quarta-feira, 9 de junho de 2010

DUAS POMBAS

Rubem Leite

Na madrugada do dia 09 de junho de 2010

sonhei com o que deu base para a fábula abaixo.


Duas pombas. A pomba-pai, o Dr. Pombo, era branco com uma asa preta e a outra branca e preta. A pomba-filha, a Pombeth, tinha na cabeça seis penas brancas, compridas e caídas como se fossem cabelos e em suas pontas ela tinha prendido cenouras muito alaranjadas para ficar uma adolescente com cores atualizadas. Tinham acabado de estudar uns livros que, não sendo de auto-ajuda, realmente inspiram. Pombeth aprendeu principalmente que “As minhas obras, não sou eu quem as realiza, mas a força de Deus-Pai, que permeia os céus e a terra”. Já o Dr. Pombo aprendeu principalmente a importância de “Anular totalmente o ego”. Mas o que isso tem a ver com nossa estória? Tem a ver que Pombeth tinha uma fobia estranha. Tinha pavor de voar. Numa bela tarde de um domingo primaveril subiram no alto de uma casa de três andares.

- Vamos filha, coragem.

- Ai! Eu não consigo. Não quero.

- Vamos! Você consegue.

- Estou com medo. Não quero.

Enquanto isso três gatos – Um amarelo com a orelha direita rasgada; outro branco e preto com o canto do olho esquerdo rasgado (graças ao Grande Gato não ficou cego); ambos grandes e magros. Na verdade, magérrimos. E o chefe. Um gordo e imenso gato de madame. Preto com coleira de couro legítimo enfeitado com parafusos da mais cara prata. Em casa era um doce. Nas ruas... – se aproximaram sogateiramente (como diz Rubem Alves no livro O Gato que Gostava de Cenouras, sorrateiramente é coisa de rato.) para se divertirem. Os dois gatos magros até que estavam com fome, mas o Fofo era só para passar o tempo. Ele sempre dizia “Tudo posso. Não sou pobre”. Dr. Pombo, sendo delegado de polícia percebeu pelo canto do olho o perigo e com seus pesinhos segurou a filha, o que lhe mostrou na prática como voar, e a ajudou a descer.

- Aaaaaiiêêêêê! – Gritou a pombinha enquanto desciam. Suas penas-cabelos espalhadas ao vento.

- Vamos, minha filha. Entra aí nesse cano.

Era um cano suficientemente largo para os dois. Entraram! E os três gatos rapidinhos já estavam lá. Fofo, por ser, digamos, muito fofo não conseguiu entrar. Então mandou Zoim, que era o mais magro. Acho que é perfeitamente possível saber qual gato é ele, né. Isso! O branco e preto com a pálpebra rasgada. Ele foi se espremendo, espremendo até caber. Na metade do cano havia uma curva fechada, impossível para um gato espichado, digo, comprido. E para voltar? Foi um custo, mas saiu, graças a Deus. Não! Eu não quero a morte dos vilões de nossa estória. Quem gosta de sangue são os “USA e Abusa”. Mas para quem é partidário de castigos, lhe darei um gostinho. Quando conseguiu sair viu que estava só. Ninguém ficou para ajudá-lo, apoiá-lo. Acha pouco? Ver que não tem amigos ou alguém com quem possa contar? Mas chega de falar dos gatos que não é o foco de nossa estória. Dr. Pombo e Pombeth entraram pelo cano, mas num sentido positivo. Atravessaram e saíram no interior do prédio onde estavam.

- Vamos para casa.

- Ah não, pai. Quero tentar. Dessa vez eu sei que vou conseguir.

- Se você quer, então vamos. – Disse feliz pela persistência da filha.

E o final você já sabe. Subiram. Pombeth olhou para baixo, olho para o alto, olho para a frente, abriu as asas, deu dois pulinhos e sem olhar deu mais um pulinho e voou. Com suas penas-cabelos enfeitadas com cenouras engraçadamente no ar pareceu despencar no início, mas voou. Um belo vôo de pomba.


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