Potira itapitanga.
Observou com agrado como fazia dia tão limpo, tão
claro, tão lavado, e como um dia assim traz às pessoas uma grande sensação de
paz.
RIBEIRO, 1984.
- O senhor é um anjo. Me alimentou quando eu tava com
fome; sem se preocupar que eu era um viciado; sem me olhar de lado, feio,
criticando. O senhor é um homem bom!
Porque dizem que eu sou bom? Não posso ser chamado de
mostro, creio, mas eu não me sinto bom. Nem sempre faço o bem ou faço bem às
pessoas. Amo meu irmão, mas não quero cuidar dele. Mas tenho. O que lhe
aconteceria sem mim? Ir para as ruas ou para uma instituição? Não posso
abandoná-lo, mas não quero cuidar dele. Nem sempre tenho paciência com ele;
esbravejo e chocalho; e depois me sinto mal comigo mesmo. Eu o amo, mas não o
quero. Não entendo como posso ser tão contraditório. Se não compreendo, como
explicar aos outros meu coração?
- Benito! – Gritam-me da janela. – Está na hora.
Vamos!
Vou com Vinicius Siman para a Câmara Municipal para a
votação das emendas do plano municipal de educação que visa proibir a discussão
sobre gênero nas escolas da cidade. Chegamos, sentamos e lhe falo de um poema
que li de Rubem:
A fábrica ruge
A política gozosa geme
Frio, feio, povo, treme
Reagir urge.
Discutimos também sobre o golpe de 2015.
- Há que diz que votamos no Temer então não podemos
reclamar...
- Votamos para vice, não para presidente, traição e
golpe.
- E tem gente que fala que não foi golpe porque se a “impitimaram”
é porque a constituição prevê.
- Prevê que apenas em alguns casos podem ocorrer o “impítima”;
e as acusações feitas contra ela foram esclarecidas; então a julgaram por
motivos não previstos na Constituição. Por isso é golpe¹; por desacato à
Constituição.
Enquanto discutíamos ouvimos duas mulheres
conversando.
- Sabe aquela mocinha moreninha com quem tivemos
conversando? Pois é. Lhe falei que tenho uma sobrinha lésbica, mas nós a
amamos. Ela não vai na casa de minha avó porque não é aceita, mas nós a amamos.
A gente perdoa ela por ser lésbica, apesar de ser errado. Mas não é que a
moreninha me olhou com uma cara? Então eu lhe disse...
Intrometo na conversa das duas: Morena ou negra?
- Bem... É negra, sabe. Mas é que gosto de dizer
morena, sabe. Prefiro falar assim.
- Mas se ela é negra, porque a chama de morena? Morena
é a pessoa de cabelos negros, não é pessoa de pele negra. Você é morena; branca
de cabelos pretos.
- Sei lá. Desde criança falamos assim, sabe.
- Sei! É porque você acha feio chamar alguém de negro.
Para você preto é coisa suja, inferior? Ai, então, por piedade, diz que é
morena... Afinal, a infeliz não tem culpa de ter nascido assim, né? Suja, feia,
inferior; negra!
- Dizer moreno é eufemismo. – Vinicius intervém e
retomo a palavra:
- Mas porque você acha ser errado sua sobrinha ser
lésbica?
- Uai! É porque está na Bíblia!...
- Mas a Bíblia diz que você, por ser mulher, é suja,
imunda, impura, infecta, indigna, incapacitada.
- Diz não. Diz que a mulher deve ser submissa ao
homem.
- Diz isso e tudo o que falei acima.
- Pois eu nunca li isso na Bíblia.
- Sinal que nunca a leu. Passou apenas os olhos. Ou
então leu apenas o que lhe mandaram ler; seguindo as palavras dos homens, não a
Palavra de Deus.
Enquanto ela me olha enviesado alguém me chama para a
votação. O plenário já abriu as portas e entramos todos.
“Ai, sim, pensou ela, o rosto em brasa e o meio das
pernas não molhado, mas seco, ardido e estraçalhado, não razão de orgulho e
contentamento, mas de vergonha, nojo e desespero. (...) E também não podia
mexer-se nem fazer qualquer som, como se o pescoço que o Barão de Pirapuama
havia apertado com uma só mão houvesse ficado para sempre hirto e congelado,
mal deixando que passasse o ar, ela paralisada, muda, um peixe morto, endurecido.
(...) O Barão de Pirapuama observou com agrado como fazia dia tão limpo, tão
claro, tão lavado, e como um dia assim traz às pessoas uma grande sensação de
paz”.
RIBEIRO, 1984.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Marilene Vitor, Elisangela Guilherme, Joneisson Araujo, Mariana
Mamede, Marceli Pereira, Robinson A. Pimenta, Andreia Lima, Rosangela Sulidade,
Josmar D. Ferreira, Reinaldo Maciel, Flávia Gusmão, Guebel Stevanovich, Jonas
Nogueira, Leo Coessens, Beto de Faria, Tiago Costa, Deivid Paula, Sinésio Bina
e Geraldo Valentim.
Recomendo a leitura dos poemas de Pedro Du Bois; e Poema do
Homem Temente a Deus, de Mailson Furtado. Respectivamente:
¹ https://www.youtube.com/watch?v=OvnNFQugnDM
RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o Povo Brasileiro: romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Páginas 133 e 145.
RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o Povo Brasileiro: romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Páginas 133 e 145.
Escrito entre os dias 31 de agosto de 2015 e 15 de maio de
2016.
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