quarta-feira, 8 de abril de 2009

AMIGOS ÍNTIMOS

Somos amigos. Estava atravessando uma pinguela e escorreguei. Quando ia caindo ele me segurou. Foi assim que a gente se conheceu. Meses depois nos vimos outra vez e batemos um papo legal. Mais um mês depois, eu acho, talvez dois, a gente se esbarrou no cinema e após o filme fomos comer alguma coisa. Eu, ele e as menina que a gente levou. Ele tava sem grana então banquei a coisa toda. Fiquei sabendo depois que nem almoçado aquele dia ele tinha. Uai! Ele foi no cinema porque mulher cê sabe, né. Teve que guardar o dinheiro do almoço pro filme. Não me lembro que filme era não. Tava mais interessado em amassar a menina que no filme. Rirri. Ele tava desempregado. Foi bom ver ele, acho. Uma semana depois ele lamentou em meus ombros o fim do namoro. Fiquei contente não sei porque, mas consolei ele dizendo que mulher é que nem biscoito... come uma e depois mais oito... Rirri. Eu também passei por maus momentos e ele me ajudou também. Fomos ao futebol várias vezes. E jogamos um monte de peladas junto. Bons companheiros. E assim nossa amizade foi crescendo. Mas é claro que somos amigos... Ou fomos, sei lá. E a nossa amizade foi ficando maior e a gente se conheceu. Amigos íntimos. Bem, amigos mesmo, de intimidades. De verdade. É! Mas ele é gringo. Veio pro Brasil moleque, na época de conhecer as meninas. Rirri. E o seu país, Paraguai, exporta muito pra cá. E ele começou a ser muambeiro e foi ficando cada vez mais conhecido no pedaço. Ele é bom de lábia. Sabe encantar as pessoas. Me encantô! E estava concorrendo com nós. E o chefe... Meu chefe? Uai, meu chefe é o Azul Bamba. Cá pra nós... Acho ele, o Bamba, meio bambi. Rirri. Também pudera. Gostar das azulinhas... Rirri. O chefe? Bem, o chefe mandou apagá-lo. Eu não queria. O cara é camarada. Só que amigos, amigos, negócios a parte. Sim! Eu fiz isso. Apaguei ele. Por quê? E ainda pergunta? Ai! Aiai! Ta bom, desculpa. A gente era amigo, mas ele estava dando preju, ora. Eu fiz assim: Fui. Chamei ele para umas cervejas e depois uma esticada. Vamos nos encontrar com umas meninas, falei. Aí. Bem, enquanto távamos pra começar o bem bão eu “pá”. Uma só, certeiro no peito. Seu olhar ta gravado na minha retina. Ele descendo na cama. É descendo. Não desabou não. Tava sentado e deitou lentamente, acho. Não sei. Acho. Ajoelhei. Peguei sua mão. Dei uns soluços. E com sua mão ainda na minha sentei ao seu lado. Uma lágrima escorreu do meu olho e caiu no rosto dele. Mas aí foi demais. Chorar por homem? Mas chorei. Tenho vergonha de ter chorado, mas confesso. Para um homem que nem eu, nada é pior que chorar, principalmente por um homem, mesmo que seja amigo. Bem! A lágrima caiu no seu rosto, já disse, e aí ele parou de respirar. Continuei segurando sua mão. Mas já não tinha lágrima mais não. Nem sequer um soluço. Mas continuei segurando sua mão. A esquerda, mais perto do coração. Beijei ela. Ta olhando o quê? Acha beijar a mão pior que chorar? Acho os dois muito esquisito, mas fiz. Não sei porque. Depois levantei. Saí. Vocês ouviram o tiro. Ah! Foi alguém no motel que falou pro cês. Bem. Agora to aqui.



Na minha cabeça a estória acontece no seguinte cenário:
Entre uma e quatro horas da manhã; sentado sobre um caixote de madeira; sem camisa e com mãos algemadas para trás numa sala escura da Delegacia confessando para três policiais.



Trecho d’A Entrevista do Pasquim (Entrevista realizada em Paris, em fins de outubro de 1.978, e publicada no Pasquim nº 490, de 17/11/78) e que retirei da publicação “Pasquim apresenta: Fernando Gabeira” – editora Codecri – 3ª edição – e que me inspirou o conto acima:

Gabeira – “... Dentro da casa estabeleceu-se que iríamos contar o que havia ocorrido para o Embaixador. A gente procurou dialogar todo o tempo com ele e em momento algum o enganamos. Até torcíamos juntos. Quando o manifesto saiu fomos correndo pra lá: ‘Saiu o manifesto’! Nós e ele íamos ficando cada vez mais salvos”.
Ziraldo – “Vocês ficaram amigos?”.
Gabeira – “Claro. A gente não queria matá-lo e ele também não queria morrer”.
Ziraldo – “Vocês elegeram um executador?”.
Gabeira – “Não, era o cara que estivesse de plantão”.
Ziraldo – “E se fosse você?”.
Gabeira – “As vezes imagino isso, mas creio,,, era o que eu tinha que fazer, né”.

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