Obax anafisa.
Eu sou um cacto.
Conforme você os veja
verá a mim.
Terceiro
domingo de maio no Pq. Ipanema com a boa companhia de um livro. E para brincar,
um desenho de uma trepadeira sete cascas. Rapazes treinam “isleique laine”
(slackline) entre o teatro de arena e o caramanchão, onde estou. Sento meio de
lado da sete cascas, olho e, não digo retratá-la porque além de não saber
desenhar quero apenas me inspirar e brincar.
- Benito! A
gente se encotrô de novo. Legal!
Falam-me os
irmãos Augusto e Guilherme e então conversamos sobre livros e desenhos. Que
gostariam de desenhar como eu; que não gostam de ler. E eu repito o que falei
semana passada “Basta desenhar pela diversão e pegarem em livros para
descobriram o prazer da leitura”. Os garotos se entreolham duvidando.
- Pensem só.
Vocês estão sem nada para fazer. Peguem uma revistinha da Turma da Mônica e se
divirtam. Com o tempo procurem também outros tipos de leitura.
- É, Mônica
eu gosto.
- Pois então.
Leia e se divirta, Augusto.
- Revistinha
tudo bem. Mas livros... Acho chato e difícil entender.
- Já ouviram
falar no poema Ismália, de Alphonsus de Guimaraens? Vejam só uns pedacinhos
“Quando Ismália enlouqueceu, pôs-se na torre a sonhar. Viu uma lua no céu, viu
uma lua no mar. As asas que Deus lhe deu ruflaram de par em par. Sua alma subiu ao
céu, seu corpo desceu ao mar”¹. Viram a imagem? Entenderam a história?
- Não... –
Augusto falou meio indeciso, feito um aluno sabatinado pelo professor.
- Pensem bem.
O que Ismália viu no céu?
- A lua. –
Fala Guilherme
- E ela não
viu mais nada?
- Viu outra
lua na água. – Diz Augusto.
- O que ela
fez?
- Pulou?
- Sim,
Guilherme. Por que a louca fez isso e o que aconteceu?
- Ela queria
a lua, mas acabou morrendo. – Responde depressa Augusto.
- Viram?
Vocês entenderam! Não é um poema bonito? Triste, mas bonito.
Vou juntando
minhas coisas, eles vão se levantando e então nos despedimos.
Sete rapazes
treinam “isleique laine” ao pé do morrinho do teatro de arena. Um deles, mais
gordinho, pisca para mim. Acho interessante o esporte e me abrigo à sombra de
uma árvore. Entre leitura do conto “O que faz um escritor” e evolução do
esporte cai uma chuva. Eles não desistem e eu me levanto diminuindo a
possibilidade de me molhar. Ir embora?
Parece ser dessas chuvas passageiras. Penso, então fico olhando e lendo.
Agora são nove pessoas e o que me cumprimentou me dirige a palavra
- O que tá
lendo?
- O Gato Sou
Eu, de Fernando Sabino. Conhece?
- Não! Ele é
de onde?
- É mineiro.
Acho que foi um dos “Quatro Cavaleiros do Apocalipse”². Já ouviu falar?
- Não! O
livro é bom?
Leio um
trecho do conto Uma noite inesquecível “Eu estava perdido: a veneziana deixava
passar riscas de luz, zebrando meu corpo nu de cima a baixo. Eu me sentia como
se estivesse em exibição numa jaula. Espremido atrás da porta, mal conseguia
respirar. Não era só o medo que me arrepiava a pele: era a humilhação de ser
apanhado de calça na mão”.
- Puxa! –
Sorri para meu sorriso. – Que legal. Posso pegar?
Entrego-lhe o
livro. O rapaz folheia e lê umas páginas enquanto seus colegas caminham. Então
lê para mim, olhando para mim, sorrindo para mim, as últimas linhas de Apenas
um sorriso diferente “ao se pentear diante do espelho, notou que expressão
surpreendida pelo marido em seu rosto já não lhe parecia tão estranha, como se
agora fizesse parte de sua natureza: não apenas um sorriso diferente, mas, a
ele acrescentado por antecipação, um ar de indefinível volúpia”.
Ofereço como presente
de aniversário à
Bruno Grossi, Isa Zeff,
Carlos G. Hidalgo, Adriana Garcia, Leandro Silva, Lua Salles, Amanda Vita.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço
votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 27 de
maio e 04 de junho de 2012.
SABINO, Fernando – O Gato Sou Eu – Rio de Janeiro: Record,
1984
Um comentário:
Poxa vida! Muito legal! Consegui ver as cenas em minha imaginação com clareza, os diálogos e olhares. Parabens.
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