domingo, 23 de setembro de 2018

DOS NINGUÉNS VEM A REALIDADE


O ensino Não é “venda parcelada” de conhecimentos. Quem recebe aprendizagem precisa ter a postura mental de devoção ao estudo e cultivar o sentimento de respeito à pessoa que transmite o ensinamento.¹
¿De dónde vino esa historia llamada “realidad”? Ha venido de doña Olinda que no tiene fama para contarla.
Where did that story called “reality” come from? It came from Miss. Olinda, who has no fame to tell it.

Várias árvores – oiti, goiabeira, sibipiruna, ipê, pata-de-vaca – verdejam e floreiam o pátio da escola. À porta da sala as admira como se rezasse a pedir proteção e entra. Começa e continua a última aula enquanto muitos – quase todos – alunos buscam coisas no celular ou conversam entre si.
- O til é um sinal diacrítico...
- Que é isso, professor?
- É o nome dos sinais gráficos; ou seja, o nome dos sinais de acento e de outros sinais que, digamos, mudam o som de uma letra.
A sorrir pela aluna, o professor olha para a goiabeira no pátio, à frente da porta, antes de voltar ao assunto:
- Pois bem, Luma, o til é um sinal diacrítico que se coloca por cima de uma única vogal; indicando que ela deve ser lida nasalmente. Est...
- O que é “nasalmente”, professor?
- Nasal, Pedro, é pelo nariz. Pois bem, esta vogal pode ser “-a” ou “-o”. E o til nunca fica por cima das duas ao mesmo tempo e nem entre elas. Ou é por cima de uma ou de outra. Por exemplo – escreve no quadro:
“Cão, coração, corações, põe, mã...”.
- NÃÃÃÃÃÃO!
Grita uma aluna ao perder no jogo do celular. O professor suspira olhando pela janela um oiti e continua:
- Cedilha é outro sinal diacrítico. Hoje ele tem a forma de um pequeno “C” ao contrário e muita gente pensa que seu nome “cedilha” vem por causa da letra “C” onde ela é usada. Todavia, ela vem do espanhol “zetilla” que quer dizer “pequeña ‘zeta’.” Quer dizer, pequeno z.
- Por quê, professor?
- É que os bons escribas espanhóis faziam a parte superior da letra “Z” tão curvada, fazendo o resto parecer um penduricalho; ficou a cara de uma “”. Mas como eu dizia, “Ç” indica que o “-C” deve ser lido como o som de “-ss”: Criança, aliança, corações, açougue, açu, cupuaçu.
- Pode ser antes de qualquer vogal, professor?
- Não, Luma. – Falando para a turma: Viram pelos exemplos que somente antes das vogais “a, o, u” se usa o “Ç”?
- Sim! – Responderam ela e Pedro enquanto o resto continuava no celular ou conversando entre si. E o professor explica para os dois:
- Vejam bem! – Escreve no quadro:
Ca, ce, ci, co, cu.
- Quais são os sons dessas sílabas?
- ka, sse, ssi, ko, ku...
- Cu! Vai toma no cu! – “Brincam” dois alunos enquanto o resto ri.
- As vogais “-e, -i” já dão o som “ss”: cinco, cenoura, doce; então não precisam da cedilha. Já as demais vogais precisam. Para gravarem bem, quais vogais precisam acrescentar cedilha à letra “-C”?
- A, o, u!
- Exato, Pedro! Agora eu...
- Professor! – Um dos “brincalhões” me interrompe e pergunta:
- Fiquei de recorreco²?
Olhando a goiabeira pensa por alguns segundos e responde...
A aula termina, a manhã termina e o professor vai ao banco negociar a dívida criada porque o Estado não paga devidamente aos professores; profissão não prioritária segundo as palavras do Governador Pimentil.
Cansado de e por muitos alunos. Cansado pela negociação com o banco. Cansado pelos afazeres. Cansado pela sociedade desejosa de retrocessos sociais. Esgotado deita cedo e dorme.
E sonha.
Na calçada do outro lado da rua, mas em frente ao seu apartamento, uma goiabeirinha insiste em não morrer. Resiliente ela lhe diz: De onde veio essa história chamada de “realidade”? Veio de dona Olinda que não tem fama para contá-la.


Ofereço como presente aos aniversariantes Mário Jofest, Agustina Méndez Vargas e Gedeón Oliveira.

Recomendo a leitura de:
“Além das estrelas”, de Bispo Filho:
“La China Morena, de la Morenada del Carnaval de Oruro. Los gays y travestis”, de Javier Villanueva:
“Quanto mais palavras menos cérebro”, deste macróbio que vos fala:
“Longe de tudo”, de António MR Martins:

¹ TANIGUCHI, Masaharu. Princípio Básico da Felicidade. São Paulo: Seicho-No-Ie do Brasil, 2012. P. 54.
² “Recorreco” é um termo popular, comum em certas comunidades, para se referir a recuperação; uma maneira de ‘adquirir’ nota escola para poder avançar de ano estudantil.

 Revisão em espanhol e inglês: Julian Cabral.
 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
De los nadie viene la realidad (fotos da goiabeirinha) – pelo autor – Rua Uberaba, Centro de Ipatinga   23/9/2018.
Dinossauro Datilógrafo – Foto do autor – Fotógrafo ignorado. Piquenique Dramatizado, 2015.

Manuscrito na tarde de 18 de julho de 2017; trabalhado pela primeira vez em 22 de dezembro do mesmo ano e depois no ano de 2018 entre os dias 26 de fevereiro e 03 de março e por fim entre 21 e 23 de setembro.

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