“O Sol é ‘Deus’.
Somente Deus é satisfação perfeita”.
(Seicho-No-Ie).
Obax anafisa.
Início da manhã em Júpiter:
Na cabeça de Breguinha Brandão as colegas, ao som melodioso de risadas, dançam uma coreografia de dedos apontados enquanto ela entra desajeitadamente na sala com seu vestido azul remendado de todos os dias. Cabeça baixa, olhos não mais marejados de tão acostumados. Sem maquiagem nem o micro chortinho dins e camisa de mangas compridas para o frio de junho-julho que todas as meninas usam.
Início da manhã na Terra:
Na cabeça de Riquinha Brandão as colegas, ao som melodioso de risadas, dançam uma coreografia de dedos apontados enquanto ela entra elegantemente na sala com seu vestido alvinegro remendado, limpo e passado de todos os dias. Cabeça erguida, olhos brilhantes. Sem maquiagem nem micro chortinho dins e camisa de mangas compridas para o frio de junho-julho que todas as meninas usam.
Fim de tarde em Júpiter:
Drog tenta namorar Gata Wordman, colega de Breguinha, que inicialmente está interessada, mas desiste por ver que ele é um usuário de drogas, já viciado.
- Gata! Amar você é loucura e não tem psiquiatra que me cura.
Gata sorri. Encorajado Drog continua
- Você é o ovo frito de minha marmita.
Gata dá um sorriso que se apaga e que o rapaz não entende.
- Essa roupa ficaria ótima toda amassada no chão do meu quarto amanhã de manhã...
Gata não sorri e o tonto não percebe.
- Vou te roubar para mim, porque roubar para comer não é pecado.
- Dá licença que não tenho tempo para perder e quero estudar para ser freira.
Início da noite em Júpiter:
Com sua turma, Drog fuma maconha, cheira cocaína e bebe vodca com rum no Parque Ipanema e vão à casa de Gata para uma serenata.
- Gaata. Ô Gaaata!
Com ela na janela, escora-se na parede e grasna “Amar não é pencadu e sieu tivé erradu quissedani Deus, digo, quissedani u mundo eu quero é voncê” e cai no chão. Enquanto a turma o larga o pai da garota chama seu Joaquim Manuel de Algarves, pai do rapaz que o acorda com um chute:
- Mas o que é esta vergonha?
- ...
- Mais uma vez eu tenho que te buscar?
- ...
- Cala a boca!
- ...
- Por que você está aqui? Fala! Vamos fala!
- ...
- Cale a boca! Sabe de uma coisa? – Começa a tirar o cinto.
- Não, pai! Por favor, não!
- Cale a boca! Você está assim porque sua mãe te dá muita asa. Mas eu vou cortá-las agora.
- Não, pai! Eu não fa...
- Daqui para frente você vai mudar. Mudança ou morte!
Meio da manhã seguinte em Júpiter.
Gata, colega de Breguinha que mais a ridiculariza, vê suas amigas mais íntimas, Antônia e Mel, se beijando.
- É o meu primeiro beijo. – Pensa Antônia.
- É o nosso primeiro beijo. – Pensa Mel.
E sempre em pensamento:
- Sinceramente é muito bom.
- É muito bom. Mas sinto vergonha, nervosismo.
- Ai! Eu me sinto tão nervosa. Um nervoso bom...
- Sinto vontade de chorar. De gritar.
- Acaricia minha cintura enquanto a beijo timidamente.
- O sorriso dela. Os seus cabelos, seu jeito de falar. Tudo me encanta.
- Que lábios lindos. Os dela. Tem um gosto doce.
- Não sei o que fazer quando estamos juntas.
- Ela me beija e se afasta.
- Ela toda me encanta.
Gata fotografa e mostra para sua turma. Que ri e as excluem.
Meio de uma manhã na Terra:
Riquinha acompanha Luís até sua casa e ambos conversam sobre Lúcio, namorado de Luís, que enfrenta a pressão da família por namorar um homem.
- Parecem pensar que ser cego já é desgraça suficiente. Não precisa ser guei. Minha família também não entende. Porque eu, vou querer um cego e, pior, um homem.
- E você? Que vai fazer? – Riquinha pergunta.
- Eu não abro mão. Se não aceitarem, sairei de vez de casa e vou morar com Lúcio.
Chegam à praça onde Lúcio os espera e vão para a choperia se divertir.
Início da tarde em Júpiter:
Drog com as costas rochas sob a camisa vê Breguinha no ponto de ônibus da praça, mancando vai até ela e lhe canta.
- O seu pai é ladrão?
Breguinha, chocada: – Não!
- Então como é que ele roubou o brilho das estrelas e colocou nos seus olhos?
Breguinha sorri.
- Eu sabia que te conhecia de algum lugar... Dos meus sonhos.
Breguinha sorri.
- Não te doem as pernas de fugir dos meus sonhos todas as noites?
Breguinha sorri.
- A gente tem sotaque diferente. Vamos ver se beijamos igual?
O sorriso da menina aumenta.
- Imagina um coco numa ladeira. Rola ou não rola?
Toda eufórica cai na lábia. E seis meses depois, com três meses, vão para o altar.
- Isso é hora de chegar sua vagabunda?
- Eu... Eu atrasei por causa do...
- Não me interessa. Cadê o meu jantar?
- Vo... Vou fazer.
- Anda logo, sua inútil.
- Eu me atrasei porque um ladrão roubou o meu celular.
- O celular que eu comprei? Que eu paguei? Porque deixou, sua perdulária.
Fala já tirando o cinto.
- Por favor, não! Não! Perdão! Eu faço qualquer coisa.
Drog abaixa a mão, levanta o pé. Breguinha se ajoelha, beija e lava o sapato com suas lágrimas.
Tempos depois na Terra:
Riquinha conhece Roberto e se casam meses depois.
- Isso é hora de chegar?
- Desculpa! Eu atrasei porque um ladrão roubou o meu celular.
- E você resistiu?
- Não! Deixei o moleque levar.
Suspira aliviado.
- Mas ele era tão caro... Já passou na delegacia.
- Passar eu passei, mas se eles acharem duvido que devolvam.
Roberto sorri da ironia.
- Deixa eu começar o jantar.
- Ah! Ele já está quase pronto. Só faltam a salada e o ovo que deixei por sua conta porque todos que frito se esborracham todim.
Jantam vendo a novela. Estudam um pouco os cursos que fazem na faculdade e param... ouvindo a cama os chamarem.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você
e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Ofereço como presente de aniversário à Marilda Lyra.
Escrita no correr do mês de junho,
organizado por Rubem Leite e que escreveu em parceria
com seus alunos de Iniciação Teatral no Projeto Jovem Protagonista,
do GASP e com apoio do FMDCA:
Carol Carvalho, Isac Silva, Mariana Oliveira,
Mayra Gomes, Sarah Silveira, Victor do Carmo.
Ilustração do aluno Luan Luna.
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