domingo, 7 de outubro de 2018

PEDRA BRANCA – DEIDADE



Derrubamos as aparências externas do Antigo Regime, mas não lhe suprimos as ideias. Não basta destruir os abusos; é preciso mudar os costumes. Desapareceu o moinho, mas o vento ainda sopra.¹

A tarde de domingo corria lenta como as nuvens no céu claro e muito azul. Nem ele e nem eu nunca tivemos o costume de ficar buscando imagens nas nuvens. Bem, uma ou duas vezes tentei. Não tanto por vontade, mas tentando encaixar-me, ser “descolado”. Nunca deu muito certo. Mas a história não é esta, mas sim essa:

No Pedra Branca, a Escola Municipal Hermes de Oliveira Barbosa estava fechada no momento. E da janela da sala de uma casa próxima era possível vê-la e também à formação rochosa que dava nome ao bairro de Ipatinga. No sofá e poltronas acontecia a discussão desse cronto.
- Estamos matando o talento das crianças? Quando se quer ensinar, mas tem que pedir “por favor”? Quando se quer ensinar, mas tem que parar para dizer que o material deve estar encapado e sem fezes? Quando se quer ensinar, mas tem que parar para dizer que não pode deixar a sala imunda? Quando se quer ensinar e vem mãe reclamar que está dando dever de casa? Quando se quer ensinar, mas se encontra com quem apoia o Golpe de 2016 e grita “17”; e com isso o congelamento de investimentos na Educação e a ‘deforma’ da Previdência?
- Eu te entendo, Professor. E imagino que não deve ser fácil ser professor nos tempos atuais, mas continuo achando que a forma de ensinar precisa mudar. E acredito que essa mudança vai evitar todos esses transtornos que você citou... Enquanto a escola e o ensino forem desinteressantes mais e mais problemas surgirão e mais e mais o governo conduzirá o rebanho pra onde quer, seja pra apoiar o golpe, seja pra deformar a previdência. Eu sei que não é fácil mudar esse sistema que serve aos interesses políticos; mas enquanto não houver uma reforma nada, nada, nada disso vai mudar.
- Concordo com o que o senhor Alguém disse. Países mais evoluídos e que mudaram seu método de ensino mostram, na prática, que é possível ensinar de forma prazerosa e significativa para o aluno. E até aqui, pertinho de casa, tem uma escola experimental, com professores que estão revolucionando o método de ensino e que estão mudando todo o conceito do que é a escola. Bons ventos estão soprando por aqui, graças a Tupã. Enfim, faço votos de que tudo melhore para todos, professores e alunos e que os talentos possam brilhar dentro e fora da sala de aula.
- Dona Mãe, não há como discordar que a escola e o ensino devem ser interessantes. Óbvio! Contudo, a mudança deve começar em casa, não com o professor. Aluno deve ir para estudar, não para ser convencido a estudar... Deve sair de casa com o objetivo de aprender; independente de metodologia ou do professor. Deve ser um estudante e não um pedante nem irritante. Os pais não gostam que os professores eduquem, mas nos empurram essa missão... Paradoxo, não? Então não nos devem empurrar esse trabalho que não aceitam que façamos, mas que exigem que façamos... Veja nesses países que mudaram o método de ensino onde primeiro ocorreu a mudança. Em casa! É incrível como amam culpar os professores pelo fracasso do aluno. Este que não estuda, que fica zombando do professor, que lhe dá água de privada com sonífero para fazê-lo dormir, humilhá-lo e este não dar atividades. Enquanto o professor tem que gastar metade do seu tempo em sala pedindo atenção, quem está fora fica dizendo: “faz pouco”, “não faz o suficiente”... A gente se esforça demasiado contrastando ao desinteresse do aluno. E para que interesse?!? Em casa quem manda é o filho, não os pais. Na escola passa de ano sem o mínimo conhecimento porque tem que ter “educação continuada” ou qual o termo que prefiram para dizer que passa de ano sem conhecimento mínimo. Já levei filme para as aulas de Literatura; já levei ilustrador, pintor e grafiteiro para ensinar técnicas de desenho nas aulas de Arte. Todos os meus colegas gastam horrores de seu tempo privado para se dedicar aos alunos; e ficam dizendo que é pouca a nossa dedicação, o nosso esforço em melhorar/modificar a metodologia de ensino. Não! A mudança não deve começar com o professor; este que muito faz com o pouco disponibilizado e é atacado pelos alunos, pelos pais dos alunos, pela Secretaria de Educação, pelos políticos, pela sociedade. Cristo era professor e pode-se dizer que tinha três turmas. A dos Avançados, com doze Apóstolos; a Intermediária, com setenta e dois Discípulos; e a do Basicão, com todos que dizem segui-lO. Cristo dava aulas interessantes, mas não ficou nem fica convencendo ninguém. A matéria foi dada, agora estudem!
Alguns “ós” e caras de espanto e:
- Ousadia minha nos comparar-nos a Cristo? Comparo sim porque o que Ele fez foi ensinar como um professor faz. E assim como foi agredido pela sociedade da época e com um mundão de gente lhe dizendo como deveria se portar, somos nós hoje agredido e recebendo “orientação” de como agir.
- Ótimo ter o olhar de um professor na discussão; aliás, o que mais falta na nossa sociedade é exatamente isso: discutir e buscar soluções. Eu também já lecionei e uso o verbo no pretérito perfeito do indicativo porque não me enquadro no perfil de ‘educadora’; dessa educadora que tem que dar educação e não conhecimento. Jamais me atreveria a lecionar novamente porque a escola virou um campo de guerra e o alvo, eu sei, é o professor. Concordo plenamente que tudo começa em casa e que a grande maioria da sociedade está no “Basicão” em termos de educação e isso só vai mudar com novas gerações tendo novos modelos de educação. Vejam a ciranda que começa e inicia no mesmo ponto “cego”... E os ministros, os políticos, as delegacias de ensino... Aliás, por que se chama “delegacia”? É algo relacionado a crime?
Para um instantinho deixando a reflexão fluir e volta a falar:
- Estudiosos e toda essa gente que determina qual será o sistema de ensino dentro das escolas e que servem a um sistema que quer manter o aluno alienado e a sociedade contra o professor que, usando a analogia do Professor, é o “Cristo” que será massacrado, cuspido e crucificado. Debates, conversas, mudanças... A sociedade precisa ser renovada para o bem de todos nós!

Enquanto a Cidadã fala todos se calam em uma sociedade utópica onde o cidadão tem vez e voz. Já eu fico olhando o céu, escutando os pássaros, pensando nos professores e no sistema educacional.


Ofereço como presente às aniversariantes Gely Fantini e Shirley Maclane.

Recomendo a leitura de:
“Tempos Sombrios: 30 anos da Constituição – Não há o que comemorar”, de Josué da Silva Brito:
“Antropofagismo social não é canibalismo capital” e “Profissão Professor Missão”, ambos deste macróbio que vos fala:
“E o Temer não Caiu. Mas por quê?”, de Javier Villanueva:

¹ HUGO, Victor. Os Miseráveis. Tradução: Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2017. P. 85.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Dinossauro Datilógrafo – Foto do autor – Fotógrafo ignorado. Piquenique Dramatizado, 2015.

Escrito na manhã de 05 de fevereiro de 2018. Trabalhado no mesmo ano, entre os dias 01 e 07 de outubro.

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