domingo, 1 de setembro de 2019

SALA VAZIA BURACOS NO TETO



Que me acontece
Olho pela janela
Vejo um céu de Van Gogh
E só há uma toalha
Azul e manchada
Com essa impressão olho a Teca. Esquelética, olhos arregalados olhando o nada, sem abanar o rabinho, mal reagindo a carinhos. E troco de sensação.
Abro a porta do quarto. Na sala olho para o encontro da parede com o teto: dois buracos feitos pelo tempo; ao redor musgo verde e mancha preta. Cheiro o fracasso.
Fracasso de quê?
Da cozinha minha mãe me diz para ir à garagem ajudar meu pai.
- Mas, mãe. O pai morreu tem vinte e sete anos...
- Não diga bobagens, menino. Vai logo.
A lua cheia mal atravessa as nuvens; apenas o suficiente para vislumbrar o quintal. Perto da casa a hortinha e as flores no quintal de vinte metros de comprimento com árvores carregadas de frutas a subir os seis metros do morrinho. Em seu topo um barracão.
Na lateral esquerda da casa fica a garagem. Seu amplo portão verde e bem cuidado está sendo fechado por meu pai. Atrás dele, na rua, o fusca vendido poucos meses após sua morte e... Cadê reação? Ele para e me olha sem sorrir nem franzir o cenho. Talvez com doçura. Quem sabe... Termina de fechar o portão quando corro até ele. Empurro o portão marcado de pedradas dos moleques do bairro; o cadeado enferrujado não me deixa abri-lo. Pela greta entre o portão e o muro vejo um jovem bruxo dançando com fogo a iluminar na noite.
Volto para casa chamando a mãe. Ela não responde. Não a encontro.
No meu quarto... onde Teca está? Cadê a cama, o guarda-roupa? Só tem um colchão sujo e roído; pela janela a toalha enganando-me de novo, mas agora a percebo também rasgada...
Na sala vazia de móveis só os buracos no teto. Na cozinha: azulejos encardidos, piso manchado e pia suja.
O quintal com terra seca; sem horta, flores ou frutas. Subo a escadinha – agora toda esburacada – para o barracão.
Suspiro aliviado. Teca está no seu ninho cuidando dos filhotes.
- Fiiiilho...
Olho para a voz de minha mãe e só vejo a casa. Olho pra cachorrinha e
Que me acontece
Olho pela janela
Vejo um céu de Van Gogh
E só há uma toalha
Azul e manchada
Com essa percepção olho a Teca. Esquelética, olhos arregalados olhando o nada...


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Cleverton Nunes, Matheus Menezes, Didi Peres, Luiz A. Morais e Maxwell Pêgo.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Foto do autor – Girvany de Morais.
Jovem Bruxo, de Lupia – contatos: https://www.facebook.com/fotografialupia/

O poema foi escrito na noite de 25 de março de 2019; na madrugada do dia seguinte sonhei o que deu origem ao que acabou de ler. O cronto foi trabalhado inicialmente nos três dias seguintes após a digitação e depois em 01 de setembro do mesmo ano.

3 comentários:

Unknown disse...

Lembrou-me um pouco Edgar Alan Poe. Excelente texto professor. Como sempre espetacular.

Unknown disse...

Rubem, Belo texto gosto de ler. Não sei pq, mas qdo estava lendo, tudo me lembrava a minha querida itabira.
Parabéns meu amigo, irmão, gosto muito do seu trabalho. Continui firme nos seus objetivos. Vá e vença. Vamos tirar está barbar. Kkkkk um forte abraço.

Unknown disse...

Parabéns!