Derrubamos as aparências externas do Antigo Regime,
mas não lhe suprimos as ideias. Não basta destruir os abusos; é preciso mudar
os costumes. Desapareceu o moinho, mas o vento ainda sopra.¹
A tarde de domingo corria lenta como as nuvens no céu
claro e muito azul. Nem ele e nem eu nunca tivemos o costume de ficar buscando
imagens nas nuvens. Bem, uma ou duas vezes tentei. Não tanto por vontade, mas
tentando encaixar-me, ser “descolado”. Nunca deu muito certo. Mas a história
não é esta, mas sim essa:
No Pedra Branca, a Escola Municipal Hermes de Oliveira
Barbosa estava fechada no momento. E da janela da sala de uma casa próxima era
possível vê-la e também à formação rochosa que dava nome ao bairro de Ipatinga.
No sofá e poltronas acontecia a discussão desse cronto.
- Estamos matando o talento das crianças? Quando se
quer ensinar, mas tem que pedir “por favor”? Quando se quer ensinar, mas tem
que parar para dizer que o material deve estar encapado e sem fezes? Quando se
quer ensinar, mas tem que parar para dizer que não pode deixar a sala imunda?
Quando se quer ensinar e vem mãe reclamar que está dando dever de casa? Quando
se quer ensinar, mas se encontra com quem apoia o Golpe de 2016 e grita “17”; e
com isso o congelamento de investimentos na Educação e a ‘deforma’ da
Previdência?
- Eu te entendo, Professor. E imagino que não deve
ser fácil ser professor nos tempos atuais, mas continuo achando que a forma de
ensinar precisa mudar. E acredito que essa mudança vai evitar todos esses
transtornos que você citou... Enquanto a escola e o ensino forem
desinteressantes mais e mais problemas surgirão e mais e mais o governo
conduzirá o rebanho pra onde quer, seja pra apoiar o golpe, seja pra deformar a
previdência. Eu sei que não é fácil mudar esse sistema que serve aos interesses
políticos; mas enquanto não houver uma reforma nada, nada, nada disso vai
mudar.
- Concordo com o que o senhor Alguém disse. Países
mais evoluídos e que mudaram seu método de ensino mostram, na prática, que é
possível ensinar de forma prazerosa e significativa para o aluno. E até aqui,
pertinho de casa, tem uma escola experimental, com professores que estão
revolucionando o método de ensino e que estão mudando todo o conceito do que é
a escola. Bons ventos estão soprando por aqui, graças a Tupã. Enfim, faço votos
de que tudo melhore para todos, professores e alunos e que os talentos possam
brilhar dentro e fora da sala de aula.
- Dona Mãe, não há como discordar que a escola e o
ensino devem ser interessantes. Óbvio! Contudo, a mudança deve começar em casa,
não com o professor. Aluno deve ir para estudar, não para ser convencido a
estudar... Deve sair de casa com o objetivo de aprender; independente de
metodologia ou do professor. Deve ser um estudante e não um pedante nem
irritante. Os pais não gostam que os professores eduquem, mas nos empurram essa
missão... Paradoxo, não? Então não nos devem empurrar esse trabalho que não
aceitam que façamos, mas que exigem que façamos... Veja nesses países que
mudaram o método de ensino onde primeiro ocorreu a mudança. Em casa! É incrível
como amam culpar os professores pelo fracasso do aluno. Este que não estuda,
que fica zombando do professor, que lhe dá água de privada com sonífero para
fazê-lo dormir, humilhá-lo e este não dar atividades. Enquanto o professor tem
que gastar metade do seu tempo em sala pedindo atenção, quem está fora fica
dizendo: “faz pouco”, “não faz o suficiente”... A gente se esforça demasiado
contrastando ao desinteresse do aluno. E para que interesse?!? Em casa quem manda
é o filho, não os pais. Na escola passa de ano sem o mínimo conhecimento porque
tem que ter “educação continuada” ou qual o termo que prefiram para dizer que passa
de ano sem conhecimento mínimo. Já levei filme para as aulas de Literatura; já
levei ilustrador, pintor e grafiteiro para ensinar técnicas de desenho nas
aulas de Arte. Todos os meus colegas gastam horrores de seu tempo privado para
se dedicar aos alunos; e ficam dizendo que é pouca a nossa dedicação, o nosso
esforço em melhorar/modificar a metodologia de ensino. Não! A mudança não deve
começar com o professor; este que muito faz com o pouco disponibilizado e é
atacado pelos alunos, pelos pais dos alunos, pela Secretaria de Educação, pelos
políticos, pela sociedade. Cristo era professor e pode-se dizer que tinha três
turmas. A dos Avançados, com doze Apóstolos; a Intermediária, com setenta e
dois Discípulos; e a do Basicão, com todos que dizem segui-lO. Cristo dava
aulas interessantes, mas não ficou nem fica convencendo ninguém. A matéria foi
dada, agora estudem!
