terça-feira, 30 de agosto de 2011

DIA QUINZE VEM AÍ

Obax anafisa.


Cinco horas da manhã saio parar passear com Haicai, Decidido e Vitório e na porta de casa já me esperavam Ouro e Elvira Lata, os cachorrinhos de rua que alimento, mas que não fico pela absoluta falta de espaço em meu apartamento unida aos três cachorrinhos que já tenho e às três pessoas que moram comigo. Penso no que ouvi na reunião¹ que o Prefeito, sr. Robson, marcou com o Conselho Municipal de Cultura e proponentes de projetos aprovados pela CMIC². Creio sem sombra de dúvidas que a frase que define toda a reunião foi dita pelo Procurador Geral Heyder Torre: “Eu não estou sendo político. Estou sendo verdadeiro”. O problema é acreditar se ele e os demais estão sendo verdadeiros ou se estão sendo políticos. Enquanto penso sou interrompido por um rapaz baixinho, levemente gordinho, não difícil de ser visto por não ser feio sem ser bonito. Ele surge da esquina, não vindo em minha direção se aproxima.

- Senhor!

Olho.

- Senhor, poço fazer uma pergunta? Não é dinheiro, não.

Aproxima-se de mim uma vez que não me afastei.

- Não é dinheiro não. – Movimenta as mãos de um modo desordenado, afeminado. E pelo que vi em outras ocasiões, não acho que ele seja guei. Penso, não sei, que o craque atingiu-lhe a coordenação motora. Entre as muitas mulheres afetadas pela pedra, ele é o segundo homem que vejo descoordenado – Pode me arranjar comida? O senhor sabe do meu vício. A assistente social deve nos mandar para outro lugar hoje. Pode me arranjar comida? Por favor, pão não. Comida mesmo. Eu e minha mulher estamos precisando de comida. Precisa nem esquentar não. Pode ser fria mesmo. Se puder arranjar leite para minha mulher. É para desintoxicar. Ela está grávida.

- Espere um instantinho.

Subo pensando se a promessa do prefeito de liberar integralmente o dinheiro no dia quinze de setembro vai se cumprir. O homem convidou o Conselho Municipal de Cultura para uma discussão onde propôs descontar vinte e cinco por cento (depois mudou para quase vinte por cento) de cada projeto para repassar esse valor para o Festival Roda Viva. É claro que o Conselho discordou. Aliás, o Roda Viva também. Ficando claro para nós – Conselho e Roda Vida – que foi, é um meio de nos colocar um contra o outro. Luzia de Resende disse “Aceitar isso é ser conivente com desvio de dinheiro, uma vez que dinheiro tem; só não se sabe onde eles o colocaram”. Refletindo assim pego arroz e esquento com macarrão, as únicas coisas que temos a essa hora da manhã, enquanto ponho leite para os cachorrinhos. Lavo uma vasilha, de sorvete, ponho a comida para os dois, leite num copo descartável e café com leite em outro. Desço com o leite para a mulher e a comida para os dois. Volto e desço com café com leite para o rapaz e leite para os cachorrinhos de rua que alimento. Medito no que está sendo falado a boca pequena: a Secretaria de Cultura vai chamar os proponentes dos projetos aprovados, um por um, dizendo que vai liberar apenas oitenta por cento do valor para repassar a diferença para o Festival. Ficando claro, também, que é um meio de nos desarticular. Elvira está a minha espera perto do casal. Não sorrio para eles, tento, mas não consigo sorrir para a miséria. Eles não são a miséria, mas são o rosto dela que vejo hoje. Tento. Não consigo. A mulher fala com voz fraca de sono e fome “É muito ruim querer e não poder comer”. Respondo “Imagino que sim” pensando “Não consigo saber”. Elvira terminou o leite, pego a vasilha, peço licença aos dois e vou para casa tendo na cabeça, além do casal, a ideia de nos articularmos assim: dia 31 de agosto o Conselho irá se reunir, mais três proponentes, com os “órgãos competentes” da prefeitura, e no dia dois de setembro. Sexta-feira, todos os proponentes entregarão a readequação do seu projeto ao mesmo tempo, às dezessete horas (02/9 às 17h).

Com todas essas coisas na cabeça me arrumo para o dia.


Escrita entre a madrugada de 08 a 30 de agosto de 2011.

Ofereço como presente de aniversário à

Luana Rodrigues, João M. Ferrabbiamo, Matisael Lima e Cleverton Nunes.

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Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

¹ Reunião marcada pelo próprio Prefeito para 10h de dez de agosto de dois mil e onze (10-8-2011) e que ficamos esperando para ser atendidos até quase 13:30h.

O resultado é que foi definido que dia quinze de setembro sairá o dinheiro dos Projetos que deveria ter saído em fevereiro.

² CMIC = Comissão Municipal de Incentivo à Cultura.

Um comentário:

Carlos Passos disse...

Bacana o cronto...rsrsrs...Infelizmente todas essas situações "crontadas" fazem parte do efeito colateral gerado pelo voto inconsciente do POVO!!!
E cabe a nós - a classe: em sua minoria - acabarmos com a fome, seja física ou cultural. E cabe ao povo: Voto Consciente!!!