Que me acontece
Olho pela janela
Vejo um céu de Van Gogh
E só há uma toalha
Azul e manchada
Com essa impressão olho a Teca. Esquelética, olhos
arregalados olhando o nada, sem abanar o rabinho, mal reagindo a carinhos. E troco
de sensação.
Abro a porta do quarto. Na sala olho para o encontro
da parede com o teto: dois buracos feitos pelo tempo; ao redor musgo verde e
mancha preta. Cheiro o fracasso.
Fracasso de quê?
Da cozinha minha mãe me diz para ir à garagem ajudar
meu pai.
- Mas, mãe. O pai morreu tem vinte e sete anos...
- Não diga bobagens, menino. Vai logo.
A lua cheia mal atravessa as nuvens; apenas o
suficiente para vislumbrar o quintal. Perto da casa a hortinha e as flores no quintal
de vinte metros de comprimento com árvores carregadas de frutas a subir os seis
metros do morrinho. Em seu topo um barracão.
Na lateral esquerda da casa fica a garagem. Seu amplo
portão verde e bem cuidado está sendo fechado por meu pai. Atrás dele, na rua,
o fusca vendido poucos meses após sua morte e... Cadê reação? Ele para e me
olha sem sorrir nem franzir o cenho. Talvez com doçura. Quem sabe... Termina de
fechar o portão quando corro até ele. Empurro o portão marcado de pedradas dos
moleques do bairro; o cadeado enferrujado não me deixa abri-lo. Pela greta
entre o portão e o muro vejo um jovem bruxo dançando com fogo a iluminar na
noite.
Volto para casa chamando a mãe. Ela não responde. Não
a encontro.
No meu quarto... onde Teca está? Cadê a cama, o
guarda-roupa? Só tem um colchão sujo e roído; pela janela a toalha enganando-me
de novo, mas agora a percebo também rasgada...
Na sala vazia de móveis só os buracos no teto. Na cozinha:
azulejos encardidos, piso manchado e pia suja.
O quintal com terra seca; sem horta, flores ou
frutas. Subo a escadinha – agora toda esburacada – para o barracão.
Suspiro aliviado. Teca está no seu ninho cuidando dos
filhotes.
- Fiiiilho...
Olho para a voz de minha mãe e só vejo a casa. Olho pra
cachorrinha e
Que me acontece
Olho pela janela
Vejo um céu de Van Gogh
E só há uma toalha
Azul e manchada
Com essa percepção olho a Teca. Esquelética, olhos
arregalados olhando o nada...
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Cleverton Nunes, Matheus Menezes, Didi Peres, Luiz A.
Morais e Maxwell Pêgo.
Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário:
aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o
Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo –
Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”,
“Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de
Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em
Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Foto do autor – Girvany de Morais.
Jovem Bruxo, de Lupia – contatos: https://www.facebook.com/fotografialupia/
O poema foi escrito na noite de 25 de março de 2019; na
madrugada do dia seguinte sonhei o que deu origem ao que acabou de ler. O
cronto foi trabalhado inicialmente nos três dias seguintes após a digitação e
depois em 01 de setembro do mesmo ano.
3 comentários:
Lembrou-me um pouco Edgar Alan Poe. Excelente texto professor. Como sempre espetacular.
Rubem, Belo texto gosto de ler. Não sei pq, mas qdo estava lendo, tudo me lembrava a minha querida itabira.
Parabéns meu amigo, irmão, gosto muito do seu trabalho. Continui firme nos seus objetivos. Vá e vença. Vamos tirar está barbar. Kkkkk um forte abraço.
Parabéns!
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