quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM – parte 3

Raymundo Magalhães
http://www.dominiopublico.gov.br/

... o governo e a nossa Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, em vez de instruírem o povo, tratam de embrutecê-lo, cada vez mais, para que ele permaneça eternamente, a mesma besta, fácil de governar com um freio - quer esse freio seja o terror do inferno, quer o terror da lei!
Calou-se, desolado, com aquele desabafo, certo de que ninguém compreendia a beleza do seu pensamento. Bebeu mais um copinho. Zangou-se por se julgar um incompreendido, no meio daqueles matutos broncos e passivos. E, de zangado, engoliu, logo em seguida, outro copinho. Irra!

- Esta mocidade de hoje - disse o velho Macedo. - Esta mocidade de hoje não crê mais em nada. Por isso é que o mundo está perdido e acontece tanta desgraça feia... Se até os meninos como você, Doca, já são ateus, maçons, dizem que Deus não existe... Pois fique sabendo, moço, que Deus está lá em cima e que há muita coisa, muita coisa... Almas do outro mundo, lobisomem, tudo isso é verdade. Eu nunca vi alma, mas lobisomem já topei um...

Explodiu uma gargalhada na roda. Seu Macedo, um velhinho pequenino, melgaço, de olhos azuis, cabeça enorme, era conhecido como o maior mentiroso das redondezas. Não abria a boca que não fosse para contar histórias de onça, cada qual mais estapafúrdia, e ficava furioso, quando punham em dúvida a sua palavra. Como, de resto, as suas mentiras não faziam mal a ninguém, não passando de arrojadas fantasias, todos gostavam de ouvi-lo e muitos o estimulavam a contar casos maravilhosos.
- Pois conte, lá seu Macedo, conte lá a história do lobisomem. Vamos.

- Foi em Santa Quitéria, meninos. Vocês sabem que eu sou daquele sertão, de onde vim para aqui na seca dos três sete. Eu era rapaz moço, dos meus dezoito anos, e nesse empo não tinha medo de nada. Corria atrás de boi no mato fechado, matava onça de faca, pegava cascavel pelo pescoço e quando ela abria a boca para morder, cuspia-lhe dentro mel de fumo. Depois soltava a cobra. Ela estrebuchava, estrebuchava, e morria. Eu era doido varrido... E se havia coisa que eu tivesse vontade de ver de perto era um lobisomem. Se fosse possível, até pagava para me encontrar, frente a frente, com um bicho desses. Queria tirar-lhe o encanto. Como vocês sabem, o lobisomem é perigoso, mas basta que a gente o fira, mesmo de leve, com uma faca, de ponta, para ele desencantar. Pois bem. Parece que foi mesmo um castigo. Uma noite, escura como breu, eu vagueava sozinho, pelas ruas da vila, levando como única arma uma faquinha de cortar fumo, um quicé à toa...

Fui andando, fui andando, perfeitamente calmo, sem encontrar nada no caminho, a não ser uma ou outra rês deitada na rua e que se levantava à minha passagem. Cheguei assim até perto do patamar da matriz, quando um bicho medonho, quase do tamanho de um jumento, com os olhos de fogo e dentes enormes, se botou a mim, como se me quisesse devorar. Tomei um susto pavoroso. Pulei para trás como um gato. Só tive tempo de gritar pelo nome de Nossa Senhora e arrancar o quicé. O bicho estava em cima de mim, danado. Mandei-lhe o ferro de rijo. As primeiras facadas perderam-se e o maldito, de um tapa, arrancou-me o peito da camisa. Fugi o corpo de banda e toquei-lhe a faca mesmo com vontade. Nisto ouvi um grito horroroso, que me fez arrepiar os cabelos.

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