domingo, 22 de janeiro de 2017

ARROJO

OSADO


Potira itapitanga.


Em português

Quando você ler minha carta, se alguém ler, saiba que estou no ano de 2030. Mas foi no ano de 2016 que Ipatinga se tornou uma cidade de mortos vivos. O Brasil se tornou uma espécie de... de... De Estados Unidos!
Meses depois conseguimos sitiar quatro faixas da cidade: Barra Alegre com parte do Limoeiro, Bethânia, Bela Vista e, para plantio, o Parque Ipanema. Este último, apesar de próximo ao Centro, é desprovido da comida dos mortos vivos...
O momento e a história que mais ficaram na minha memória foram quando ainda viviam meu amor, seu pai, eu, uma criança e o vira-lata. Moramos... Morávamos. Seu Ricardo na faixa Bela Vista e nós outros na faixa Barra Alegre-Limoeiro.
Em 2029 festejávamos o aniversário de Ipatinga e seu Ricardo conseguira autorização para nos visitar. Depois do almoço nós dois saímos para conversar e vimos sair um caminhão ambulância, mas algo não estava certo. Quando colocaram pessoas para dentro, elas estavam coagidas pelas armas da milícia. Enquanto pensávamos em avisar ao prefeito da faixa o vimos comandando a operação. Grande parte era gente conhecida, mas de oposição aos governos do que sobrou do Brasil.
Movidos por... Heroísmo? Heroísmo! Rarrá! Decidimos salvá-los ou morrer tentando. Seu Ricardo custou, mas conseguiu completar uma ligação para Dom Paulo, o prefeito da faixa dele, que nos prometeu saber o que estava acontecendo e intervir, se fosse o caso.
Um carro forte com Dom Paulo aparece... apareceu à minha porta algumas horas depois e convidou minha família a entrar para explicar os fatos. Menos eu, que não estava em casa e disseram que não sabiam onde eu me encontrava. Nunca mais os vi... Vivos. Uma semana depois os muros não salvavam mais. A praga já alastrara para dentro. E por quê? Ora, você já sabe. Acabei de falar. É só pensar um pouco.
O lugar onde escrevo é... era a casa forte do campo de alimentação. Não foi fácil e só Deus sabe como consegui chegar aqui. Como vê, apesar do nome, “casa forte”, aqui é mais um barracão de concreto onde guardávamos as ferramentas e nos abrigávamos nos momentos de ataque. Mas vamos falar de 2016 e 2017. Creio que explicará tudo, inclusive minhas últimas palavras para alguém que ainda pense. Você, assim espero.
Um carro cinza prateado avança lento pela rua vazia de almas. Pelo menos de almas vivas. Duas filas de carros parados. De um lado há carros... Cinza, preto, preto, vermelho, preto, azul escuro e vários outros carros cinzentos. Do outro lado, cinza, branco, cinza, branco, cinza, preto, preto, cinza, azul escuro e mais três cinzas.
O carro que passa não me vê atrás de um monturo de lixo. A caçamba ainda arde de livros queimados. Livros que continham Graciliano Ramos, Cruz e Souza, Olavo Bilac, Clarice Lispector, Cecília Meireles, Cora Coralina, Castro Alves, Rubem Braga, Rubem Fonseca, Marilda Castanha, Hilda Hilst, Mario Benedetti, Marília Siqueira Lacerda, Nena de Castro, Goretti de Freitas, Cida Pinho, Flavia Frazão, Nancy Nogueira, Marcelo Garbine, William Delarte, Vinícius Siman, Mário Quintana, José Mauro de Vasconcelos, Florbela Espanca, Federico Garcia Lorca, Carlos Drummond de Andrade, Orides Fontela e principalmente Machado de Assis. Queimados todos os autores que não nos continham: lançavam-nos!
E também não sei a razão, mas acabei de me lembrar do conto “A Terceira Margem do Rio”, de Guimarães Rosa que foi transformado em peça de teatro pela Cia. Teatral Letras de Rosa. Todavia, nas “bibliotecas”, acessível para os poucos que tiveram permissão para estudar: Anne Rice, J.K. Rowling, Stephenie Meyer, Tolkien, Nicholas Sparks e outros – muitos, mas com exceções – do Norte e, claro, a Bíblia...
Na rua não tem os autofalantes do Novo Governo. É uma rua tóxica, frequentada pelos que ainda pensam, os Sobreviventes.
O carro sumiu. Levanto-me de onde me escondia. E pude ver quem eu amei ao volante do camburão que arrastava os acorrentados mortos-vivos para nos devorar. Para que dizer que quem me amou agora me mataria por eu não me entregar e integrar? Por tudo que já foi dito é possível que você entenda isso.
Preparado para fugir ou lutar, ando pela rua tóxica. Mas ir por onde? Para onde ir? Se não morrer meu corpo morrerá meu cérebro. Horas depois... – Penso que você imagina acertadamente que busquei desviar-me das atenções e dos possíveis seguidores. – Horas depois, no terraço onde me abrigo com outros Sobreviventes, abro Lima Barreto. Alívio. Nas mãos de alguém ao meu lado, Mário de Andrade.
Barulho de carros na rua chegou ao terraço do prédio. E apesar disso, apesar de tudo... aliviado por Barreto.


