domingo, 29 de janeiro de 2017

ZUNIDO


O início desta tarde quente está agradável no Feirarte. Ao contrário do costume, bebo cerveja e não os coquetéis do Marcelo. Mas não bebo aquelas quaisquer, comuns por aqui. Prefiro a – pelo menos é o que eles dizem – artesanal Brüder. Gosto da Red e com o copo na mão leio:
Ela escuta eu falar? – Fala com voz rouca de chorar. – Ela escuta eu falar? Ela escuta eu falar? / Na mesa do bar um diz para o outro. Este bebe satisfeito um gole de cerveja e desatento fala para aquele: / - Disse alguma coisa?
- Nossa! Que história deprimente... – Joana fala quando lhe contei parte da história que escrevia. – Por que não escreve algo bonito... Como os escritores de verdade; aqueles duzestaduzunidos? E não essas coisas que só tem violência e lamentações. É por isso que lá fora as pessoas pensam que no Brasil só tem mazelas. Não mostramos nada de bom.
- Por fazermos filmes com violência os estrangeiros pensam que só isso existe no Brasil?
- É!
- Então se pelo que assistimos julgamos uma nação... E vemos como é seu povo... Na América do Norte só tem super-herói neo-liberais, como diz Vinícius Siman. Ou então zumbis descerebrados e vampiros pisca-pisca...
- Não é isso não.
- O que falta lá é parar para pensar.
- Não é isso não. É que só vemos coisas bem produzidas nuzestaduzunidos.
- Bem produzidas? Sobre isso, como Rubem costuma afirmar, só digo uma coisa: Não digo nada! Estaduzunidos... Realmente! De lá se vê e lê muitos zunidos...
Sua boca não fala nada, mas sua cara declara: “Não entendi”. Então continuo:
- Fascinante seria ter entendido. Mas prefiro falar sobre flores e outros amores. Ou dores e outros desamores.
- Hem? Como?
- Borboleta do jardim de Alá / Sobrevoa meu coração. / Dizendo palavras assim, tão doces / Acho que vou ‘vomitá’.
- Agora sim um poema bonito. Estragou no finalzinho... Mas é quase tipo a duzestaduzunidos.
- Huum, sei. Só que fazer poema não é rimar qualquer coisa. E fazer poesia então... Nem se fala. – Pausa para um gole de cerveja. – E que tal assim:
Quase um ano plantei um pezinho de antúrio bem florido. Semanas de beleza á janela de meu quarto. Mas as flores murcharam. Passou-se não sei quantos meses só o verde da planta. Nem um pouco triste por isso. Há tanta beleza só nas folhas. Semanas atrás um pendãozinho e neste período longuinho foi crescendo; sempre fechado. Anteontem começou a abrir e não sei se amanhã já estará pronto. Mas observo a flor. Pequena e semifechada.
- Essa sim é boa como se fosse duzestaduzunidos.
- Não! Não tem zunidos em minhas histórias.
- Antipático... Você é bem antipático.
- Sou mesmo.
- Vamos mudar de assunto. São Paulo está pintando os muros de cinza...
- Sou contra. Se bem que a gente pode dar uma demão de outras cores por cima que vai dá tudo certo, sabe. Uma renovada.
- Que ideia?! Bem, os Estados Unidos estão criando um baita muro separando-os do mundo.
- Sou a favor. Aí a gente bota um cadeado daqueles bem bão no portão para eles não vazarem para as banda de cá.
- Ridículo. Você é ridículo.
Olho nos olhos e bebo mais um gole de cerveja. Não falo nada. Só fico pensando, pensando. E olhando para O Cemitério dos Vivos, de Lima Barreto; que pouco tem ligação com esta história. Mas é tão bom.


Ofereço como presente aos aniversariantes
Raul F.M. Leite, Lene Oliveira, Rodrigo C. Andrade, Bras Sarb, Marcelio O. Sousa, Andriza G. Souza N., Isaac Andrade, Iuri Cupertino, Celma Anacleto, Marileuza Lopes, Vitória Elizabeth, Paulo J.C., Cida Pinho (Mª Aparecida D. Pinho) e Marlene Brum.

Recomendo a leitura de “‘Penso, logo existo’; consumo, logo sou”, de Vinícius Siman; “No Canto Escuro”, de Sued; “Julio Cortázar. Graffites em tempo de opressão”, de Javier Villanueva; e “Se você viver poeticamente encontrará felicidade”, de Edgar Morin e recomendado por Robinson Ayres. Respectivamente nos endereços:


Escrito entre a madrugada de 31 de maio de 2016 e 29 de janeiro de 2017.

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