domingo, 24 de outubro de 2021

SÃO FRANCISCO DE ASSIS, OS ANIMAIS, A ECOLOGIA E A IRMÃ MORTE

 

“Todos os seres são iguais, pela sua origem, seus direitos naturais e divinos e seu objetivo final”.

“Todas as coisas da criação são filho do Pai e irmãos do homem... Deus quer que ajudemos aos animais, se necessitam de ajuda. Toda criatura em desgraça tem o mesmo direito de ser protegida”.

“Apenas um raio de sol é suficiente para afastar várias sombras”.

(Três pequenos ensinamentos de São Francisco de Assis).

 

Como sempre a manhã é bela. Se fossem só as manhãs, a fauna, a flora... Enfim a natureza seria uma dádiva, mas ninguém tem noção e não perceberem seus atributos; mas há muitas consciências ativas?

Sou o inverso de Francisco; ele é doce. Sou mais próximo de Antônio; ele é severo. E gosto de ser assim. Creio que a trindade franciscana conseguia ter essa ciência.

 

- O Sangue de Jesus tem poder! – Segundos de silêncio. – Vai morrer!... – Mais outros segundos. – Vem pra fora, diabo! – Grita na porta do posto de saúde do bairro Limoeiro, Timóteo.

- Tem ninguém aí não.

- Por que está aberta então?

- É a faxineira.

Ele volta para onde veio gritando as mesmas coisas, mas começando pela última exclamação e terminando com a primeira.

Eis o início de mais um dia.

Não um dia qualquer, é o de São Francisco de Assis e do meio ambiente. Ouço canto dos pássaros, um louco gritando incoerências e doentes lamentando enquanto esperam e esperam. Esperamos! Como será esse dia? Por enquanto fico ou tento segurar, manter, com o canto dos pássaros e a imagem do sol atravessando amarelo e branco as nuvens cinzas. 


No dia seguinte, enquanto digito o manuscrito, penso: faxineiras não são alguém ou a mulher que avisou ao louco queria dizer apenas que não havia outros funcionários para marcar as consultas: enfermeira e médica? Vai saber! Mas tenho minhas suspeitas...

De minha casa ao posto de saúde vejo cachorros famintos, dormindo na rua, não em suas casas.

Lembrei do vizinho que queria quebrar a mandíbula de minha cachorrinha que entrara em sua casa, não parando mesmo diante de meus rogos. Parou quando peguei uma telha e atirei para além dele. O machão entrou correndo na casa, trancando a porta e deixando a mulher que dormira com ele na parte de fora.

No livro antológico Identidades, da editora Venas Abiertas, uma dedicação de Karine Oliveira, ouço, no momento, Samuel Medina e Pablo Figueroa e eles bailam com Renato Russo e Chico Buarque:

O homem passou por sobre o pombo e conferiu a imagem que revelava vagamente a figura de um trecho de um vitral que vira na infância: parecia o Arcanjo Gabriel no momento da Anunciação. O pombo esmagado, as asas abertas e o que antes fora seu corpo feriam a mente do homem. Era como ele soubera que não houvesse como escapar. Foi com essa forte determinação que ele subiu os 18 andares de um dos principais edifícios da cidade. Sentindo toda a liberdade de um ser alado, ele deixou seu corpo dançar no vazio até alcançar o chão.

(Medina).

Subiu a construção como se fosse solido. Seus olhos embotados de cimento e lágrimas. Dançou e gargalhou como se ouvisse música. E tropeçou no céu como se fosse um bêbado e flutuou no ar como se fosse um pássaro e se acabou no chão feito um pacote flácido. Agonizou no passeio público. Morreu na contramão atrapalhando o público.

(Buarque).

Ninguém sabe o que aconteceu. Ela se jogou da janela do quinto andar. Nada é fácil de entender: Explica a grande fúria do mundo.

(Russo).

Meus iguais jazem enterrados lá no fundo, e vocês são as larvas.

(Figueroa).

 

Queria ter pensamentos bonitos, mas não estou conseguindo. Ou será que não posso? Será covardia, preguiça? Será algo mais forte que eu?

Médicos dizem algumas coisas. Religiosos dizem outras. O povo fala o que lhe sai pelo cotovelo. E, vedando minha vista e meus ouvidos, olho o sol ainda crescendo e ouço os pássaros ultrapassando o alboroto humano. Comigo apenas meus livros.

- Sr. Benito! A médica vai atendê-lo.

Entro. Explico minha situação. O surto da semana passada, as crises de depressão e ansiedade que me assolam. Que não posso ir trabalhar. Que tenho uma consulta marcada com um psiquiatra para o próximo sábado.

- O senhor quer atestado para cinco dias?

- Não, não quero. Preciso! Não tenho condições de trabalhar. Acordo a noite chorando e sem respirar. Durante o dia choro, perco o ar e não aguento andar de tanto cansaço. Uma fome que nunca passa e me produz duas coisas: ou só não me entupo de comida porque sei que não é apetite ou então tento comer e não ultrapassa a garganta. E a fome! Fome, não apetite... Fome ininterrupta. E o atestado não é para fugir do trabalho e para poder aguentar até sábado onde tenho uma consulta com um médico especializado para dizer-me como proceder.

Sem vontade minha sai-me lágrimas. A médica me observa pensativa.

- Tem mesmo uma consulta marcada para sábado?

Não tenho mais força para falar e só afirmo com a cabeça. Ela me dá o atestado. Volto para casa. Passo a semana pouco me alimentando de comida, mas me alimentando de consolo, de força, de conselhos: livros!

Mesmo afastado, durante vinte e um dias enfrentei as pessoas no trabalho, nas clínicas e onde mais tive que ir. Consumo os remédios prescritos. Mas me repouso e fortaleço na natureza ao redor de minha casa e com a literatura.

 

 


Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.

 

Manuscrito no dia 04 e trabalhado entre o dia seguinte e 24. Tudo em outubro de 2021.

3 comentários:

Unknown disse...

Como sempre, muito bom!!

Samuel Medina (Nerito Samedi) disse...

Olá, Rubem, tudo bem?

Senti-me lisonjeado com a menção. Encontrei seu blog através de um comentário no meu. Desde já, agradeço a visita e espero que possamos trocar impressões e observações.

Abraço,

aRTISTA aRTEIRO - Rubem Leite disse...

Tornei-me seu seguidor.