domingo, 15 de maio de 2016

REAGIR URGE

Potira itapitanga.


Observou com agrado como fazia dia tão limpo, tão claro, tão lavado, e como um dia assim traz às pessoas uma grande sensação de paz.
RIBEIRO, 1984.


- O senhor é um anjo. Me alimentou quando eu tava com fome; sem se preocupar que eu era um viciado; sem me olhar de lado, feio, criticando. O senhor é um homem bom!
Porque dizem que eu sou bom? Não posso ser chamado de mostro, creio, mas eu não me sinto bom. Nem sempre faço o bem ou faço bem às pessoas. Amo meu irmão, mas não quero cuidar dele. Mas tenho. O que lhe aconteceria sem mim? Ir para as ruas ou para uma instituição? Não posso abandoná-lo, mas não quero cuidar dele. Nem sempre tenho paciência com ele; esbravejo e chocalho; e depois me sinto mal comigo mesmo. Eu o amo, mas não o quero. Não entendo como posso ser tão contraditório. Se não compreendo, como explicar aos outros meu coração?
- Benito! – Gritam-me da janela. – Está na hora. Vamos!
Vou com Vinicius Siman para a Câmara Municipal para a votação das emendas do plano municipal de educação que visa proibir a discussão sobre gênero nas escolas da cidade. Chegamos, sentamos e lhe falo de um poema que li de Rubem:
A fábrica ruge
A política gozosa geme
Frio, feio, povo, treme
Reagir urge.
Discutimos também sobre o golpe de 2015.
- Há que diz que votamos no Temer então não podemos reclamar...
- Votamos para vice, não para presidente, traição e golpe.
- E tem gente que fala que não foi golpe porque se a “impitimaram” é porque a constituição prevê.
- Prevê que apenas em alguns casos podem ocorrer o “impítima”; e as acusações feitas contra ela foram esclarecidas; então a julgaram por motivos não previstos na Constituição. Por isso é golpe¹; por desacato à Constituição.
Enquanto discutíamos ouvimos duas mulheres conversando.
- Sabe aquela mocinha moreninha com quem tivemos conversando? Pois é. Lhe falei que tenho uma sobrinha lésbica, mas nós a amamos. Ela não vai na casa de minha avó porque não é aceita, mas nós a amamos. A gente perdoa ela por ser lésbica, apesar de ser errado. Mas não é que a moreninha me olhou com uma cara? Então eu lhe disse...
Intrometo na conversa das duas: Morena ou negra?
- Bem... É negra, sabe. Mas é que gosto de dizer morena, sabe. Prefiro falar assim.
- Mas se ela é negra, porque a chama de morena? Morena é a pessoa de cabelos negros, não é pessoa de pele negra. Você é morena; branca de cabelos pretos.
- Sei lá. Desde criança falamos assim, sabe.
- Sei! É porque você acha feio chamar alguém de negro. Para você preto é coisa suja, inferior? Ai, então, por piedade, diz que é morena... Afinal, a infeliz não tem culpa de ter nascido assim, né? Suja, feia, inferior; negra!
- Dizer moreno é eufemismo. – Vinicius intervém e retomo a palavra:
- Mas porque você acha ser errado sua sobrinha ser lésbica?
- Uai! É porque está na Bíblia!...
- Mas a Bíblia diz que você, por ser mulher, é suja, imunda, impura, infecta, indigna, incapacitada.
- Diz não. Diz que a mulher deve ser submissa ao homem.
- Diz isso e tudo o que falei acima.
- Pois eu nunca li isso na Bíblia.
- Sinal que nunca a leu. Passou apenas os olhos. Ou então leu apenas o que lhe mandaram ler; seguindo as palavras dos homens, não a Palavra de Deus.
Enquanto ela me olha enviesado alguém me chama para a votação. O plenário já abriu as portas e entramos todos.


“Ai, sim, pensou ela, o rosto em brasa e o meio das pernas não molhado, mas seco, ardido e estraçalhado, não razão de orgulho e contentamento, mas de vergonha, nojo e desespero. (...) E também não podia mexer-se nem fazer qualquer som, como se o pescoço que o Barão de Pirapuama havia apertado com uma só mão houvesse ficado para sempre hirto e congelado, mal deixando que passasse o ar, ela paralisada, muda, um peixe morto, endurecido. (...) O Barão de Pirapuama observou com agrado como fazia dia tão limpo, tão claro, tão lavado, e como um dia assim traz às pessoas uma grande sensação de paz”.
RIBEIRO, 1984.



Ofereço como presente aos aniversariantes:
Marilene Vitor, Elisangela Guilherme, Joneisson Araujo, Mariana Mamede, Marceli Pereira, Robinson A. Pimenta, Andreia Lima, Rosangela Sulidade, Josmar D. Ferreira, Reinaldo Maciel, Flávia Gusmão, Guebel Stevanovich, Jonas Nogueira, Leo Coessens, Beto de Faria, Tiago Costa, Deivid Paula, Sinésio Bina e Geraldo Valentim.

Recomendo a leitura dos poemas de Pedro Du Bois; e Poema do Homem Temente a Deus, de Mailson Furtado. Respectivamente:

¹ https://www.youtube.com/watch?v=OvnNFQugnDM

RIBEIRO, João Ubaldo. Viva o Povo Brasileiro: romance. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984. Páginas 133 e 145.


Escrito entre os dias 31 de agosto de 2015 e 15 de maio de 2016.

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