domingo, 31 de maio de 2020

BRASILEIROS PATRIOTAS DOS ESTADOS UNIDOS




Estou certa de que a senhora Bice intuiu no primeiro olhar que o que me faltava não era comida. Nos anos que passamos juntas, entretanto, ela não se ofereceu como substituta, limitou-se a me nutrir com afeto, a apreciar meu empenho nos estudos, a inventar o ritual do chá de camomila depois do jantar para me reconciliar com o sono, sempre difícil de pegar. E já era muito mais do que lhe fora pedido.

(PIETRANTONIO, 2019).

Registro aqui meu repúdio à Câmara Municipal de Ipatinga por ter aprovado uma moção de aplausos ao presidente Boçalnato. 
Registro aqui meu repúdio aos vereadores que votaram a favor desse agravo ao povo ipatinguense:
Adelson Fernandes, Ademir Cláudio, Adiel Oliveira, Avelino Cruz, Cassinha Carvalho, Fábio Pereira, Chiquinho, Gustavo Nunes, Rominalda Paula, Nilsin Transnil (autor da moção), Márcia Perozini, Toninho Felipe e Ley do Trânsito.

!Repudio, repudio, repudio! Tanto quién propone ese entuerto al pueblo de Ipatinga cuanto a los que lo aprueban se muestran las formas más bajas de vida. Se ustedes aplauden alguien tan bajo es porque se igualan… No, ¡peor! De sus puntos de vista consiguen ver como elevado un ser tan bajo.

É quarta-feira.
A sala é pequena, quadrada, quase sem divisória com a cozinha ainda menor. A primeira parede, onde fica a porta de entrada do apartamento, um estreita e comprida mesinha bagunçada. Na segunda parede, a porta para um quarto e duas estantes repletas de livros. A terceira parede tem um beliche para hospedar artistas de rua de passagem a Ipatinga. Quase não existe a quarta parede; é basicamente duas colunas separando da cozinha onde ficam dois armários baixos e coisas pertinentes a preparação de alimento e limpeza de vasilhas.
Sai de sua habitação para ir à Câmara Municipal de Ipatinga. Lá terá reunião ordinária a discutir a obrigatoriedade de informes diários sobre o covid-19; mais precisamente sobre o número de leitos clínicos e UTI’s disponíveis no município. Recebeu aprovação geral; assim o projeto terá na próxima semana a segunda sessão.
Além disso a CMI aprovou que seja destinado à APAE R$18.000,00; que o Centro Municipal Infantil entre os bairros Ideal e Esperança passe a ser chamado CEI Padre Efraim Solano Rocha, em homenagem póstuma; e também algumas moções de aplausos. Entre esses, aquele que não deve ser nomeado, o atual presidente da república, foi especialmente indicado.
- Boçalnato merece nossos aplausos pela “forma competente como o presidente tem governado o país neste momento de combate ao coronavírus e crise econômica”. – Diz o vereador do MDB, Newyes Transnew. – Nada justifica tanto essa reunião ordinária que essa moção. Moção, aliás, que converte uma reunião ordinária em a reunião extraordinária.
- Isso é um absurdo! O mundo inteiro denuncia o governo federal brasileiro pelo genocídio contra o povo e pela destruição de nossa economia. Não a essa moção. – Disseram os vereadores Sebastião Guedes e Francklin Meireles. E a vereadora Lene Teixeira completa: Meu voto é “não!” porque defendo a democracia. Meu voto é “não!” porque todas as ações do presidente tendem a matar muito mais do que promover a vida. Se a ações dele fossem o inverso do que são votaria “sim!” por essa moção; isso é democracia. Mas as ações e atitudes do presidente matam mais que a própria a doença, o covid.
- Repúdio, repúdio, repúdio. – indigna-se o protagonista deste cronto. – Tanto quem propõe esse agravo aos ipatinguenses quanto os que aprovam se mostram as formas mais baixa de vida. Se os senhores aplaudem alguém tão baixo é porque se iguala... Não, pior! De seus pontos de vista consegue ver como elevado alguém tão baixo.
À flor da pele vai para a rua. E a caminhada arrefece, mas não acaba com a ira. Depois da ira, ele já sabe, virá vontade de chorar e sono. Mas no momento ele só caminha. Em sua marcha, quase sem sua participação, as pessoas ficam sabendo da afronta de treze vereadores ipatinguense às vítimas do coronavírus em todo o Brasil e aos seus familiares. À medida que a população fica sabendo desse acintoso agravo, o povo escandaliza-se.
Cansado de perambular retorna ao lar.
Dois interlocutores estão de pé. Um em diagonal com a porta de entrada e o outro em frente à porta do quarto.
- O problema não é se suas consciências vão pesar. Mas sim a mortandade que estão espalhando. Mas tudo bem. Sei que você acredita em qualquer um, menos em mim. Tudo que falo é exagero e os demais são os expertos. Então me calo.
- Você é velho. Cada um cuida da própria vida.
- Sair de casa é destruir a vida alheia, não é cuidar da própria vida.
- Faça a sua história e esquece a dos outros.
- Não se a história dos outros afeta a minha. Destrói a dos demais. Mas vou calar-me. Sei que minhas palavras são sempre tolas ou exageradas para você.
- Nem todas. Somos dois seres com mentes diferentes.
- Sair de casa neste momento é destruir a vida alheia, não é cuidar da própria. Mas paro de falar.
- Olha! Estamos evitando te abraçar, pegar na sua mão etc. Assim com os demais, com minha irmã etc. Mas precisamos sair um pouco também. Nem que seja uma vez na semana. Se põe no meu lugar, por exemplo.
Não há resposta.
- Sei que você adora fazer caridade. E não precisa nos cobrar por isso.
Silêncio. Mas há resposta em pensamento. Caridade?!? Se falasse fraternidade poderia ser, mas caridade?!? Caridade é vaidade assim creio. Por que qualquer comentário é visto como uma cobrança? – O pensamento continua por trás da cara sem expressão.
- Mas enfim, essa discussão acaba aqui. A ignorância e o ego são seus maiores defeitos; destroem toda sua intelectualidade.