En español

Cuando leer mi carta, si alguien leerla, sepa que estoy en el año 2030. Pero fue en el año 2016 que esta ciudad se cambió en un rincón de muertos vivos. Latinoamérica se cambió una especie de… de… ¡De Estados Unidos!
Meses después conseguimos sitiar cuatro trozos de la ciudad. La más cerca del Centro es donde plantamos nuestra comida porque siempre fue la más desprovista de la comida de los muertos vivos…
El momento y la historia que mejor se quedan en mi memoria fueron cuando aún vivían mi amor, su padre, un niño y la mascota. Vivimos… vivíamos. Don Ricardo en el trozo cercano de la zona de plantío y nosotros en la zona más ancha.
2029 celebrábamos el cumpleaños de la ciudad y don Ricardo consiguiera autorización para nos visitar. Después del almuerzo nos dos salimos para charlar y vimos salir un camión ambulancia, pero no estaba cierto. Cuando punieron personas adentro, ellas estaban coaccionadas por las armas de la milicia. Mientras pensábamos en avisar al alcaide del trozo lo vimos comandando la operación. Gran parte era gente conocida, pero opositores a los gobiernos de que sobró de Latinoamérica.
Movidos por… ¿Heroísmo? ¡Heroísmo! ¡Jajá! Decidimos salvarlos o morir intentando. Don Ricardo demoró pero consiguió completar una llamada para don Pablo, el alcaide del trozo de él, que nos prometió saber que estaba sucediendo e intervenir, se necesario.
Un carro fuerte con don Pablo surge… Surgió a mi puerta algunas horas después e invitó a mi familia a entrar para explicar los factos. Menos yo, que no estaba en casa y dijeron que no sabían adonde me encontraba. Nunca más los vi… Vivos. Una semana después los muros no salvaban más. La plaga ya alastrara para dentro. ¿Y por qué? Ora, tú ya sabes. Acabé de decir. Es solo pensar un poco.
El lugar adonde escribo es… era la casa fuerte del campo de alimentación. No fue fácil llegarme acá; pero conseguí sólo Dios sabe cómo. Conforme ves, a pesar del nombre, “casa fuerte”, acá es más un cobertizo de concreto donde guardábamos la herramientas y nos abrigábamos en los momentos de ataque. Pero, vamos hablar de 2016 y 2017. Creo que explicará todo, incluso mis últimas palabras para alguien que aún piense. Tú, así espero.
Un coche gris plateado avanza lento por la calle vacía de almas. Al menos de almas vivas. Dos colas de coches parados. De un lado hay coches… gris, negro, negro, rojo, negro, azul oscuro y muchos otros coches grises. Del otro lado, gris, blanco, gris, blanco, gris, negro, negro, gris, azul oscuro y más tres grises.
El carro que pasa no me ve tras de la montañita de basura. El gran cubo aún arde de libros quemados. Libros que contenían Mario Vargas Llosa, Alfredo B. Echenique, Ciro Alegría, Oscar Malca, César Vallejo, Jorge E. Eielson, Clorinda Matto de Turner, Blanca Varela, Mario Benedetti, Federico García Lorca, Gabriel García Marques, Piedad Bonnett, Andrés Caicedo, Jorge Luís Borges, Julio Cortázar, María Elena Walsh, Pablo Neruda, Roberto Bolaño, Gabriela Mistral, Eduardo Galeano, Horacio Quiroga, Clarice Lispector, José Mauro de Vasconcelos y Machado de Assis. Quemados todos los autores que no nos contenían: ¡nos lanzaban!
Y no sé la razón, pero me recuerdo ahora del cuento “La Tercera Orilla del Rio”, del brasileño Guimarães Rosa convertido en pieza de teatro por la Cia. Teatral Letras de Rosa. Sin embargo, en las “bibliotecas”, accesible para los pocos que recibieron permiso para estudiar, solamente se encuentran Anne Rice, J.K. Rowling, Stephenie Meyer, Tolkien, Nicholas Sparks y otros – muchos, pero con algunas excepciones – del Norte y, es obvio, la Biblia…
En la calle no hay altavoces del Nuevo Gobierno. Es una calle tóxica, frecuentada por los que aún piensan, los Sobrevivientes.
El carro se fue. Me levanto de donde me escondía. Y pudo ver quien amé al volante del furgón que arrastraba los encadenados muertos vivos para nos devorar. ¿Para qué decir que quien me amó ahora me mataría por no me entregar e integrar? Por todo lo que ya fue dicho es posible que comprendas eso.
Preparado para huir o luchar, camino por la calle tóxica. Pero, ¿ir por adonde? ¿Para adónde ir? Si no morir mi cuerpo morirá mi cerebro. Horas después… – Pienso que imaginas acertadamente que busqué desviarme de las atenciones y dos posibles seguidores. – Horas después, en la terraza donde me abrigo con otros Sobrevivientes, abro José María Arguedas. ¡Alivio! En las manos de alguien próximo a mí, Nicolás Guillén.
Barullo de coches en la calle llegó a la terraza del predio. A pesar de eso, a pesar de todo… aliviado por Arguedas.


Ofereço como presente de aniversário a
José C. Pinho, Andreza Costa, Chrystian Stocler, Fernando Pires, Andreia Bragança, Antonio Netto, Thaís L. Macedo, Ivone Piló, Laio Moura, Jhomar Sayo, Alexandre Farah, Monica Cuba, Graça Costa e Edinaldo Felipe.

Recomendo a leitura de “Solidão”, de Xúnior Matraga; e que assistam ao espetáculo “A Terceira Margem do Rio”. Mais informações:


Escrito entre o início da tarde de 29 de maio de 2016 e 22 de janeiro de 2017. Parte consciente e parte fruto de um sonho.

Um comentário:

Marcelo disse...

Que história é essa de queimar o meu livro? Ahahahaha... Joga água nessa caçamba aí! Pelo menos, deu pra ter um final feliz com Lima Barreto. Um dia, terei o prazer de participar das comemorações do aniversário de Ipatinga. Gostei, Rubem! Valeu!