segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ÁRVORE DÁ GALHO


Obax anafisa.


Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos frut...
- Donde cessaiu tem água gelada?
Espanta-me mais uma vez a abordagem, assim, do nada, que os “nóia” frequentemente me fazem aqui na rua e só lhe olho.
- É difícil voltar para onde veio e me pegar água gelada? Tô sem água em casa e tenho sede de água gelada, não muito gelada, mas bem gelada.
Interpretando a confusão, pergunto se quer uma garrafa ou um copo de água. É só um copo que a mulher quer. Trago e lhe dou. Não é exatamente uma dos “nóia”. É uma vizinha, moradora atual da segunda casa da rua. Às vezes ela bebe cachaça três dias e trabalha outros sete. Outros momentos trabalha três e bebe sete. Seus pés pretíssimos com rachaduras horríveis sustentam bambos um corpo que já foi branco. Suas mãos seguram o copo descartável e seus lábios envolvem sua borda, a cabeça tomba para trás e o líquido desaparece lentamente. Deixo-a e vou à padaria com minha filosofia, vã filosofia.
Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos fruto. Na verdade não sei se há filosofia ou não. Eu sonhei com isso. O curioso é que não desapareceu no correr do dia, como geralmente acontece nos sonhos.
Já é tarde, apesar de ainda ser de manhã. Estou sentado no gramado do barranco que dá para o kart. À minha esquerda está seu bar, à minha direita, a antiga igreja Assembléia de Deus, agora reformada e mais bela. Atrás de mim fica a creche e à sua esquerda o mangueiral do qual Rubem falou no cronto Terror no Mangueiral¹. Eu sentado com um apertinho no coração e pessoas, pessoas, pessoas, pessoas, pessoas que se drogam, que vendem drogas, que se prostituem para se drogar, que traficam para lucrar ou se drogar. Pessoas, pessoas, pessoas, pessoas, pessoas com suas ideias não se abrem para as ideias dos outros. Pessoas, pessoas, pessoas, pessoas, pessoas e eu, também uma pessoa, ainda novo para tanto desânimo.
Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos fruto. Eu sonhei com tais orações que se mantiveram no correr do dia, sem desaparecer como acontece nos sonhos. É interessante a sua beleza, pelo menos assim acho. Mas serão filosóficas, será que têm conteúdo? Um galho cortado se esforçando para atender nossos desejos ou necessidade... Uma árvore se empenhando em nos beneficiar... É bela imagem, quiçá tenha verdade.
- Ô meu! Que cê tá fazendo aí? Pensando nas mina?
- Ah! Oi! Você é...?
- Mário Neto². A gente se conheceu na festa da tia, dona Emília Domingues, não se lembra?
- É verdade. Você é novo na cidade, né? Está passeando para conhecer as redondezas?
- Eu vim com meu parente, Danilo, conhecer Minas. A gente tá hospedado na casa da tia Emília.
- Espero que esteja gostando. – Falo e olho para as árvores à minha frente. Mário se senta ao meu lado para vermos juntos e pergunta: Mas o que você está pensando?
Olho para seu rosto
- Hoje eu me entristeci com a alegria de um amigo. Gosto dele, mas seus abraços não me agradaram. Ri para ele, mas chorei sua alegria.
Seu rosto se vira para mim
- Ele estava chapado com álcool e craque.
Nossos rostos se voltam para as flores das árvores. Um minuto de silêncio e Mário me diz: “Benito! Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos fruto”.
Logo à frente garoam pétalas de uma árvore.


Ofereço como presente de aniversário
Edilaine S. Peres, Gunther Estebanez, Joubert Moisés, grande poeta Marília S. Lacerda, Luizin Ribeiro e Joshua Hammer.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 17 de outubro e 26 de novembro de 2012.

² Para saber mais sobre o Mário Neto veja o blogue http://gordonemeio.blogspot.com.br/

2 comentários:

Unknown disse...

ironia existentes no cotidiano humano,a [sociedade como um todo]arvore]consciente e desprézivel diante do obvio e da clara realidade existencial e da alma não dos empobrecidos mas daqueles que simples e mortais sobrevivem ao que lhes foi oferecido,ser um galho não e tudo, mas e um tanto uma parte de um todo,invisivel e sentido naqueles que observam com o olhar da arvore parte dela.frutos diversificados de unica fonte de raiz.

Monica Novaes disse...

É impossível voltar a ser cego depois de enxergar!

E depois de ver as transformações sociais pelas quais passamos e de saber que não voltaremos mais!

Belo texto e triste realidade a que vivemos...

Interessante a forma como conseguiu retratar este problema... tão sutil e cheio de emoção!