À flor da pele vê pela porta a copa redonda de um oiti e telhados e parte dos pequenos prédios das ruas Sabará, Uberlândia e Diamantina. O sol se põe e ainda não está noite. Depois da irritação surge vontade de chorar e em seguida, sono. A ambos reage indo ao quarto. Às lágrimas não se entrega, pois não chegou ao seu limite. Mal se acosta e o chamam pelo celular para discutirem sobre os treze vereadores sem noção; ou simplesmente maus.
- Por mais que doa, o momento é deles. – Afirma o microcontista Girvany de Morais. – Outra questão é até onde isso afetou o povo ipatinguense? Até que ponto o povo é vítima?
- Denuncio sempre: Esses estão vereadores por culpa do povo. Vai ter gente a dizer “mas essa moção não representa a vontade do povo” e desde já os respondo: “Primeiro, se isso fosse verdade eles não estariam lá. Segundo, eles não se sentiriam tão à vontade de serem acintosamente corruptos”.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Márcio Castro, Eder Rodrigues, Valdiene Gomes, Marcelo S. Marinho, Alcides Ramos, Robinson Farah e Adinagruber C. Lima.

Recomendo a leitura de:
“Epifanias”, de Gabriel Miguel; o exemplar pode ser adquirido:

PIETRANTONIO, Donatella di. A Retornada. [Trad. Mario Bresighello]. São Paulo: Faro Editorial, 2019. P. 136.
CÂMARA MUNICIPAL DE IPATINGA. COVID-19: Câmara aprova projeto de lei que exige informação diária sobre o número de leitos disponíveis. Disponível https://camaraipatinga.mg.gov.br/news/6202/covid-19-camara-aprova-projeto-de-lei-que-exige-informacao-diaria-sobre-o-numero-de-leitos-disponiveis.html?fbclid=IwAR0LVh0CDZMC4SmzI5MCq2lW6y1TYkPGw-skp4TzuDmZDoW9i2dSVLv1y7c . Acesso 29 Mai 2020.


Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens: fotos do autor.

Escrito e trabalhado entre 28 de março e 31 de maio de 2020.

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