terça-feira, 24 de novembro de 2009

O GRANDE DIA

Rubem Leite

21\11 à 24\11 de 2009

Ver o conto “O Dia”.

E escrevo ouvindo Tchaikovsky.


- “Quando crescer vou me casar e morar aos pés de uma linda, florida e silenciosa montanha. E da minha cama poderei ouvir um riacho. Os únicos sons, quase todos os dias, serão o dos pássaros e do riacho”. Era o que Mariinha sempre dizia para sua mãe.

Uma tarde, no jardim, sem que ninguém visse, a roseira branca floriu pela primeira vez ao som de suas palavras. Bem, eu vi. E conto para você. E aquele botão, acredite, nunca mais murchou. É verdade. Eu juro. Já tem uns dez anos e ele continua lindo.

- “Bom dia!”. Diz segurando a moça prestes a cair.

- “Obrigada!”. Sem graça ela se recompõe.

- Ali tem um banco. Se estiver nervosa poderá descansar.

- “Não, obrigada! Eu...”. Antes de falar que era estabanada o rapaz a interrompeu: – “Piso terrível. Sempre tem alguém escorregando... Eu sou Elísio Campos Tártaro”.

- Eu sou Mariinha Hebefrênia.

- Já terminei as compras que vim fazer. Vamos dar uma volta?

- Eu também. Ah! Vamos.

- A Cia Bruta de Teatro apresentará hoje o espetáculo A Marca do Corvo, do Grupo Tralha. Tem uma base em Kafka. Quer ir comigo?

- Ah! Não sei...

- Sei que somos estranhos, mas será um bom modo de nos conhecermos. Garanto que sou um bom rapaz.

Encantada pelo rapaz de pele branca tão contrastante com a sua, de imensos olhos e cabelos negros como nunca antes visto por ela e por, eu acho, ninguém. Um rapaz tão bonito. Alto. Forte... Foram assistir ao espetáculo. E ela voltou para casa sã e salva. Mais respeitada do que queria. No dia seguinte, ao lado da rosa branca, havia outro botão. O primeiro a fazer companhia à solitária flor. No sábado seguinte o rapaz foi à casa da nossa amiga. Os dois ficaram conversando no jardim e ela contou o mistério da roseira. E o rapaz sorriu. No dia seguinte, mais um botão. Mais duas semanas e o nosso caro amigo vai com Mariinha para o cinema. Depois jantam num lindo restaurante e seguindo à vontade dela vão os dois para um motel. No dia seguinte, quando chegam em casa, observam mais uma rosa. Ambos sorriem e ele vai embora. Regularmente os dois se encontram. Uma semana sim e outra não. Às vezes ficam duas semanas sem se ver e outras se vêem quase todas as noites. E a roseira sempre fértil de rosas imurcháveis. Até que.

- Seu Ricardo. Dona Ringa. Tenho a honra de pedir a mão de sua filha em casamento.

- “Só a mão eu não dou. Se quiser tem que levar ela inteira”. Todos riem diante da inevitável batida piada.

E a roseira se cobriu toda com as flores mais alvas.

Mais seis meses e Mariinha fez vinte e três anos. Na festa Mariinha dançou com Pedro, João, Richard, Nicinha, Claudinha e Walter que gosta de ser chamado de Uálter. Dança com Dr. Lucas e com Júlio. Ambos estão sérios. Quase tristes. E com seu noivo dança todo o fim da noite sem desviar os olhos do negro olhar do seu amor.

- Amor! Tenho que te confessar algo...

- Não é preciso me dizer nada. Eu te escolhi.

- É que... Eu não sou mais...

- Moça?

- É.

Sorrindo ele diz “Não importa. Eu te aceitei muito antes mesmo de você me ver”. Enlevada ela encosta sua cabeça no ombro amado.

Dois meses depois sobe ao altar da igreja de Nossa Senhora da Rosa Mística ao som da Ave-Maria. Trajava um vestido branco com discretos detalhes em rosa e azul. Em suas mãos um buquê da roseira branca de seu jardim. No altar o noivo todo sorriso branco num terno negro.

- Elísio! Você ainda não me revelou onde será nossa lua de mel.

Sempre sorrindo “Será no lugar de seus sonhos. Nossa lua de mel será em nossa casa. Aos pés de uma linda, florida e silenciosa montanha. E da nossa cama você poderá ouvir um riacho. Os únicos sons, quase todos os dias, serão o dos pássaros e do riacho”.

Sorrindo entraram no carro onde Mariinha adormeceu ao som da voz do amado. Em paz descansa até hoje sob uma linda laje de mármore branca tendo ao redor umas poucas lajes negras, róseas ou marrons. Um coro de pardais, de bem-te-vis, sabiás, curiós enlevam seu sono aos pés de uma montanha rochosa num campo verdejante com incontáveis canteiros e um cristalino riacho.

E na casa dos pais de Mariinha uma linda roseira com flores que nunca murcham.

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