domingo, 19 de janeiro de 2020

KAFKA KAFTA AFTA NAFTA



Larôyê Exu! Exu é Mojubá! A vós, Mensageiro Exu, meus respeitos! Eu te peço, Exu:
Mensageiro dos Orixás e do próprio Olorum, proteja-me da inveja e do olho gordo; mantenha meus caminhos abertos no amor e nas finanças; oriente minhas palavras escritas e faladas. Larôiê Exu! A vós, Santo Antônio, meus respeitos!


Amanheceu mais um domingo.
Levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Sozinho.
Na rua um usuário de crack apanha da traficante, sua esposa.
Na república “Escuridão já vi pior / De endoidecer gente s㔹. / Mas Regina Duarte na Cultura / É treva, é vã.
Preparei o almoço; macarronada.
Dormi a tarde toda. Meu irmão com necessidade especial falou que ia passear. Dormi a noite toda.
Amanheceu mais uma segunda-feira de janeiro.
Ele não tinha voltado.
Saí para procurá-lo. Não o encontrando pensei em pessoas:
Há gente como Santo Antão / Há gente que é antinha / Há quem seja ‘bão’ / Há quem seja merdinha.
Hóspedes e moradores da casa acordaram e me ajudaram a procurar. Não encontraram.
Para procurá-lo caminhei por uma hora até o UPA. Ele não estava.
Em casa avisei minha irmã; erro meu. Deveria ter comunicado com a filha dela, que é mais pé no chão e menos lágrimas.
Almocei; mal.
Com minha sobrinha fui à Delegacia fazer Boletim de Ocorrência sobre o desaparecimento. Sem muito mais a fazer, ela voltou pra casa e pediu ajuda pelas redes sociais.
De posse do BO me dirigi a uma emissora de rádio, mas o locutor já tinha ido embora.
Da rádio me encaminhei ao IML.
Esquisito como mais do que até então meu coração encolhera.
Lá não estava. Alívio.
Instituto Médico Legal… Como? Se mal aparelhado.
Retornei para casa. Moradores e hóspedes vendo TV. Teria eu ficado assim, inerte? É possível; não sei.
Fim de tarde tomei Bromazepam, doze dupla; banhei-me, jantei mal, deitei. Dormi. Sozinho.
Não sei que horas fui acordado por Didi Peres e Claudiane Dias. Felizes avisaram-me que fora encontrado e estava no UPA se hidratando acompanhado por minha sobrinha.
Dopado não reagi conforme deveria. Dormi de novo.
Pela manhã levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Ainda só. Pedi minha irmã para mandá-lo para casa.
Prostrado, estressado, deprimido, ansioso, angustiado, sem foco, fraco. Meus adjetivos na terça-feira.

Tomei um comprimido de Bromazepam. Acordei para almoçar. Outra doze de Bromazepam. Acordei para banhar-me e jantar. Terceiro Bromazepam.
Estressado, deprimido, ansioso, angustiado, fraco. Meus adjetivos na quarta-feira.
Levei meu irmão ao posto de saúde para fazer um curativo no pé e depois – como fui orientado ao fazer o BO – fomos a um posto policial avisar que fora encontrado.
Em casa, outra pílula de Bromazepam, almocei, dormi a tarde toda. Despertei, banhei, jantei, dormi. Sempre só.
Deprimido, angustiado, fraco. Meus adjetivos na quinta-feira.
Sem uso de remédio para dormir, mas ainda sem condições para trabalhar, dormi o dia; dormi a noite.
Deprimido. Meu adjetivo na sexta-feira.
Pela manhã levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Só.
Trabalhei. Retornei aos planos de aula para fevereiro.
Almocei, cansado dormi toda a tarde. Só. Dormi a noite inteira.
Só é meu adjetivo de sábado.
Pela manhã levantei, iniciei a feitura do café, soltei os cachorros, fui ao banheiro, coei o café, arrumei a cama, tomei café com leite, saí para comprar pão, voltei, alimentei-me. Trabalhei meus planos de aula.
Em casa, na rua, no país, no mundo:
Comer Kafka / Ler kafta / Ter afta / Boiar nafta.




Ofereço como presente aos aniversariantes:
Kethely Rocha, Emilio Bigote, José C. Pinho, Elizamara Freitas e António Tonilson.

Recomendo a leitura de:
- “O Mundo Não Cabe no Meu Olhar”, de Vinícius Siman:
- GUARDA NOTURNO, de Girvany de Morais: A noite é bela / mas eu tenho que guardar almas, / as almas é minha missão, / eu preciso dormi-las / Eu amo a noite que me dá / o sagrado pão, / que me dá a lua e as estrelas, / então tenho que guardá-las, / para que os ladrões / não as roubem.
- “Pescaria”, de Bispo Filho:
- “La Soberbia y la Quinta Pata del Gato” e “Pacificación de la Araucanía y Campaña del Desierto”, de Javier Villanueva:
- “Cena Fugaz”, de António MR Martins:

¹ Renato Russo, Mais Uma Vez.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens feitas pelo autor.

Escrito e trabalhado entre 17 e 19 de janeiro de 2020.

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