quarta-feira, 23 de junho de 2010

O PÃO NOSSO DE CADA DIA

Início da noite de 22 de junho de 2010

Ofereço aos meus queridos aniversariantes:

Thiago Lopes – Palhaço Graveto;

Ana Cristina – grandiosa cantora;

Guilhermina Maria.

Caminho de minha casa para o bairro vizinho para comprar o pão de amanhã. Á minha direita, o kartódromo, e à minha esquerda, o mangueiral. Atrás, escuto o pastor pregando e com sua voz gemida, sofrida, agoniada – voz de cristão – profere glórias e aleluias a torto e a direito.

- Aleluia irmãos! Aleluia que o diabo em vem.

Compro o pão e volto para casa pensando no muito que ando fazendo, no pouco que estou recebendo e nas críticas que me fizeram dizer “Esperava por isso mesmo. O que não falta é gente muito disposta a reclamar e pouco a trabalhar”.

- Ei! Ei! Ei!

Ouço passando pela minúscula pracinha pouco olhando para ela. De trás dos seus muitos arbustos é que veio a vós grave andando de lado. Quero continuar, mas como ficou óbvio por eu ter-lhe dito “quero continuar”, é claro que parei e o homem se aproximou.

- Irmãozinho! Estou querendo que me ajude. Sou baiano do Norte do Brasil. Estou sem graça, mas fazer o quê? É melhor pedir que roubar. Que o senhorzinho acha?

O homem é pelo menos vinte centímetros maior que eu e bem mais largo. É notória sua força física superior. Para tão perto de mim que incomoda minha vista. Seu cheiro é ruim, mas não parece ser por falta de higiene e sim por falta de oportunidade de se banhar. Não sei, mas é o que me pareceu. Apesar dos incômodos que sinto mantenho-me firme sem me afastar e apenas sustento o seu olhar mostrando a força do meu.

- Senhorzinho! Estamos viajando tem bastante tempo e nem sei como a gente veio parar aqui. Estive na Prefeitura, irmãozinho, e estou aqui. Não consegui lugar para passar a noite. Irmãozinho, estou sem saber o que fazer e vamos ter que passar a noite aqui – com o gesto mostra a praça – e estou querendo sua ajuda, senhorzinho. Sou capixaba e acabamos de chegar. Será que o irmãozinho consegue comprar pão para nós?

- Sim! Vamos!

Volto para a padaria e ele me segue falando e falando. Nas poucas vezes que precisei de algum favor eu ficava indeciso entre falar para esconder minha vergonha ou em me calar por achar que isso incomoda.

- Escolha!

- Qualquer coisa?

Concordo com a cabeça.

- Somos três. Posso pegar um pão para cada?

- Quer leite também? Para a criança.

- Posso? Então quero.

Ele pega os pães e pergunta com muitas palavras se pode levar refrigerante no lugar. Deixo, claro, já que dei-lhe liberdade para escolher. Com muitas palavras dele a gente sai. É bom ter pessoas que falam muito. Isso nos tira a obrigação de falar e, em alguns casos, até de ouvir.

- Vou orar por você.

Não tenho tempo de agradecer

- Qual é seu nome?

Não tenho tempo de responder

- Você é um rapaz sexual?

Só o olho espantando para o rumo da conversa. Mas estranhando a expressão usada.

- Você é um rapaz sexual? Você parece não perder tempo

- Como assim?

- Somos irmãos e o importante é que Jesus olha por nós. Vou orar pelo senhorzinho.

Consigo me despedir e começando a andar ele diz

- Jesus te acompanhe.

Caminho do Novo Cruzeiro para minha casa com o pão de amanhã. Á minha esquerda, o kartódromo, e à minha direita, o mangueiral. À frente, escuto o pastor pregando e com sua voz agonizadora, rancorosa, de ódio – voz de cristão – expulsa o diabo

Sai demônio do estômago dela.

Sai demônio do fígado dela.

Sai demônio da Uruguaiana dela.

A mulher, parece, estava toda infestada. A última expulsão dele que ouvi foi de seu cérebro. Em casa, volto a ler. Tim, de Collen McCullough; A Sombra do Vento, de Carlos Ruiz Zafón; Nudez Mortal, de Nora Roberts; e Harry Potter e as Relíquias da Morte, de Rowling. Depois vou dormir e agora falo com você.


Um comentário:

Francisco Domiciano disse...

O absurdo e a graça andam de mãos dadas. Às vezes até se confundem. Unidos e separados ao mesmo tempo. Bem próximos. Mas são únicos!
Abs,
Chicão