que lá estavam que lhe tinha dado uma dor, de repente, numa costela, do lado esquerdo.
Mas, a mim, quando ficamos sós, pediu-me pelo amor de Deus, por alma de minha mãe, que não dissesse nada a ninguém. Jurei. E só agora, depois que ela e o padre já estão com os ossos brancos, é que eu me atrevo a contar a história.
Acabou, triunfante. Tomou o seu copinho de cachaça e saiu trôpego, apoiando-se à bengala.
- Cabra velho mentiroso! - disseram os outros em coro, mal o viram pelas costas.
- Mentiroso, sim, lá isso é - sentenciou seu Bento gravemente. – Mas, ninguém me tira da cabeça que, desta vez, o Macedo se esqueceu de mentir. – . Se essa história não é verdadeira, já vi coisa parecida.
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