terça-feira, 17 de novembro de 2009

O DIA

Rubem Leite – 15-16\11\09

Ver o conto "O Grande Dia".

Escrevo ouvindo Ronda Alla Turca, de Mozart; e outras músicas.


- “Miriiinha! Vem para casa”. Chama dona Ringa.

- Essa menina é estranha. Parece, Deus me livre e guarde, sapatão.

- Mããe!

- Ai, filha, desculpe. Mas ela só faz coisa de homem. É correr, é pular de bicicleta, é jogar bola.

Enquanto isso, a garota perseguia um moleque de quatorze, dois anos mais velho que ela. Acabaram de trocar socos e ele perdia.

- Miriiiiinha!

Mas ela se encontrava longe e como o rapazinho conseguiu chegar em casa Mirinha resolveu voltar para sua. Passando pela praça viu o Dr. Lucas saindo da igreja após o Ângelus. Homem bonito de quase quarenta anos, médico assediado pelas mulheres. De vez enquando ela escuta no salão da mãe as clientes falando que iriam sair com ele no próximo fim de semana e que dessa vez o fisgariam. Mas nunca conseguiram. – Engraçado! Ouvindo os pensamentos de Mirinha penso que a vida é um rio. Homens são fisgados e mulheres são peixes carnívoros. Será a vida assim? – Voltando à menina: Pela primeira vez alguma coisa se mexeu em Mirinha. Algo no Dr. Lucas a fez sentir estranha. Algo estranhamente gostoso. Enquanto conversava com Dr. Rimo, o advogado, chegou um rapaz. Lindo. Vestia terno. Muito alto, forte, tinha uns vinte anos, olhos e cabelos cacheados da cor do mel, lábios grossos e vermelhos. Se algo no Dr. Lucas mexeu em Mirinha uma coisa mais, muito mais forte chegou até a fazer um estrondo dentro de Mirinha. Sentiu um calor úmido em um lugar pouco observado por ela até então. Entram os dois no carro do médico.

- Que isso, Mirinha? Por que está vermelha desse jeito?

- “É que corri muito”. Falou e foi direto para o quarto. Do quarto foi para o banheiro tomar um banho que não a refrescou. Algo nunca dantes sentido lhe abrasou ainda mais enquanto se ensaboava. Ofegando ela não tirou a mão. Arfando aumentou a pressão.

- Mirinha! Tudo bem?

- Ahh! Sim!

- Então que demora é essa? Quero tomar banho também. E daqui a pouco seu pai chega e também vai querer entrar.

Pela primeira vez sem comer direito ela vai deitar. O sono interrompido pelo rosto do rapaz. “É o sobrinho do Dr. Lucas que lhe serve de motorista enquanto faz a faculdade”. – A voz de uma cliente ressoa em seu crânio – “Que gatinho é o menino”. Para ela o rosto do Dr. Lucas sorri. Para ela o rapaz tira o paletó. Sem perceber Mirinha se senta enquanto o rapaz tira a camisa. Que peito lindo, mamilos vistosos, músculos fartos. A mão do Dr. Lucas acaricia os cabelos de Mirinha fazendo-a deitar outra vez. O rapaz tira os sapatos, as meias, a calça preta, a cueca branca. Que pés lindos, grandes. Ela quer ver o que os homens têm, mas só vê os pés, as mãos, os rostos, os corpos perfeitos do Dr. Lucas e – arfa e ofega – do rapaz – ouve dentro de si o 1º Movimento de Allegro, de Mozart, e sua mão explorando sua intimidade.

- “Aaai”! Grita a menina quando o sol lhe toca.

- “Que foi, filha”? Entra no quarto o pai assustado.

- Estou sangrando...

Mudo e de olhos arregalados sai o pai deixando sua mulher com a filha.

- Ora, Mirinha. Fique calma. Vai me dizer que nunca estudou sobre isso na escola?

- !!!

- “Sim. Você acabou de virar mocinha”. E têm uma longa conversa que Mirinha pouco escuta pensando nos dois homens que julga serem seus. Os homens de sua vida.

Falta a escola como um presente pelo seu importante dia. Assim que a mãe sai do quarto, Mirinha se conhece mais um pouco com o indicador e não para de ouvir Mozart. Agora é Ronda Alla Turca.

- Filha, fui à farmácia e trouxe para você.

- ???

- “Ah! Minha filhinha agora já não é mais menina”. Fala com uma lágrima e com um sorriso continua “Agora ela é uma mocinha”. Ensina Mirinha como se usa e vai cuidar dos afazeres domésticos deixando a filha ouvindo Mozart e lendo algo.

Ouvindo músicas, lendo e se conhecendo ela passa o dia.

- Não está doendo?

- Não!

- Que bom. Você é igualzinha a mim.

- Vou sair mãe.

- Para onde?

- Na praça.

- Mas vê se não demora.

Mirinha vai direto para a casa do Dr. Lucas. Tudo é um só silêncio então volta para casa. Onze horas ela sai enquanto os pais dormem. Ninguém em sua rua. Da frente da casa do médico se ouve Mozart. Mirinha sorri. Ouvindo a canção da Pantera Cor de Rosa (que Não é de Mozart), pula o muro, que não é alto, e volta a ouvir Mozart. Sobe numa árvore e vê o rapaz sem camisa e de cueca olhando para as estrelas na noite sem lua. Mirinha começa a acariciar as pequenas saliências em seu peito e movimenta os quadris no galho entre suas pernas onde está empoleirada. – Júlio! – ouve a voz do médico. O rapaz olha para trás sem sair da janela. O médico se aproxima, encosta-se nas costas do garoto que sorri. Mirinha se espanta. Dr. Lucas desliza sua mão pelo peito do garoto que fecha os olhos, faz cafuné em seus pelos e abaixa a cueca de Júlio. Da árvore Mirinha só saiu quase ao amanhecer.


- Bom dia, Dr. Lucas. Minha filha quer se consultar com o senhor.

E no quintal o cajueiro vê suas flores se converterem em frutos do mais suculento caldo.

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