quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

VOCÊ É QUEM?

Rubem Leite

04-02-10


Ofereço aos meus queridos amigos

Cida Pinho, grande poeta

e Alexandre Luna, Produtor Cultural

como um presente de aniversário.


Casal 1:


Bam bam bam. – Batem na porta. Esmurram-na.

- Abram! Sabemos que aí tem pária infecta.

Encolhemos num canto. Olho para a janela.

- Vai! Ainda tem tempo. – Falo e ela me olha nos olhos. Abraça-me com uma lágrima enquanto a porta é arrombada.

- Quem é o pária infecto? – Pergunta com os testes nas mãos.

- Eu! – Respondo. Antes de poder continuar:

- Nós! – Ela responde. Olho surpreso! Apavorado por ela.

- Não! Ela é saudável.

- Somos os dois. Não adianta me poupar, amor. – Sempre olhando para os Lixeiros (assim são chamados os enfermeiros que nos caçam). Estende a mão, o braço e continua: Podem fazer os testes.

- Vamos embora. Se confessaram não é preciso testar. Temos muito lixo a recolher ainda. Vamos embora. – diz o segundo Lixeiro.

Tento argumentar, mas como? Eles a matariam se eu ficar prolongando conversa.


Casal 2:


Estou tremendo. Lágrimas nos olhos.

- PÁRIA INFECTA! – Ele me grita. – PÁRIA INFECTA!

Antes disso:

- Eu fiz o teste semanal e estou limpo. E você?

-

- E você! Tá limpa?

- Es-estou!

- Está limpa? Mesmo?

- E se não tivesse?

- Faria o que a lei manda.

- Amor!?

- Está limpa?

- Teria coragem de me mandar para o matadouro?

- Preciso cuidar da minha vida. Minha saúde. Minha segurança.

- Amor!?

- Está limpa?

- Nã-não!

- PÁRIA INFECTA! – Ele me grita. – PÁRIA INFECTA!

- Amor...

- Amor? Acha que posso amar uma imunda feito você?

- Por favor...

Vai para o telefone.

- Não! Espere! Deixe-me ir pelo menos.

- Tem uma pária infecta aqui. Venham rápido antes que me suje.

Não estou tremendo. Lágrimas nos olhos. Só lágrimas.

Bam bam bam. – Batem na porta. Esmurram-na.

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