Alguns “ós” e caras de espanto e:
- Ousadia minha nos comparar-nos a Cristo? Comparo
sim porque o que Ele fez foi ensinar como um professor faz. E assim como foi
agredido pela sociedade da época e com um mundão de gente lhe dizendo como
deveria se portar, somos nós hoje agredido e recebendo “orientação” de como
agir.
- Ótimo ter o olhar de um professor na discussão;
aliás, o que mais falta na nossa sociedade é exatamente isso: discutir e buscar
soluções. Eu também já lecionei e uso o verbo no pretérito perfeito do
indicativo porque não me enquadro no perfil de ‘educadora’; dessa educadora
que tem que dar educação e não conhecimento. Jamais me atreveria a
lecionar novamente porque a escola virou um campo de guerra e o alvo, eu sei, é
o professor. Concordo plenamente que tudo começa em casa e que a grande maioria
da sociedade está no “Basicão” em termos de educação e isso só vai mudar com
novas gerações tendo novos modelos de educação. Vejam a ciranda que começa e
inicia no mesmo ponto “cego”... E os ministros, os políticos, as delegacias de
ensino... Aliás, por que se chama “delegacia”? É algo relacionado a crime?
Para um instantinho deixando a reflexão fluir e volta
a falar:
- Estudiosos e toda essa gente que determina qual
será o sistema de ensino dentro das escolas e que servem a um sistema que quer
manter o aluno alienado e a sociedade contra o professor que, usando a analogia
do Professor, é o “Cristo” que será massacrado, cuspido e
crucificado. Debates, conversas, mudanças... A sociedade precisa ser
renovada para o bem de todos nós!
Enquanto a Cidadã fala todos se calam em uma
sociedade utópica onde o cidadão tem vez e voz. Já eu fico olhando o céu,
escutando os pássaros, pensando nos professores e no sistema educacional.
Ofereço como presente às aniversariantes Gely Fantini e
Shirley Maclane.
Recomendo a leitura de:
“Tempos Sombrios: 30 anos da Constituição – Não há o que
comemorar”, de Josué da Silva Brito:
“Antropofagismo social não é canibalismo capital” e “Profissão
Professor Missão”, ambos deste macróbio que vos fala:
“E o Temer não Caiu. Mas por quê?”, de Javier Villanueva:
¹ HUGO, Victor. Os Miseráveis.
Tradução: Frederico Ozanam Pessoa de Barros. São Paulo: Penguin Classics
Companhia das Letras, 2017. P. 85.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e
publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad
Substantiam às quintas-feiras. É
professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também
professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor
dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”,
“Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua
Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do
Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Dinossauro Datilógrafo – Foto do autor – Fotógrafo
ignorado. Piquenique Dramatizado, 2015.
Escrito na manhã de 05 de fevereiro de 2018. Trabalhado no
mesmo ano, entre os dias 01 e 07 de outubro.
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