domingo, 27 de fevereiro de 2022

FESTIVAL DA CARNE MAIS BARATA DO MERCADO

 

 

Não inspiro ninguém a nada.

As que me olham

As que me ouvem

Não me veem, não me escutam

Não existo, não insisto.

 

Carnaval está aí

Um dia só não basta

Tem que ser quatro ou quarenta.

E disse o presidente:

Preto é besta

Útil pra carga

Tudo aguenta

E tá ok isso aí.

 

Preto é pobre

Branco é nobre

Bicha é porre

Hétero é cobre

Hétero branco é prata

Hétero branco rico é ouro.

Quem pensa

Essa triste verdade descobre.

 

Enquanto isso

Os últimos raios de sol no céu foram um obséquio prateado e cinza.

Num plácido doce dia

O som de algo pesado batendo nas telhas conduziu meus olhos ao telhado.

Nada vi além do esperado teto.

– Por alguns segundos. –

Um macuco pousara no telhado

E do seu pescoço preto um par de pele vermelha

Balançava.

Ao me ver observando-o, retrocedeu

Afastou-se a esconder-se de meus olhos.

Isso umas quatro vezes.

Para o sossego do pássaro disfarcei meus olhares.

Vigiou-me um tempo e não sentido perigo voou para a mangueira em frente.

Talvez para dormir em seu ninho.

Talvez a esperar seu par.

O céu e o sol, a ave e a árvore formaram a visão de minha vida.

 

Cada um dá o que tem.

Quem não tem nada

Não vale nem centavo nem vintém.

E você nada vale

Destrutivo como a Vale

Gasta mil reais em livros

Se passa por santarrão

Fingindo-se nosso irmão.

– Diz-me quem me busca

Para pedir ou agredir.

Nada respondo

Tudo penso –

Mil reais em livros

Ou quinhentos em crack.

Nos primeiros invisto

Ao contrário de ti

Que no segundo gasta.

 

Que importa.

Quem se importa.

 

Sou bobo.

Descobri faz tempo e empiricamente o quanto sou tolo.

O que não sei ainda é se o bobo descrito por Leon Tolstói e Clarice Lispector.

Ou se sou apenas um vulgar tolo.

 

Chega! Cansei de falar.

Ouça-me

Quem quiser

Se quiser.

Pense

Quem quiser

Quem puder.

 

 


 

Gin, amêndoas, uva passas, pimenta Jamaica e água tônica

Bebo

E o que vejo?

Na escola nenhum professor negro.

Não tem problema

É carnaval.

Depois tem mais futebol.

Por fim adeus,

Livraria Ouvidor.

 

 

De Rubem Leite

 

Dia 26 de fevereiro de 22 a Livraria Ouvidor, em BH, abriu suas portas pela última vez em cinquenta e dois anos.

 

Começado a escrever em 30 de dezembro de 2021 e encerrado em 27 de fevereiro de 2022.

Um comentário:

Glaussim disse...

Gostei muito. É uma nova era? Uma mutação? É um novo modelo? Curti!