sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

INDO AO VENTO


Obax anafisa.


“eu nu, dentro de casa, lívido de medo, sem saber o que fazer. Me lembrei que na cozinha tinha um facão grande. Abri a porta brandindo o facão ameaçadoramente, mas era uma freira velha quem estava lá em pé, com aquela coisa preta que elas usam na cabeça. Eu havia me enganado. Quando me viu nu, de facão na mão, a freira saiu correndo, gritando pelo corredor”.
(FONSECA).

Depois de ler “... e as primeiras acácias breve comecem a chover ouro sobre a calçada onde passeio minha nefasta melancolia”¹ fecho os olhos, recosto num tronco e transporto para o presente a viagem de ontem:
Lendo Rubem Fonseca eu rio sentado na desconfortável cadeira de espera da rodoviária de Ipatinga. Diferente de Rubem Braga, que geralmente me faz gargalhar, Fonseca dificilmente me deixa rir. Mas, você que me lê, isso te interessa? Pelo sim pelo não... O sujeito sentado ao meu lado, um policial, olha-me meio de banda, porém assim faz, acredito, não porque um soldado nada tendo a fazer se incomoda e incomoda quem tem o que realizar. Não, não creio que foi essa a causa. Olha-me porque às seis e meia da manhã não é costume de se rir pelo que contém um livro. O militar então se levanta e sai. Por minha causa ou para o tempo andar com ele? Não sei dizer. Espere! Penso que achou mais interessante cantar a garota mais adiante do que interromper meus risos e leitura. Que bom que foi encher o saco dela. Quero dizer, que bom que achou algo interessante para fazer. Voltando ao Rubem, um dizer dele...
- Qual deles?
- O Braga. Uma frase dele me faz caraminholar enquanto olho à minha frente o montão de fios suspensos nos postes, as palmeiras mirradas (apesar da idade) com suas verdes folhas pretas pelo pó da cidade, dois prédios sem graça de quatro andares, uma carreira de predinhos térreos ainda mais feios, um retângulo de céu cinzamente nublado e...
- Bom dia, Benito!
Meus pensamentos são interrompidos por uma amiga. E enquanto percebo outra vez o tronco em que me recostara vejo galhos de espirradeira emoldurando-lhe, por trás, o rosto. Então lhe respondo.
- Bom dia, Simone!
- Como foi em BH?
- Rubem já está escrevendo um cronto sobre isso.
- Qual Rubem?
- O Leite.
- E para você como foi?
- Vejamos o que ele diz através de mim:
A viagem foi tranqüila. Peguei ônibus às sete horas e às onze e trinta cheguei na rodoviária da capital de Minas. Peguei metrô até Vilarinho, a estação final, esperei quase uma hora para pegar ônibus para Cidade Administrativa (de cinco em cinco minutos tem ônibus exclusivo para quem trabalha lá, mas para o povo apenas duas vezes por hora. Por que será?). O terreno da sede administrativa do Estado é mais ou menos do tamanho do minúsculo Centro de Ipatinga e tem apenas três prédios muito lindos, em vidros negros. Não compreendo por que receber tal nome. Três prédios agarradinhos tá mais para “Shopping Administrativo”...
- Kkkkkkkkkkkkkkkk!
- O prédio do Governador, o edifício Minas e o edifício Gerais. Ah! Tem um outro sem janela e de formato moderno, talvez de um olho, que não tenho noção da finalidade. Entrei no Gerais. Até para ir ao banheiro é preciso apresentar crachá para recepcionista liberar a porta.
- Kkkkkkkkkkkkkkk!
- Sério! Ainda bem que eu não estava com diarréia. E tem ainda outra construção compriiiiiiida em madeira que acho que é a senzala... E conheci alguns agentes culturais que também foram buscar “us paper”.
- Senzala, lá?
- Bem, não sei. Mas o que aquela imensa construção em madeirite cheia de vigilante do lado de fora está fazendo perto daquelas casas grandes?
- Você é sensacional, Benito.
- Eu não, o autor sim. – Quando Benito diz isso eu quase acredito. – É com ele que você está conversando através de mim. Fiz amizade com um músico, Breno Mendonça. Depois que pegamos a autorização para “caçarmos” patrocinador descemos e esperamos um tempão o ônibus para o metrô. Pegamos e descemos onde cada um queria. Andei por mais ou menos uma hora no Centro. Comprei um cachorro quente nas Lojas Americanas (quando eu era criança havia uma imensa área para livros. Agora só tem algumas estantezinhas de livros chatos, ou melhor dizendo, comerciais. E o cachorro quente encolheu...).
- Kkkkkkkkkkkkk! Deu até vontade de estar lá com você. Para rir mais.
- Quase fui atropelado porque bobamente quis atravessar a rua fora da faixa e com muito custo e paciência dos motoristas cheguei espavorido a uma praça onde me desvencilhei quase aos tapas dos vendedores de vaga em vans. Entrei na rodoviária...
- Kkkkkkkkkkkk!
- Comprei a passagem, esperei quinze minutos entrei no ônibus e inventei uns versos para a escritora Gabriella Silva “Da janela do ônibus na rodoviária chove folhas verdes e uma flor amarela. Estou indo folha ao vento”. Cheguei em casa às dez e meia da noite pronto para soltar meus cachorrinhos que ficaram presos em meu quarto o dia todo. Dormi e acordei ainda prostrado.
Termino a narração, conversamos mais um pouco, Simone se vai e ficamos a sós, eu e você, entre as espirradeiras e os ipês.


Ofereço aos aniversariantes:
Elcio Oliveira, Marlene Brum, Rodrigo Robleño, Wadson Lourenço, Frederico A. Candeias, Gleison Oliveira, Emília Pereira, Márcia R. Gonçalves e os grandes poetas Cida Pinho e Renato Silva.

Escrito entre os dias 25 de janeiro e 08 de fevereiro de 2013.
Durante o mês de fevereiro não haverá a versão em espanhol porque eu e Lilian Ferreira estamos trabalhando em uma surpresa para você. Aguarde!

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

FONSECA, Rubem – Feliz Ano Novo – 2ª edição – São Paulo: Cia. Das Letras, 1989. Conto Agruras de um jovem escritor. (O livro pode ser pego emprestado na Biblioteca Pública Municipal Zumbi dos Palmares – Ipatinga MG).
¹ BRAGA, Rubem. Um Pé de Milho. 4ª edição – Rio de Janeiro: Record, 1982. Crônica Vem a primavera.
Tanto o livro de Fonseca quanto o de Braga podem ser pegos emprestados na Biblioteca Pública Zumbi dos Palmares, Ipatinga MG.

4 comentários:

Unknown disse...

Liked !!!!! bom texto de reflexão !!!

Unknown disse...

Liked ! Bom texto de reflexão !!!!

Rodrigo Robleño disse...

Obrigado pela dedicatória, dedicação e, mais ainda, pelo texto e leitura. Felicidades com os patrocinadores.

Anônimo disse...

MEU POETA DA ATUALIDADE PREFERIDO, PARABENS!
AMEI O CONTO